O dia se foi consumindo aos poucos, como uma vela esquecida em meio à escuridão. O céu, antes dourado e claro, agora se tingia de um azul profundo, e os primeiros véus de névoa desciam entre os troncos altos da floresta, apagando as cores, confundindo os contornos. O frio voltou a se insinuar pela pele, mais agressivo do que pela manhã, e as árvores, que antes pareciam acolhedoras, agora se curvavam como sentinelas silenciosas, vigiando cada um de nossos passos. Leriam seguia na dianteira, atento ao mapa e ao terreno, enquanto Altharis fechava a retaguarda, a mão sempre próxima da empunhadura da espada. Eu e Noctis caminhávamos entre eles, os olhos vasculhando a trilha, mas também o entorno, como se pressentíssemos — todos nós — que o dia havia levado consigo mais do que apenas a luz. O silêncio que nos envolvia já não era mais apenas o da concentração. Era um silêncio denso, estranho

A criatura avançava, esmagando árvores, abrindo caminho com a fúria de um predador há muito contido. O som dos seus passos reverberava pelo solo e pelas pedras, enquanto a névoa parecia se condensar ainda mais, sufocante, pesada. Altharis se colocou na frente, como sempre fazia, sem medo, os olhos fixos na monstruosidade que surgia. Então, com uma tranquilidade que parecia deslocada naquela cena apocalíptica, ela ergueu a espada à altura do peito, fechou os olhos… e murmurou palavras que eu não compreendi. Uma língua antiga. Cada sílaba ecoou no ar como um sussurro carregado de poder, despertando algo que até então parecia adormecido. O ar ao redor dela se aqueceu num instante. E então… a lâmina brilhou. Primeiro, um filete de luz percorreu o fio do aço. Depois, as chamas se ergueram, consumindo a lâmina, mas não destruindo-a — alimentando-a. U

Nos afastamos um pouco do campo de batalha, seguindo para um pequeno aclive onde o solo seco parecia menos corrompido pela presença das criaturas. O céu, antes coberto pela névoa espessa, começava a se abrir timidamente, revelando um manto estrelado que parecia alheio ao que havíamos acabado de enfrentar. Me sentei sobre uma rocha lisa, ofegante, sentindo o calor do colar ainda vibrar contra minha pele, como um coração extra, inquieto, mas começando a acalmar. Ao meu lado, Noctis limpava a lâmina com um pedaço de tecido já encharcado de um resquício escuro da criatura que derrotara. Ele não dizia nada, apenas se concentrava na tarefa, com aquele olhar distante que, com o tempo, aprendi a reconhecer: a maneira dele de processar tudo o que havia acontecido. Leriam repousava encostado ao tronco de uma árvore, as asas semiabertas, como quem as deixa esfriar depois de um longo voo. Seu olhar parecia perdido entre as sombras adormeci

Atravessamos o vale com o peso das horas acumuladas nos ombros, mas também com a estranha sensação de que a floresta, por fim, nos deixava passar. As montanhas se erguiam como muralhas antigas, e entre elas, finalmente, avistamos a estrutura esquecida pelo tempo: o Templo de Velyr. Feito de pedra negra e musgo, ele parecia surgir da própria rocha, com colunas altas partidas pelo meio e trepadeiras serpenteando sobre inscrições já apagadas pela erosão dos séculos. Paramos na entrada, todos silenciosos, como se o próprio ar ali exigisse reverência. Leriam foi o primeiro a quebrar o silêncio, verificando o velho compasso preso ao cinto e conferindo o céu acima, entre as frestas das montanhas. — Quatro dias… — murmurou. Noctis franziu a testa. — Até o eclipse… Altharis girou a espada, como se testasse o peso e

O crepúsculo espalhava suas sombras sobre as colunas quebradas do Templo de Velyr, tingindo a pedra negra com tons frios e azulados, como se a noite, ali, tivesse pressa em chegar. A esfera metálica repousava silenciosa sobre o altar de pedra polida, irradiando um brilho discreto, pálido, como a última luz de uma estrela moribunda. A fogueira que acendemos no canto mais protegido do templo crepitava suavemente, sua chama fraca mal conseguindo afastar o frio que descia do vale. O vento soprava pelas frestas das ruínas, fazendo os restos de tapeçarias ancestrais ondularem como espectros presos no tempo. Sentamo-nos em torno do fogo, cada um imerso em seus próprios pensamentos, mas unidos por aquele silêncio espesso que antecede sempre as escolhas definitivas. Leriam, sentado ao meu lado, folheava suas anotações à luz trêmula da fogueira, enquanto Altharis afiava a espada com a calma ritualística de quem confia mais no aço do que