Caio nunca chegou a ligar para Clarice, mas as buscas que fez foram suficientes para que o nome dela voltasse a circular nos corredores — exatamente como Camila havia planejado.Em poucas horas, o rumor já tinha cheiro de verdade: “a ex do Rafael voltou”, diziam os sussurros, como se o passado fosse uma celebridade prestes a dar entrevista.Lívia, alheia ao burburinho, seguia sua rotina de treinamentos, tentando ignorar a sensação incômoda de que algo invisível estava se movendo ao redor.Mas o ar parecia mais denso. As conversas paravam quando ela entrava em alguma sala.Nada explícito — apenas insinuações disfarçadas de gentileza.Naquela manhã, recebeu uma mensagem de Rafael:“Hoje, jantar em família. Minha mãe quer muito te conhecer.”Ela leu e sorriu.Mas algo no “quer muito” soou mais como precisa avaliar.Helena Menezes chegou à história como um perfume caro: discreta no início, mas impossível de ignorar depois.Viúva há mais de uma década, era uma mulher que havia transformado

A manhã começou diferente.O ar na VittaFran parecia mais pesado, e Rafael sentiu assim que atravessou o saguão.Os olhares — alguns curiosos, outros discretos — o seguiam até o elevador.Ele não sabia, mas a foto já tinha começado a circular.Uma imagem.Um instante.Um corte perfeito no tecido da confiança.Na tela do celular, Lívia ainda olhava a foto de madrugada.Rafael e Clarice, na varanda iluminada, rindo.Nada comprometedor, mas íntimo o bastante pra parecer.Ela não sabia quem tinha enviado, mas sabia o que aquilo significava: alguém queria vê-los ruir.Não chorou.Não escreveu nada.Mas o corpo dela reagia — o coração acelerado, a respiração presa, aquele nó invisível entre a garganta e o peito.Era a velha sensação do passado: o medo de acreditar de novo.Mas ela já não era a mulher de antes.Quando Rafael entrou na sala, ela estava lá.De pé, com os braços cruzados, o olhar firme.— Precisamos conversar. — disse, com voz calma demais.Ele sentiu a energia — fria, contida,

A notificação chegou por e-mail, às 14h02.Assunto: Procedimento Administrativo – Afastamento Temporário.Lívia leu uma vez, depois de novo, como quem tenta encontrar um erro de digitação que anule a realidade.As palavras eram impessoais, secas:“Em razão da investigação em curso sobre conduta corporativa, solicitamos o afastamento temporário da colaboradora Lívia Andrade de suas atividades até conclusão da apuração.”O corpo dela reagiu antes da mente.As mãos tremiam, o peito pesava.Mas o rosto… continuava sereno.Era o tipo de dor que já aprendeu a se disfarçar em dignidade.Bruna apareceu na porta, com os olhos marejados.— Eu… eu não sabia, Lív. O RH disse que é só até esclarecerem.Lívia respirou fundo. — Tá tudo bem. Eu não fiz nada errado.Mas o “tudo bem” saiu como quem tenta lembrar o próprio nome depois de um susto.No andar de cima, Rafael recebia a mesma notícia em outro formato — um comunicado do jurídico, com cópia para o Conselho.O texto falava em “decisão necessári

A sala de reuniões do décimo segundo andar estava mais fria do que o ar condicionado podia justificar.Camila sentou-se à mesa, confiante, ajeitando a pasta de couro diante de si.Ao redor, os diretores conversavam baixo, trocando olhares rápidos.Ela acreditava que estava ali para uma pauta de rotina — mal sabia que a pauta era ela.Marcelo abriu a reunião com a voz firme, neutra.— Antes de começarmos, informo que recebemos um relatório técnico referente ao caso “Conduta Inadequada”.O nome soou como eco.Camila manteve o semblante calmo, embora as mãos tivessem suado.— O relatório indica que o e-mail anônimo que circulou internamente foi enviado a partir de um login do departamento de comunicação, sob o usuário “C.Ferraz”. — continuou Marcelo. — O mesmo usado para acessar arquivos restritos e anexar imagens fora do expediente.Um silêncio se formou.Os olhares se voltaram para ela.Camila respirou fundo. — Deve haver algum engano. Vários funcionários usam o mesmo terminal.Marcelo

Nos dias que se seguiram à reintegração, a rotina na VittaFran parecia ter voltado ao normal.Mas só parecia.O ar no décimo andar carregava uma tensão suave, invisível, que os mais sensíveis conseguiam sentir — um tipo de vibração que não vinha do ar-condicionado, e sim do reencontro de duas frequências que tentavam fingir neutralidade.Lívia chegava cedo, evitava olhares, falava com todos da mesma forma.Mas bastava sentir o perfume amadeirado de Rafael cruzando o corredor para o coração desobedecer.O corpo lembrava — o campo lembrava.Naquela terça-feira, estavam reunidos com a equipe de expansão.Ele falava sobre novas franquias no interior, e ela tomava notas, concentrada.Ou tentava.A voz dele tinha aquela gravidade que vibrava dentro do peito, como se dissesse palavras em duas camadas — uma profissional, outra só pra ela.“O segredo de um bom resultado é saber observar o detalhe.”A frase era sobre relatórios, mas o olhar dele pousou em Lívia.Ela fingiu não notar, mas o sorr