ANYA DEVEREUX.Quando o amor vira memória, o corpo vira templo interditado.Pouco tempo depois que Orion sai abruptamente do quarto, a porta se abre novamente com um rangido suave e, desta vez, é a rainha quem entra. Ela caminha devagar e deliberadamente até mim, os olhos suaves, porém carregados de uma tristeza silenciosa e profunda. A presença dela é reconfortante de alguma forma, trazendo uma sensação maternal que me faltou nos últimos dias, mas também me lembra cruelmente da gravidade da situação em que me encontro. Ela é a mãe de Orion, a mulher que trouxe ao mundo o homem que agora tanto me assusta, e também foi quem amou Victor com carinho e afeto verdadeiros.Observo-a se aproximar, notando cada detalhe de sua expressão. Há cansaço em seu rosto, linhas de preocupação que não existiam quando a conheci pela primeira vez, no meu casamento com Victor. A guerra levou um filho dela, e o outro voltou transformado em alguém que ela mal reconhece. Sinto uma pontada de culpa por adicio

ANYA DEVEREUX.O trono pede entrega total; mas a alma entrega resistência.Suspiro, voltando à realidade. Naquela noite, ele voltou, mas fingi estar dormindo; senti o olhar dele me queimar enquanto tentava, de todas as formas, controlar a minha respiração para não entregar o pânico que me dominava. E tem sido assim a cada dia: fujo dele o máximo que posso, evitando encontros desnecessários, enquanto ele dorme escondido em um dos milhares de quartos do castelo.Me remexo no assento, desconfortável, e cada refeição ao lado da família real parece um teste doloroso de paciência e resistência emocional. O jantar desta noite não é diferente dos anteriores. O clima é pesado e tenso, como sempre tem sido, mas hoje há algo mais palpável no ar, uma expectativa sufocante que se instala entre nós e me deixa ainda mais desconfortável. O rei Kholyn, entre uma taça generosa de vinho tinto e outra, lança um olhar afiado e penetrante em minha direção, como se estivesse aguardando exatamente o momento

ORION DOMINUS.Glória é o nome bonito do que apodrece por dentro.Poderia descrever a poeira que inalamos e que parece nunca sair dos pulmões, a sensação de pescoço ardendo ao respirar o cheiro metálico do sangue, as mãos escorregadias dos que tentam se levantar e não conseguem. Mas ninguém aqui reunido realmente quer ouvir isso. Eles querem apenas a versão bonita e polida, a narrativa heroica e conveniente. Querem acreditar fervorosamente que a guerra é um grande palco teatral onde homens como eu brilham sob holofotes imaginários, não o matadouro sangrento que realmente é.Deixo que falem, que riam estridentemente, que encostem em mim com familiaridade não solicitada. Uma delas — uma morena de olhos escuros e lábios pintados de vermelho — acaba sentando-se sem qualquer cerimônia no meu colo, as mãos quentes pousando no meu ombro como se fosse íntima, como se tivesse algum direito adquirido sobre meu corpo. O perfume que exala é doce e enjoativo; há um toque de álcool no ar ao redor d

ORION DOMINUS.A tradição aponta caminhos; o rancor abre cicatrizes.Olho diretamente para baixo, para Anya. Para observar atentamente. Para testar cruelmente os limites. Para descobrir desesperadamente alguma coisa significativa. Qualquer reação genuína.Ela termina de tirar cuidadosamente uma bota. Coloca-a de lado com atenção excessiva. Passa silenciosamente para a outra, mantendo o mesmo ritual metódico. Movimentos precisos, absolutamente contidos e controlados. Ela não levanta o rosto nem uma única vez. Não dá um único sinal perceptível de que viu, ouviu ou sentiu absolutamente qualquer coisa do que estou fazendo propositalmente bem à sua frente.Absolutamente nada.É como se eu simplesmente não existisse em seu mundo. Como se fosse transparente, invisível, irrelevante.Uma chama intensa de irritação profunda sobe pela minha garganta, ameaçando me sufocar.Eu poderia apertar o pescoço desta mulher inútil no meu colo até ela gaguejar pedindo ar, se isso não causasse um escândalo m

ANYA DEVEREUX.O passado esmaga; o presente impõe domínio.Aproxima-se devagar, com movimentos medidos e deliberados.Como um predador avaliando presa encurralada.— Não pertence a mim? — repete as palavras com desdém cortante, saboreando cada sílaba. — Você tem absoluta certeza dessa afirmação?— Absoluta — respondo com mais firmeza do que eu esperava conseguir reunir, endireitando minimamente os ombros. — Este lugar é meu. Exclusivamente meu e do Victor. Você não tem o direito de entrar aqui sem permissão.Por um instante fugaz, algo indefinível passa nos olhos escuros dele. Algo sombrio e perturbador. Algo profundamente ferido que tenta imediatamente esconder.— Você pode repetir isso? — murmura baixo, a voz perigosamente suave, carregada de ameaça velada.— Não tem o direito — insisto teimosamente, mesmo tremendo visivelmente dos pés à cabeça. — Você já tomou tudo o que podia de mim... minha vida, meu futuro, meu nome. Não vai conseguir tomar isso também. Não vou permitir.O silên