O Reencontro

‘Eu te observava na multidão, mas você se afastava, o nosso encontro teria que ser à sua maneira. ”

Conceição da Barra é um município do Espirito Santo que abriga rios e mar, lá está localizado o Bairro Santana, onde passei a maior parte de minha infância.

O seu turismo tem como destaque o carnaval, que é conhecido como um dos melhores de rua do Estado, localizada à 24 quilômetros de Conceição da Barra, está a vila de Itaúnas, distrito formoso com suas dunas de areia e o seu forró pé de serra.

Princesinha do Norte, assim é conhecida a minha querida Conceição da Barra, também é famosa pelas suas praias de águas mornas que vem da divisa com o estado da Bahia.

Na alta temporada, a cidade fica em polvorosa, turistas de vários lugares, chegam para verem de perto essa beleza, guardando na memória os encantos desse cantinho, que deixa em vários corações o desejo de um dia para lá, retornar.

A Ivy e eu tínhamos seis anos quando nós nos conhecemos, estávamos na pré-escola, sendo ela uma garota ruiva, destacava-se mais ainda entre as crianças, com suas roupas coloridas. Certa vez, aproveitando uma ocasião em que ela não parava quieta em sua cadeira, tentei uma aproximação e à alertei:

_. Sente-se, a professora vai brigar com você.

 Ivy colocou em seu rosto um semblante firme e me respondeu:

-Você não é, a minha dona.

Depois desse dia não ousei tentar outra aproximação, porém no ano seguinte, percebi que a Ivy passou a me seguir durante o recreio, na sala de aula sentou-se atrás de mim, não demorou muito, nos tornamos amigas.

Todos os dias depois das aulas, corríamos para a minha casa, que ficava bem próxima à escola e brincávamos até o entardecer.

De repente a maioria não percebe, porém, a infância permite analisar cada situação sem temer o prazo que o tempo dispõe, e que o olhar da criança pode ser detalhista porque geralmente não estão sendo observadas.

Os adultos olham bem mais para outros adultos, dando espaço para os pequeninos visualizarem com precisão os acontecimentos em sua volta, pode ser que criança não mente, mas imaginam com uma frequência maior, dão mais peso aos seus temores e esperam dos outros com mais entusiasmo.

Morava na vizinhança um senhor de aparência sombria, as sobrancelhas eram grossas unidas uma à outra, o que enchia as nossas mentes com as mais tenebrosas imaginações.

Ele andava com as mãos para trás entrelaçadas uma na outra, contudo essa postura destacava ainda mais o seu corpo encurvado, a casa que em que ele residia, tinha uma pintura desbotada, telhas sujas, o que deixava tudo muito assustador.

Dona Lia, a minha mãe, depois de um dia exaustivo cuidando de 6 filhos, se acomodava no meio da criançada para contar certos contos cobertos de criaturas como: mula sem cabeça, lobisomens e bruxas.

A intenção de minha mãe era somente distrair a criançada, e não assustar, pois era evidente o quanto gostávamos de ouvi-la, o seu jeito mineiro encantador de relatar os fatos não deixava que nada desviassem a nossa atenção, enquanto do lado de fora, o canto das cigarras dava mais ênfase ao cenário que construíamos em nossa mente.

Mas nesse momento, Ivy e eu estamos olhando fixamente para o senhor misterioso, que está saindo de sua sinistra casa, o seu cachimbo foi aceso, e ele sai caminhando rumo à uma estrada de barro vermelho.

Não sei se foi por impulso ou se foi um desejo contido, que levou a minha amiga e eu, a segui-lo, de longe o observávamos caminhar tranquilamente por aquela estrada, que logo se tornou escura devido à sombra da vasta mata que a cercava.

Ser criança nessa época, anos 80, proporcionávamos várias aventuras, o risco de algo ruim acontecer estava relacionado bem mais a um ataque de um animal ou de algum tombo por subir em árvores.

Não havia tanto o receio e a insegurança que aterroriza o presente, onde os humanos tomaram o lugar dos possíveis ataques animalescos, duas meninas de dez anos andando sem a companhia dos pais e entrando mata adentro para satisfazer uma curiosidade inocente, não passa nem sequer na mais fantasiosa mente infantil da atualidade.

O senhor misterioso entra à sua direita, caminha até a beira de um lago, pega uma sacola que estava escondida no meio de uma vasta moita, se acomoda sobre algumas pedras e começa a preparar uma vara de pescar, depois de lançar a linha nas águas, fica imóvel, a não ser pelos olhos inquietantes que percorriam o percurso da maré.

Ivy e eu nos afastamos em total silêncio, mas quando alcançamos uma certa distância, toda aquela tensão deu lugar a estridentes gargalhadas, ambas tentando compreender o que exatamente queríamos presenciar.

Foi em uma dessas festas tradicionais que aconteciam em Santana, quando o verde das palmeiras e o colorido das bandeirolas davam um brilho maior àquela noite repleta com as mais intensas euforias, que então, passei a ser telespectadora principal de um romance entre dois adolescentes de 16 anos.

Aconteceu, quando Ivy passou a descrever os olhares pertinentes de um antigo conhecido nosso:

_Ele está me deixando sem jeito, dá vontade de perguntar se eu lhe devo algo.

Comentou ela com um certo ar esnobe, o jovem em questão era o ex-gordinho Pedro, considerado por nós duas nos anos pré-escolares como um pentelho, pois ele vivia puxando os nossos cabelos e jogando bolinhas de papel em nossa direção.

Entretanto, um belo rapaz com boa estatura, de cabelos escuros, pele morena, substituía a imagem daquele moleque desengonçado e inconveniente, olhei para ele e me deparei com uma expressão afetuosa estampada no rosto inteiro.

_Ivy para mim essa maneira de olhar, não parece nada com uma cobrança e sim com uma doação!

Respondi com uma leve risada, porém Ivy não era do tipo que se impressionava com todo gesto de aproximação, eu mais do que ninguém sabia disso, era como se ela precisasse ter alguma convicção ou a certeza do caráter das pessoas.

Enquanto buscava explicações que me ajudassem entender o temperamento de minha amiga, sentir os meus braços sendo puxados, enquanto ela falava de maneira obstinada.

_. Vamos sair daqui! Já chega dessa festa.

Depois dessa noite, ficou visível o interesse de ambos, no entanto a resistência dela imobilizava o Pedro, o deixava sem ação.

Estávamos no último ano do ensino fundamental e o ritmo já era de despedida, a turma estava eufórica, planejando uma grande festa para a mudança de escola.

Um certo dia, estando eu, totalmente envolvida em um diálogo entre duas colegas, encarregadas na organização de tal festança, sentir um peso nos meus ombros, ao me virar, o Pedro me perguntou:

-Cadê a ruiva de nariz empinado?

Não resistir tal observação referente à Ivy e respondi sorrindo:

-Ela está resfriada, por isso não veio à escola.

Resolvi então dar um empurrãozinho na porta que ambos estavam com dificuldades de abrir.

-Algum recado? Terei o prazer em leva-lo.

E com isso ele confirmou o seu evidente interesse por ela, sua voz soava segura e cheia de palavras convincentes, por fim concluiu com essas palavras que jamais esqueci.

_O tempo não dá tempo ao tempo, então diz a ela para colaborar em fazer o nosso tempo.

Depois do colégio, fui até a casa de minha amiga e repeti exatamente as palavras do Pedro, finalmente Ivy deixou de lado a sua séria expressão para descontrai-la com um lindo sorriso.

Sua resposta positiva veio através de um pedido.

_. Me ajuda a escolher o vestido para a festa de despedida?

Durante a festa que ocorreu em um pequeno clube da cidade, os dois pareciam estar se reencontrando, quando Ivy entrou no salão, radiante com o seu vestido de bolinhas vermelho rodado, Pedro se aproximou e não mais se desgrudaram.

Esse casal na minha visão passou a dar mais vida e a colorir bem mais aquele pedaço de paraíso, que é a minha cidade natal. Era fascinante observá-los de mãos dadas caminhando à beira mar, bem como sentados debaixo de alguma árvore frondosa ou no banco da praça, quando ele repousava a cabeça em seu colo.

Os pais de Ivy estavam quase sempre envolvidos em seus trabalhos, sua mãe Dona Lurdes era uma mulher de pose elegante, vivia atarefada com suas costuras, o pai, Sr. Arnaldo, trabalhava em uma usina de álcool local, encarregado de algum setor.

Os pais de Pedro já tinham uma certa idade, ambos aposentados, ele dava uma atenção especial para mãe, portadora de uma deficiência na perna esquerda, consequências de um derrame.

Eu fui testemunha das promessas e dos projetos desse jovem casal, bem como, do ciúme possessivo que Ivy sentia, inclusive dos cuidados que o Pedro doava à mãe.

Por algum tempo, Pedro deixou de lado as partidas de peladas nos campinhos carecas que aconteciam diariamente, quando a luz do dia começava a enfraquecer.

Moças e rapazes se aglomeravam ao redor desses campos, haviam cantorias, assobios e grande animação.

Quem também gostava de participar das empolgantes torcidas, era a jovem Marília, moça doce e educada que se mudara para a nossa vizinhança, um ano depois do baile.

Marília e família chegaram em Santana para tomar posse de uma herança, a linda chácara que ficava em frente de minha casa, não demorou muito, nos tornamos amigas.

Essa nova integrante do nosso mundo, era dona de uma delicada beleza, logo uma boa parte dos jovens ficaram hipnotizados.

Os olhos masculinos congelavam para apreciar os seus fios negros e lisos que escorregavam pela sua costa, ao balançarem para um lado e outro, acompanhando o rebolado discreto que seu corpo fazia enquanto caminhava.

Marilia não parecia se empolgar quando mencionavam o lindo contraste dos seus olhos negros, com sua pele alva que ressaltava ainda mais as bochechas rosadas.

Durante uma tarde quando Pedro se deslocava para uma dessas partidas de futebol, encontrou Ivy no caminho.

_. Você não me disse, que iria jogar bola hoje!

Ao encontrá-la, Pedro estava realmente surpreso.

_ O que houve? Pensei que você daria uma força à sua mãe na confecção de alguns vestidos.

Pedro respondeu, questionando, enquanto Ivy respondeu demonstrando um ar de frustração.

- A minha mãe não aprecia muito a minha ajuda, e aí pensei, que deveríamos resolver alguns cálculos de matemática.

Estávamos no segundo ano do ensino médio, a maioria de nós, tínhamos dificuldades com números enquanto o Pedro possuía uma determinada agilidade.

_. Minha linda, vou ficar lhe devendo, nos vemos amanhã na escola.

Subitamente, Ivy arrancou a mochila com as chuteiras das mãos do Pedro, arremessando bruscamente ao chão.

Tranquilamente, Pedro a pegou de volta e começou a caminhar, sem pronunciar uma palavra.

Diante de tal reação indiferente, Ivy gritou.

_. Vai mesmo, e quer saber? Tomara que você caia e se machuque a ponto de ficar manco, igual a sua mãe.

O silêncio e a aparente calma dele permaneceu e continuou o seu caminho, sem ao menos olhar para trás.

Eu estava voltando do bar que pertencia aos meus pais quando me deparei com Ivy cabisbaixa, sentada em um gramado, próximo à minha casa.

Ao me olhar com os olhos avermelhados pelo choro, simplesmente me disse.

_. Acho que acabou, o Pedro e eu.

Sentei me ao seu lado e mesmo sabendo que tais lágrimas não eram nenhum esforço para chamar atenção, comentei.

_. Não seja dramática, vocês brigaram novamente? Logo se acertarão!

Entretanto, assim que ela narrou o acontecido, me vi na obrigação de incentivá-la a se desculpar com o namorado.

Mas invés de ouvir palavras que assentissem o meu posicionamento, eu revi a menina de seis anos do primário, até imaginei que ela me daria a mesma resposta, no entanto, Ivy se levantou e se foi.

Já faziam algumas semanas desde que Ivy e Pedro se desentenderam, ela não o procurou, pois tinha certeza de que ele a conhecia o suficiente para não levar à sério a sua explosão.

Portanto, Pedro não a procurou e a distância entre eles foi só aumentando, aconteceu que, ia eu, rumo à casa de minha amiga quando me deparei com uma cena inusitada.

Embaixo de um pé de manga, sentados bem juntinhos em um improvisado banquinho de madeira, Pedro e Marília, se encontravam aparentemente apartados de tudo e de todos.

Por pouco não perdi o controle de minha bicicleta quando de forma robótica, acenei para eles.

Ao chegar na casa de Ivy tentei agir normalmente, depois do almoço, sentamos na varanda cheia de samambaias que dava uma harmonia naquela casa aparentemente melancólica.

Em meus pensamentos passavam flashes com imagens do Pedro e da Marília, sentados em tal banquinho, mas foram interrompidos quando Ivy me perguntou.

_. Como foi a excursão? Marília deve ter lhe contado.

Nesse momento encontrei as possíveis respostas para cumplicidade entre o Pedro e Marília, estávamos em dezembro e a escola planejara uma excursão para Porto Seguro na Bahia.

Ivy e eu não participamos, ela por não ter estrutura emocional para suportar a frieza do Pedro, eu por motivos familiares, assim passamos o final do ano colhendo frutas silvestres nas redondezas próximas às comunidades ribeirinhas que compõe graciosamente aquela região.

A verdade era que não tinha nenhuma informação para passar para Ivy sobre a excursão, pois a Marília desde então se afastara de mim.

E esse comportamento fazia agora muito sentido, provavelmente durante a viagem houve uma determinada aproximação maior entre ela e o Pedro, em resposta falei.

_. Não conversei nada com ela, referente ao passeio.

 .

Naquela noite Marília foi até a minha casa, procurou saber das intenções da minha amiga Ivy em relação ao Pedro e foi com um sorriso iluminado que relatou os momentos que tiveram em Porto Seguro, a forma como se identificaram, a gentileza do Pedro e concluiu:

_. Me preocupo com os sentimentos da Ivy, não quero magoar ninguém.

Percebi que Marília estava sendo sincera, não tinha culpados, só vítimas das circunstâncias e dos corações, assim como também, eu estava ciente da paixão que a Ivy ainda sentia, mas não me vi no direito de expor as emoções de minha amiga diante da sua possível rival, de forma que lhe respondi.

_. Se você diz que o Pedro não pensa em voltar para ela, tais sentimentos da Ivy já não fazem mais sentido.

 Depois dessa conversa não tocamos mais no assunto e preferir, deixar que Ivy descobrisse por si mesma, o que estava acontecendo, pois tinha certeza que a concretização do novo casal seria uma questão de tempo.

E foi através de um olhar que tudo veio à tona, Ivy e eu saíamos de um mercadinho quando avistamos o Pedro parado como uma estátua observando Marília, que entrava na caminhonete repleta de frutas e hortaliças de seu pai, o Sr. Alceu, homem alto e magrelo que costumava usar sempre um chapéu marrom com abas estreitas, ao vender seus produtos, a filha o acompanhava.

Marília acenou para o Pedro de forma carinhosa e ele só se moveu depois que a caminhonete sumiu na curva da esquina.

Ivy levou alguns minutos para me encarar e quando conseguiu, os seus olhos estavam marejados, fiquei sem reação, apenas permiti que ela derramasse toda a sua frustração.

_. Apenas um mês que estamos afastados, para quem dizia tão apaixonado por mim, já está interessado em outra!

Tentando equilibrar a situação, comentei:

_. Você o deixou!

_. Mas nunca deixei de pensar nele e se ele realmente me entendesse, saberia que eu o esperava.

Com o passar dos dias, Pedro e Marília foram se unindo, aparentemente era ele que fazia de tudo para se aproximar, assim os sentimentos dos dois foram criando forma para concretizar o que antes era só especulações.

Ivy embora destruída não deixava transparecer as lágrimas que derramava secretamente em seu quarto.

 Agia naturalmente com Marília e até mesmo com o Pedro, mesmo que o seu coração estivesse gritando de tanto dor, afinal ela se corroía na falta de um esclarecimento final por parte dele.

Determinada em não mendigar nenhum tipo de compaixão, Ivy suportou a felicidade que Pedro demonstrava ter ao lado de Marília.

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