POV Heitor Montenegro
O som do relógio na sala parecia martelar meu crânio. Cada tique-taque me irritava como uma gota d'água caindo no meio de um deserto.
Célia falava com alguém no telefone. Elena chorava no quarto, reclamando das dores, das cólicas, da gravidez que eu nunca pedi. Rafael andava de um lado para o outro, sorrindo como um abutre que sente o cheiro de carniça.
Eu andava. De um canto a outro. O whisky queimava na garganta, mas não aquecia nada.
Então o interfone tocou.
— Sr. Montenegro, um oficial de justiça está aqui embaixo. — A voz fria do segurança.
Meu coração parou.
Desci.
Vi o envelope. O carimbo. O peso de mil punhais cravando meu peito. Peguei. Assinei. Voltei. Subi devagar. Cada degrau parecia puxar uma tonelada. Célia me olhou, confusa.
— O que foi?
Eu não respondi. Rasguei o envelope. Li.
“Pedido de divórcio litigioso. Anexo: provas de violência física, moral, psicológica. Pedido de indenização. Pedido de medida protetiva.”
A mão tremeu. O papel caiu.
— NÃO!