A paz da manhã parecia não trazer alívio à inquietação que rondava os pensamentos de Sérgio. Ele encarava o vidro da ampla janela do escritório, observando a cidade se movimentar com sua pressa usual. Mas era outra movimentação que o mantinha alerta — aquela que vinha das sombras, disfarçada em sorrisos falsos e olhares furtivos. Alex ainda estava por perto. Ele sentia isso.— Ainda acho que deveríamos ter ido atrás dele de forma mais direta — disse Marcos, cruzando os braços enquanto se encostava na mesa de reunião. — Ele tá jogando com a gente, e a gente só tá esperando o próximo movimento.— E se a gente fizer o movimento errado? — retrucou Sérgio, sem tirar os olhos da rua. — Qualquer passo precipitado pode colocar a Abigail em risco. Ele é imprevisível.O nome dela bastava para que os dois mergulhassem no mesmo silêncio tenso. Já haviam discutido mil possibilidades, cruzado horários, câmeras de segurança e ligações estranhas. Mas ainda assim, Alex parecia escapar por entre os ded

O som da embalagem sendo rasgada ecoou como um trovão dentro do quarto, um estalo seco que pareceu atravessar o ar parado. Não havia música, não havia vento, não havia qualquer ruído lá fora — e, por isso, aquele som mínimo parecia gigantesco, como se cada fibra de Abigail tivesse registrado o instante com um peso quase insuportável.Luiza estava a poucos passos dela, observando cada movimento. Não tinha pressa, mas havia um nó no seu estômago. Abigail estava sentada na beira da cama, curvada para a frente, os dedos magros apertando o teste de farmácia como se ele tivesse peso real, como se pudesse afundar no colchão se ela relaxasse a pressão. Seus olhos, duros e fixos, evitavam os de Luiza. Miravam um ponto no chão — talvez para não encarar, talvez para tentar segurar as lágrimas antes que viessem.— Você não precisa fazer se não quiser — disse Luiza, e a própria voz soou mais baixa do que o normal, como se temesse que um tom mais alto pudesse quebrar algo dentro de Abigail. Ela se

— Anda, Abigail! — Luiza bateu palmas, parada no corredor com as mãos na cintura. — Você está precisando se arrumar. Vai ser bom pra você, vai me agradecer depois.— Lulu, eu não tô no clima… — Abigail ajeitou a manta sobre as pernas, olhando para o sofá como quem queria se fundir nele. — Eu só queria ficar em casa hoje.— Ficar em casa não vai mudar nada — insistiu a madrasta, com aquele tom decidido que não aceitava discussão. — Eu já marquei horário no salão. Você vai tomar um café, colocar uma roupa confortável e vir comigo. É rapidinho.Abigail suspirou, derrotada pela insistência e pelo sorriso cúmplice de Luiza. No fundo, sabia que ela não desistiria tão fácil. Vestiu um casaco, prendeu o cabelo e saiu junto dela, ainda sem entender por que tanta urgência para uma simples ida ao salão.Enquanto as duas se afastavam, a casa começava a se encher. Vozes, risadas e passos apressados ecoavam no quintal. Balões eram pendurados, as luzes cuidadosamente posicionadas, e o aroma de doces

O domingo amanheceu nublado, como se o céu refletisse o que se passava dentro daquela casa. Abigail não saiu do quarto. A porta permaneceu fechada desde a noite anterior, e nenhum som veio de lá desde o choro abafado que Luiza ouvira antes de dormir.Marcos cruzava o corredor pela terceira vez só naquela manhã. Andava de um lado para o outro, inquieto, com as mãos nos bolsos do moletom e a testa franzida.— Ela não saiu nem pra tomar café — comentou em voz baixa, parando diante da porta do quarto da filha.Luiza se aproximou, mais calma, uma bandeja com frutas e torradas nas mãos.— Ela precisa de um tempo, amor — disse, pousando a mão no braço dele. — Ontem foi uma noite difícil. Deixa que eu tento falar com ela.— Luiza... — ele começou, hesitante. — Você sabe o motivo né? Aquela briga entre os dois... o jeito que o Sérgio saiu daqui, sem nem olhar pra trás...Ela hesitou por um segundo, respirando fundo.— Eu sei que tem algo acontecendo, mas ainda não é hora de forçá-la. Abigail p

Dentro do carro, Abigail apertava as mãos no colo, tentando manter o controle. O ar parecia mais denso a cada respiração. O cheiro do couro misturado ao perfume amadeirado de Alex a enjoava. A voz dele continuava ecoando pela cabine, insistente, como se tentasse apagar o terror de tudo que ela havia vivido.— Eu sabia que você sentiria minha falta. — A voz dele escorria venenosa. — Difícil me apagar da memória, não é?— Você me sequestrou — ela sussurrou, a garganta seca. — Isso é crime.Alex deu uma risada seca.— Não seja dramática, Abigail. Eu sou seu pai. Estou apenas te levando de volta pra casa. Pra nossa família. Regina está te esperando.Abigail fechou os olhos com força. O nome da mãe ainda tinha o poder de enfraquecê-la. Mas ela não era mais a menina que chorava escondida, que engolia as palavras com medo. Respirou fundo, forçando a voz a sair firme.— Você nunca foi meu pai. E Regina nunca foi uma mãe.Ele bufou.— Sua memória está distorcida. Tudo o que fizemos foi por amo