Capítulo 08

Fernando Cortez

Eu estava terminando de assinar os últimos relatórios para mandar ao Coronel Matias, quando escutei os gritos do Tenente Klaus que chamava pelo nome de Helena. Sem entender o que estava acontecendo, me levantei para ir ver do que se tratava, ao sair da minha sala constatei vários soldados olhando para o andar de baixo. Me aproximei para olhar o que os outros subordinados estavam vendo.

Senti um frio na espinha ao ver Klaus desesperado segurando a cabeça de Helena que parecia estar sangrando pela queda, pelo o que percebi ela havia rolado escada abaixo, além disso, o balde estava de um lado e a pequena escada do outro.

Saí do meu transe quando ouvi Klaus dizendo:

— Helena, abra os olhos. Por favor, acorde! Vocês saiam de cima, abram espaço para ela respirar melhor. 

A amiga de quarto ao perceber que se tratava de sua companheira, correu desesperada, se ajoelhando do lado de Klaus.

— Meu Deus, o que aconteceu com ela? Como foi que ela caiu?

— Avisei para ela descansar antes de descer, estava tendo tonturas e vertigem, acabou perdendo a consciência e rolou escada abaixo. 

Luísa falou enraivecida:

— Isso é tudo culpa dessa m*****a punição! Sabia que isso iria acontecer, ontem mesmo disse que ela estava começando a ter um esgotamento físico. Isso é injusto, Helena não é um animal para trabalhar desse jeito!

Comecei a sentir remorso por pegar tão pesado com a Hernandes. Não tive reação, não conseguir agir. Apenas olhava tudo em silêncio.

Alguns minutos depois, o médico chegou para socorrê-la e afirmou que ela quebrara uma das pernas e deslocou o braço. Me senti tão mal que acabei me afastando e voltando para minha sala enquanto a culpa me consumia.

 Meu Deus! O que eu havia feito? Realmente havia passado dos limites com a subordinada.

Me servi de um copo de café e observei pela janela do meu escritório, os paramédicos levando Hernandes. Deveria ter parado com aquela punição na semana passada, contudo, me senti ainda mais desafiado quando ela cumpria tudo que eu mandava. Para mim, era como uma afronta. No final venci, mas o gosto da vitória não era doce e sim amargo. Por minha culpa Hernandes ficaria vários meses sem andar e sentindo dores.

Voltei a sentar em minha cadeira, ainda devastado pela culpa. Os olhares de indignação também não me saíam da cabeça, sobretudo a forma como a sua amiga me encarava com tanto ódio. Suponho que só não me disse um monte de merda, por ser seu superior e ter medo de um castigo maior.

Alguns minutos se passaram e vi Klaus entrando em meu escritório e me encarando de braços cruzados. Ele disse sério e bastante contrariado:

— Espero que agora você esteja feliz. Conseguiu o que queria, atingir a Hernandes. 

Neguei com a cabeça e disse sério:

— Acredite, eu não estou. Ninguém merece um acidente desses, Klaus.

 — Espero que reconheça que a culpa disso tudo, é sua! 

Suspirei fundo, ainda bebericando meu café.

— Sim, Klaus. Não estou negando meus erros, mas não se esqueça que ainda está falando com seu superior.

— E quem foi que disse que estou falando como tenente e te tratando como general? Cortez, eu estou falando como seu amigo, e eu quero que se foda essa porra de cargo e o escambau. Depois que você subiu de patente se tornou um homem asqueroso e cruel, não percebe isso?

Me levantei o encarando seriamente e respondi:

— É melhor você sair da minha sala. Não admito que ninguém fale assim comigo, me entendeu, Klaus?

— Quer saber? Foda-se, eu realmente não te conheço mais, Cortez. Depois que aquela mulher passou pela sua vida, você se tornou esse homem cruel e sem amor ao próximo. Porém, não vou mais discutir isso com você. 

Klaus me olha com desgosto enquanto eu falei friamente:

— Saia da minha sala agora. Se eu falar de novo, terá consequências. Estou te avisando.

— Não precisa repetir, já entendi perfeitamente, general. Agora preste atenção, Fernando, sua vida está passando e você está ficando velho, se não mudar esse seu jeito acabará sozinho e sem amigos.

Klaus saiu batendo a porta e me deixando novamente sozinho. 

Que merda de dia. As palavras que Klaus me dissera não me saíam da cabeça. 

“Se você não mudar esse seu jeito acabará sozinho e sem amigos…”

Andei até meu quarto procurando aquela garrafa de uísque e a encontrei no armário debaixo. A abri e levei até a boca. 

Que merda estava acontecendo comigo? Minha vida ia bem até essa m*****a soldada aparecer.

Por que você está mexendo desse jeito comigo, Hernandes? Aposto que o destino te mandou para terminar de foder com a minha sanidade metal, sua desgraçada gostosa!

Meus olhos ardiam e logo senti as lágrimas descerem descontroladamente. Puxei meu cabelo, me negando a aceitar ser machucado novamente por uma mulher. Eu sabia que se deixasse Hernandes entrar no meu coração, ela iria me destruir como a outra fizera. E eu sabia se teria forças para me reerguer de novo.

Não fazia ideia de que horas eram, mas quando acordei, eu estava no completo escuro. Me levantei, sentido minha cabeça girar, e procurei o interruptor para acender a luz. Assim que a claridade surgiu, observei a garrafa de uísque pela metade.

Tirei meu uniforme e segui até o banheiro, liguei o chuveiro, deixando a água cair sobre meu corpo. Minha cabeça parecia que iria explodir, precisava de um café bem forte para me recuperar daquela m*****a ressaca.

Procurei outro uniforme em meu armário e me vesti. Passei meu desodorante e em seguida meu perfume. Coloquei meu chapéu e ao sair do meu quarto, o Coronel Matias estava sentado em meu escritório, me esperando.

Era só o que me faltava, mais essa!

Olhei a hora em meu relógio e percebi que se passava das 08:00. Realmente eu havia apagado na última noite.

 O coronel me deu um sorriso falso e falou com ironia, olhando o relógio:

— Bom dia, general, perdeu a hora hoje? 

Suspirei, passando a mão no meu rosto e falei ao me sentar:

— Bom dia, coronel, acabei passando do horário. Talvez pelo remédio que tive que tomar para minha dor de cabeça, me desculpe por esse constrangimento.

— Tudo bem, entendo perfeitamente. Agora vamos ao que interessa. Chegaram boatos até mim que você estava abusando de sua autoridade com a soldada que sofreu o acidente ontem. Isso é verdade, Cortez? 

O encarei de maneira surpresa e pensei em como ele ficou sabendo disso tão rápido. 

Me recompus e respondi, me servindo um café:

— Coronel Matias, apenas apliquei uma punição nela. A soldada me desacatou e você sabe que não posso tolerar isso.

— É claro que não, mas sem obriga-la a trabalhar como burro de carga, general. Ela é um ser humano e não um animal! 

O coronel me encarou sério enquanto eu procurava as palavras certas para não o mandar ir à merda.

— Não se preocupe, pegarei mais leve com os novos subordinados. Tem algo a mais para me falar?

— Sim, quero os relatórios, você já me enrolou demais! O exército está me cobrando. 

Puxei minha gaveta retirando as pastas e joguei sobre a mesa.

— Estão aqui, é só isso?

— Por enquanto, sim. Agora preciso ir, tenho uma reunião. Até breve, General Cortez.

— Até breve, senhor Matias. Da próxima vez, peça permissão para entrar na minha sala, pois o general aqui sou eu.

 Ele se retirou concordando e fechou a porta. 

Velho desgraçado! Eu esperava que naquele ano, o exército resolvesse o aposentar logo, para mim já deu. Ele ficava se metendo demais no meu serviço, parecia até que não tinha outros batalhões para cuidar além daquele. E ainda tinha que lidar com aqueles fofoqueiros que ficavam falando dos meus passos aqui dentro. Lembrei também que precisava me informar sobre o estado de Hernandes.

Desci as escadas indo ao refeitório, precisava comer algo. Quando passei pelos corredores, recebi vários olhares de indiferença. Respirei pesadamente, colocando minha máscara de general sério. Pedi algo para comer e me sentei em uma das mesas do fundo, observando os outros soldados cochicharem baixinho, contudo, ignorei e continuei a comer.

Assim que terminei meu lanche, segui até a sala da administração e perguntei sobre o estado de Helena. Fui informado que ela passou por uma cirurgia e ficaria internada por algumas semanas. Passei a mão no meu rosto, aflito, e pedi o endereço do hospital.

 Iria vê-la no dia seguinte. Nem podia imaginar qual seria sua reação ao me ver, mas jurava que não seria uma das melhores. 

Assim que meu turno acabou, voltei para minha casa e deixei minha mochila no sofá. Como sempre, a casa estava impecável, minha mãe deixou tudo limpo antes de ir.

Procurei algo na geladeira para beber e novamente meus pensamentos voaram até a soldada Hernandes. Estava imaginando como devia está sendo difícil para ela.

Bebi um gole do meu refrigerante e me sentei no sofá vendo se passava algo interessante na TV. Retirei minhas botas e assisti a um programa. Após isso, segui para tomar meu banho e me deitar. Amanhã seria outro dia.

Na manhã seguinte, resolvi alguns assuntos pendentes no banco da cidade e no final da tarde, finalmente tomei coragem para ir ao hospital. No caminho, resolvi comprar um buquê de flores. 

Entrei no hospital e me informei qual era o número do quarto de Hernandes. A recepcionista me disse para seguir até o quarto 206.

Quando entrei, notei que ela estava dormindo serenamente. Pude perceber algumas escoriações pelo seu rosto, seu braço em uma tipoia e a perna engessada levantada para cima e apoiada. Aquela queda havia sido realmente terrível.

Alguns minutos se passaram quando ela finalmente despertou e ao me ver, olhou muito surpresa e curiosa ao notar o buquê em minhas mãos.

Tomei coragem e me pronunciei:

— Helena, sei que sou a última pessoa que você quer ver em sua frente. Mas quero que me escute, por favor.

Ela continuou me encarando de maneira indecifrável. Passou a língua nos lábios e disse:

— Por favor, vá embora! Não estou em um bom momento para levar outra punição ou castigo. Penso que já é o suficiente permanecer com a perna quebrada por meses.

— Calma, Helena, eu não vim até aqui para te punir. O que pensa que eu sou? Algum monstro sem coração? 

Ela me olhou receosa e comentou, desviando os olhos:

— Eu não disse isso, só não estou querendo ficar perto de você. Só quero paz, General Cortez. Apenas isso.

Ela me encarou com os olhos cansados e tristes. Engoli em seco me sentindo um verdadeiro lixo.

Suspirei, passando a mão na barba e me aproximei, a entregando o buquê de flores e disse:

— Comprei para você, espero que goste. 

Ela recusou, falando magoada:

— Desculpe, mas eu não quero nada que venha de você e não estou morta para receber flores.

— Helena, estou tentando te pedir desculpas do meu jeito torto. Não sou muito bom em fazer isso. 

Ela suspirou, buscando as palavras.

— Não precisa, só quero que se retire do meu quarto. Passei dias de infernos na sua mão, agora quero um descanso.

— Está bem, não insistirei. Que você tenha uma boa recuperação. Com licença.

Me retirei rapidamente do seu campo de visão. 

Não estava me sentindo bem, precisava beber algo forte. A expressão no rosto de Helena era de pura dor. Eu a machuquei e ela tinha medo de mim como se eu fosse um monstro. Não negava, todavia, que exagerei na punição, mas me tratar daquela maneira me doeu.

Bati com força no volante do carro e pensei em como eu era um verdadeiro idiota.

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