Ever Como falar de mim sem matar vocês de tédio? Eu prometo tentar, mas já aviso, a história é uma merda. Se você pular algumas páginas eu vou entender, mas se quiser ficar aí, se prepara para o drama. Sou Ever Hiley Collins. E sim, não é um nome brasileiro porque eu não nasci aqui. Tenho dupla cidadania, mãe americana, pai brasileiro. Nasci em Los Angeles há 17 anos, numa casa pequena no subúrbio, com paredes descascadas e cheiro de café com canela. Meus pais se amavam, pelo menos era o que parecia naqueles anos bons. Meu pai ralava em projetos de tecnologia e robótica, enquanto minha mãe cuidava de mim com um sorriso gentil. A vida não era perfeita, mas era nossa. Quando eu tinha seis anos, Noah nasceu. Meu irmãozinho. Minha luz. Ele mudou tudo. Fez a casa ficar mais alegre, mais viva. Eu brincava com ele, contava histórias, fazia desenhos dos nossos "futuros robôs voadores". Mas a felicidade tem um jeito cruel de escapar pelos dedos. Noah começou a tossir à noite. Primeiro f

Continuei andando, os coturnos batendo no piso do pátio, me forçando a não virar de novo pra encarar aqueles olhos que pareciam querer descobrir cada buraco que eu guardava por dentro.E lá no fundo, soube.Aquele encontro besta tinha acabado de ferrar toda a paz que eu fingia ter.Saí andando do pátio sem olhar pra trás, mas o corpo inteiro implorava pra virar. Pra dar só mais uma olhada na certinha com cara de quem tem checklist até pra respirar. Porra. Desde quando isso me dava curiosidade?Cruzei o portão da escola e o motorista já estava encostado no meio-fio, lendo algo no celular. O carro preto parecia mais um caixão de luxo me esperando pra voltar pro mausoléu que chamam de casa.— Boa tarde, senhorita Ever — ele disse, abrindo a porta de trás pra mim.Só ergui o queixo num gesto mudo. Não tava a fim de conversa. Entrei, joguei a mochila do lado e afundei no banco de couro gelado, tentando não pensar em olhos castanhos grandes

Observei ela dar os primeiros passos no saguão. O jeito como os olhos dela rodaram pelo lustre, pelas paredes claras, pelos quadros, pela escada que se enrolava em curva. Tudo ali gritava dinheiro. E vazio. Eu sabia. Morava nisso todo dia.— Sua casa parece uma galeria de arte — ela soltou, quase sem pensar.— É. Parece mesmo. — Dei de ombros, mãos nos bolsos do moletom. — Mas ninguém mora de verdade aqui. Só eu.Ela arqueou a sobrancelha, curiosa. E aí veio a pergunta inevitável.— E seus pais?Parei por meio segundo. Só o suficiente pra catar a resposta padrão.— Minha mãe mora em Los Angeles.Joguei a frase como quem fala do tempo.— E meu pai… bom, ele mora aqui, tecnicamente. Só não vive.— E ele não tá?— Provavelmente tá em algum lugar da casa. Ou em outro país. Vai saber. — Dei outro de ombros, o mais leve que pude. — Não se preocupa, a gente não vai ser interrompida.Vi o rosto dela se contrair. Aquilo pegou. Era engraçado: gente como ela achava que luxo era sinônimo de tudo.

Quando ela disse que ia embora, foi quase um baque.— Eu vou indo.Assenti. Não confiei na voz pra falar.Acompanhei até a porta em silêncio, parando só pra dizer:— Se cuida.— Você também.Fiquei parada no hall, ouvindo o som da porta se fechar. E pela primeira vez desde que cheguei naquela casa, desejei que ela tivesse ficado.Deitei de lado na cama, abracei o travesseiro e fechei os olhos.Mas o sono, óbvio, não veio. Fiquei virando de um lado pro outro, a cabeça uma merda de rolo compressor, repetindo cada detalhe da noite anterior. O joelho dela encostando no meu, o som daquela música que eu mesma pus só pra ter uma desculpa pra ficar em silêncio, o quase-beijo que não rolou mas queimava do mesmo jeito."Fica mais um pouco", eu tinha falado.E ela ficou.Agora, sozinha, eu me perguntava o que diabos aquilo significava.Se significava alguma coisa.No escuro, parecia que cada pergun

Acordei me sentindo uma merda maior do que o normal.Era terça.O dia da tal festa.Fiquei rodando pelo quarto, depois fui pra sala, depois voltei pro quarto.Não fui pra escola. Não tinha cabeça.E também... não queria arriscar cruzar com a Allie. Já tava fodida o bastante sem precisar olhar pra ela.Meu pai saiu cedo pro trabalho. A casa ficou silenciosa, mas minha cabeça fazia barulho demais.Peguei o violão, larguei.Abri o celular, fechei.Desci até a calçada, sentei no meio-fio e fiquei chutando pedrinhas.O dia arrastou.Pensei mil vezes em não ir.Mas alguma parte minha queria.Queria ver se ela ia. Queria ter uma desculpa pra pelo menos olhar, nem que fosse de longe.No fim da tarde, tomei um banho gelado, vesti qualquer roupa escura: calça justa, regata preta, coturno, jaqueta de couro jogada no ombro. Prendi o cabelo num coque alto, sem paciência pra arrumar.Sai sozinha, queria me s