Isadora Voltar para o escritório depois de tanto tempo em casa é quase como reaprender a andar. Me acostumei ao silêncio do meu escritório particular, ao barulho controlado da chaleira elétrica, às pausas que eu mesma decidia, ao conforto de trabalhar em roupas simples — sem o salto, sem o blazer, sem o ar gelado de ambientes corporativos. Mas, ao mesmo tempo, sinto que há algo revigorante em estar de volta. O som dos passos apressados nos corredores, o burburinho constante das conversas ao telefone, a troca de olhares entre colegas, a rotina viva de um espaço que pulsa trabalho. É um lembrete de que o mundo lá fora continua girando, e eu não estou à margem dele. Já faz uma semana que retomei essa normalidade. Uma semana em que, pouco a pouco, começo a respirar sem tanto peso no peito, mesmo sabendo que nada disso apaga o passado. A polícia ainda investiga, claro, mas Sebastian é quem acompanha de perto cada atualização. Eu só de ouvir a palavra "delegacia" sinto a pele arrepi

Sebastian A tela do computador diante de mim parece zombar do meu estado. As imagens da câmera de segurança do pub giram em looping, mostrando o mesmo homem sentado no balcão, mexendo no celular, olhando ao redor. A qualidade é péssima, granulada, como se a lente tivesse sido coberta por uma fina camada de poeira. Tento pausar, aumentar, buscar algum traço que me diga se ele é ameaça ou apenas coincidência. Nada. Apenas pixels borrados. Os seguranças fizeram a abordagem — e me contaram que o sujeito se assustou, jurou que só estava esperando alguém que desistiu de ir, mostrou até a mensagem no celular. Por mais convincente que fosse, não consigo aceitar. E se fosse só encenação? E se ele soubesse exatamente o que dizer para parecer inocente? Eles o deixaram ir, claro. Se tivessem insistido, poderiam ser acusados de assédio. Mas eu não consigo parar de pensar: e se…? Subo para o quarto já tarde da noite. Isadora está deitada, lendo algo no celular, mas quando entro, ela o bloqu

Isadora O final do expediente chega, e com ele um silêncio incômodo. Espero por uma mensagem, uma ligação, qualquer sinal de Sebastian, mas nada. Minha caixa de entrada permanece vazia, a tela do celular iluminando apenas notificações banais. Pego minhas coisas devagar, arrastando o tempo como se isso pudesse me ajudar a encontrar respostas, mas tudo o que encontro é a ausência dele. Na saída, os seguranças já me esperam. Entro no carro e não aguento mais o aperto no peito. — Vocês sabem onde o Sebastian está? — minha voz soa mais tensa do que eu queria. Um deles, o mais velho, troca um olhar rápido com o motorista antes de responder. — Não, senhora. Mas vamos entrar em contato com o Bart, que está acompanhando ele. Assinto, mas a ansiedade não cede. Meus dedos tamborilam no celular até que uma lembrança me atravessa como um estalo: o rastreador. Aquele maldito rastreador que tanto me incomodava, mas que agora talvez seja minha única forma de encontrá-lo. Ergo o olhar pa

Sebastian Fico parado na cozinha, os braços apoiados sobre o balcão frio de mármore, tentando absorver o que Isadora acabou de me dizer. Divórcio. A palavra ecoa dentro de mim como um tiro abafado, reverberando em cada canto da minha mente. Como chegamos até aqui? Como deixei que tudo escapasse desse jeito? Eu a amo mais do que qualquer coisa, mas, ao mesmo tempo, a distância entre nós só aumenta. E o pior é que eu sei o motivo — ou pelo menos parte dele. Só que não posso contar. Não ainda. Não quando tudo parece tão nebuloso, tão frágil, tão fora de controle. Nos últimos dias, tenho sentido a pressão me engolir. Descobri coisas que jamais imaginei, fatos que embaralham a linha entre realidade e paranoia. Meu corpo vive em estado de alerta, como se cada sombra escondesse uma ameaça, cada detalhe pudesse ser um sinal de perigo para Isadora. Mas como dizer isso a ela sem parecer insano? Como protegê-la sem revelar segredos que nem eu mesmo compreendo completamente? Ontem à noite

Sebastian Fico na empresa até tarde de propósito. Não porque tenha muito o que fazer, mas porque a ideia de encontrar Isadora acordada me atormenta. Se eu voltar cedo, ela vai querer conversar. Vai insistir no divórcio. Eu não estou pronto para ouvir isso de novo. Não agora. Talvez nunca. Fico sentado na minha sala, olhando documentos que não leio de verdade, riscando linhas e assinando coisas como um autômato. Qualquer coisa que ocupe minhas mãos, menos os pensamentos. A verdade é que não sei o que fazer. Se contar a ela sobre Eveline, corro o risco de Isadora pensar que houve algo entre nós, mesmo que eu não lembre de nada. E se eu esconder, corro o risco de perder a confiança dela para sempre. O peso desse dilema está me esmagando. Quando finalmente chego em casa, a mansão está em silêncio. Tão silenciosa que chega a incomodar. Mas uma luz me chama a atenção: a do quarto que era nosso. O quarto de Isadora. Fico parado no corredor por um instante, me perguntando. O que ela e