MIRELA Quando ele entrou no quarto de novo, eu já sabia que nada de bom vinha dali. O Rodrigo parecia outra pessoa. Desarrumado, com o cabelo todo bagunçado, suado, os olhos vermelhos. Tinha uma garrafa de bebida numa mão e um saquinho com pó branco na outra.Meu estômago revirou.— Não olha assim pra mim, amor. — Ele riu sem humor. — Eu tô assim por sua causa. Você me obrigou a fazer isso.Me obrigou. Olha a loucura.Eu tentei virar o rosto, não queria nem ver aquilo, mas ele veio até mim e puxou meu queixo com força, me obrigando a encarar. Eu tava nua naquela cama nojenta, amarrada, com dor em tudo que é lugar. Mas o pior era o medo. Medo do que mais ele podia fazer. O Rodrigo que eu conhecia tinha sumido. O cara que comprava bombom pra mim, que me buscava na escola, aquele cara tava morto. O que sobrou era um maluco perdido, drogado, agressivo, sem noção nenhuma do que era amor de verdade.Ele abriu o saquinho, fez uma fileira em cima de um espelhinho e cheirou tudo de uma vez. O

THIAGOJá era tarde da noite.O apartamento inteiro tava tomado por uma atmosfera pesada, abafada. A música ainda tocava em algum canto, baixa, e a televisão piscava luzes coloridas, mas ninguém tava prestando atenção em nada disso. Tinha gente espalhada pelo chão, dormindo, uns apagados de bebida, outros de cansaço mesmo. No sofá, uma garota que eu nem lembrava o nome me chupava sem pressa, como se aquilo fosse a coisa mais comum do mundo.Na mesa de jantar, quatro caras e uma mulher se pegavam sem vergonha, sem pudor, como se estivessem sozinhos no mundo. Eu olhava tudo meio distante, como se não fosse comigo. A bebida misturada com as drogas já me deixava meio mole, meio aéreo. A verdade é que aquilo não me preenchia mais. Era tudo automático, mecânico. Eu só não queria pensar. Queria desligar minha cabeça por algumas horas, esquecer dela — esquecer da Mirela.Até que a campainha tocou.Foi estranho. Ninguém tocava a campainha ali. Quem chegava, batia direto ou ligava antes. Iss

MIRELA Me despi na frente do Lucas sem nenhum pudor. Não era inocência, não era distração. Era provocação. Era vingança. Eu queria machucar o Thiago e, de alguma forma torta, fazer ele sentir o que eu tava sentindo. O Lucas me olhava como se estivesse diante de um segredo proibido. Não desceu os olhos pelo meu corpo — ele manteve o olhar nos meus olhos. Mas eu sabia. Sabia que ele tava me despindo por dentro.— Quer que eu encha a banheira? — ele perguntou, tentando manter a voz firme, mas a respiração dele já denunciava tudo.— Quero — respondi decidida, nua e pronta pra causar o caos que eu mesma tinha escolhido.— Você quer entrar direto ou prefere uma ducha antes? — ele sugeriu, já indo até o painel eletrônico do chuveiro. A casa dele podia parecer velha, mas o banheiro era outra história. Moderno, cheio de detalhes tecnológicos. Um contraste engraçado, mas que fazia sentido. Ele sempre foi essa mistura de bagunça e controle.— Ducha. Liga pra mim? — pedi, fingindo calma, mas a v

MIRELAEu sempre achei que prestar depoimento seria como nos filmes: sala pequena, cadeira desconfortável e um policial com cara de mau fazendo perguntas difíceis. Mas não era nada assim. Era pior.A sala era fria, as paredes brancas, o cheiro de café velho misturado com desinfetante me enjoava. E o pior de tudo era encarar a verdade que eu evitava.Rodrigo não era só o cara que tinha me sequestrado. Não era só meu ex-namorado surtado, carente e ciumento. Segundo o inspetor França, ele era suspeito de coisas que me deixaram sem ar.— Temos denúncias antigas de agressão, uma investigação sobre estupro em andamento e um atropelamento que aconteceu há algumas semanas, um caso sério envolvendo um carro de luxo, sem placas visíveis. — A voz do policial era séria, dura. — Estamos juntando as provas, mas ele já tem um histórico pesado, Mirela. Não é um caso simples. Não é só você.Meu corpo inteiro gelou. Eu piscava devagar, tentando absorver aquelas informações.Rodrigo? Estupro? Atropela

MIRELAEu não sabia explicar o que estava acontecendo. Na verdade, eu não tinha ideia nem do que eu sentia mais. Tava tudo embaralhado dentro de mim: raiva, medo, desejo, confusão. Uma confusão que começava a me consumir de um jeito que eu nem conseguia disfarçar mais.Lucas estava incrível comigo, isso eu não podia negar. Me tratava como uma princesa. Carinhoso, cuidadoso, preocupado com tudo que envolvia meu bem-estar. Mas também tinha um quê de tensão no ar. Não sei dizer quando foi que aquilo começou a me incomodar, mas a sensação era de que a qualquer momento ele ia surtar. Ele queria me proteger, queria cuidar de mim, mas também queria me ter num domo de vidro. Como se eu fosse uma coisa dele. Como se o passado dele estivesse me empurrando pra um lugar que eu não sabia se queria estar.E Thiago… ah, Thiago. Ele não aceitava o fim. Ele não aceitou perder, muito menos pro Lucas. Parecia que aquilo feria o ego dele mais do que qualquer outra coisa. Não era nem sobre mim, era so