POV Isadora O beijo, que começou lento, virou fome.Aquela fome antiga, selvagem, que Dante despertava em mim com uma simples troca de olhares. Eu estava sentada no colo dele, e a sala da editora Vertigem, que deveria ser um espaço profissional, sério, organizado, virou cenário de pura perdição em questão de segundos.As mãos dele desciam firme pela minha cintura, puxando meu quadril para mais perto. Meu corpo encaixou no dele como se tivesse sido moldado pra isso. Eu gemi baixinho contra a boca dele, e isso só o deixou pior.— Isa… — ele sussurrou com a voz rouca, como se estivesse perdendo todo o autocontrole. — Eu preciso de você agora. Aqui.— Então me tenha — respondi, sem pensar duas vezes, porque eu também precisava dele, precisava sentir aquela força, aquela segurança, aquela âncora no meio do caos.A boca dele encontrou meu pescoço, descendo quente, urgente. Minha cabeça caiu pra trás, meus dedos se enroscaram no cabelo dele, puxando, guiando, implorando por mais.A respiraç

POV Heitor MontenegroEu estava na empresa desde cedo, trancado na sala de reuniões do 17º andar, tentando costurar acordos que não me interessavam mais, ouvindo vozes demais, gente demais, expectativas demais. A cabeça doía. O estômago queimava. Meus assistentes andavam pisando em ovos desde que o escândalo Harrison explodiu, e essa merda só deixava tudo pior.Mas, por algum milagre irônico, a manhã estava… estável. Quase tranquila.E aí o celular vibrou.Uma vibração que não parecia normal, dessas que você sente na espinha, não no bolso. Peguei o aparelho sem olhar o identificador, mais irritado do que atento.— Alô.E o mundo caiu.— Aqui é da equipe de emergência do Hospital Santa Cirene — a voz era feminina, mas firme, profissional. — O senhor é o familiar direto de Célia Montenegro e Leyla Montenegro, correto?O nome da minha mãe bateu como um tiro. O da minha esposa, como outro.— Sou. O que aconteceu?A mulher respirou como quem se prepara pra destruir um coração.— Elas sofre

POV IsadoraO final da tarde ainda grudava nas janelas da editora, aquela luz dourada que parece bonita demais para o caos que a gente carrega por dentro. Eu estava exausta. A reunião tinha sido longa, o livro com Raul estava tomando forma, mas minha cabeça… minha cabeça era um vendaval.Quando saí com Olívia, senti a brisa temperada bater no rosto. Um convite silencioso para respirar. A cidade estava viva... carros, buzinas, passos apressados, mas tudo parecia abafado, distante, como se o mundo estivesse no volume 2 e eu em outra frequência.Nós duas caminhávamos lado a lado, indo em direção ao restaurante da esquina. O estômago roncava, e eu já estava imaginando o cheiro de comida quente quando ouvi:— Isa… Isa, por favor…Minha espinha gelou. Não era uma voz que eu confundiria. Nunca. Olívia virou junto comigo, e ali estava ele.Heitor. Ou… o que restava dele.Nunca o vi daquele jeito. O terno amarrotado, a gravata solta, o cabelo desgrenhado, o rosto fundo de olheiras tão pesadas

POV HeitorDuas semanas.Apenas isso e ainda assim, parece que se passaram dois anos dentro da minha cabeça.Duas semanas desde que minha mãe e minha esposa morreram naquele acidente. Duas semanas desde que o telefone tocou e o hospital me informou que as duas estavam em estado crítico. Duas semanas desde que eu vi seus corpos destruídos sobre macas de metal, frágil demais para acreditar que um dia foram tão imponentes, tão vivas, tão… minhas.Agora só existem como arquivos. Relatórios. Fotos. E uma investigação que insiste em bater na minha porta, literalmente e metaforicamente.Hoje é o dia do meu depoimento. E é como se meu estômago estivesse tentando fugir pelas minhas costelas.***O corredor da delegacia é frio como uma câmera mortuária. O tipo de frio que não vem do ar-condicionado, mas das pessoas que passam por ali todos os dias, gente quebrada, gente perigosa, gente que perdeu tudo. E eu talvez seja uma mistura dos três.O policial que me acompanha é o mesmo que me avisou so

POV HEITORTrês meses. Noventa dias inteiros. Dois mil cento e sessenta horas.E cada uma delas pesando na minha nuca como uma sentença.A mansão está silenciosa demais. Ecoa. Até o som do gelo batendo no copo parece um fantasma se arrastando pelo chão.Whisky desce queimando. Mas não é suficiente. Nunca é suficiente.As luzes da sala estão apagadas. Deixo só o abajur aceso, aquela luz amarela que deixa as coisas tristes ainda mais tristes. Tem garrafas vazias jogadas no tapete persa. A gravata no chão. Uma camisa amassada pendurada no encosto do sofá.A casa parece um retrato perfeito de mim. E a culpa… A culpa é um animal enorme sentado no meu peito, me esmagando devagar. Eu matei minha mãe. Eu matei Leyla. Ou, pior: Eu deixei que a minha obsessão destruísse tudo ao redor.Quando fecho os olhos, vejo sangue. Vejo o carro retorcido. Vejo o investigador me encarando como se já soubesse. Vejo Isadora me olhando com aquele olhar… cansado.E eu sei. Eu sei que fui eu. Não com as mãos,