3 – Prenúncio de uma Tempestade

               -- Temos certeza que acharão muito vantajoso para seus habitantes – o irmão se manifestou pela primeira vez.

               Inaê postou-se ao lado da rainha e encarou os dois. Ondina cruzou os braços e disse em seu tom mais solene:

               -- Antes de irmos para questões políticas, acho que a educação manda nos apresentarmos. Eu sou Ondina, rainha e soberana da Ilha Delfim.

               -- Muito bem – a mulher se empertigou, pega de surpresa, mas mantendo a pose – Meu nome é Alika Tuvalu, capitã de mar-e-guerra da marinha lunae do arquipélago de Nesy, mais especificamente da ilha Hav. E este ao meu lado é meu irmão, Nalu, capitão de fragata.

               A suposição da princesa estava certa, eles eram mesmo irmãos, e as patentes eram próximas. Ondina prosseguiu:

               -- O que um continente grande como Lunae pode querer com nossa humilde ilha? Já não tem recursos o bastante no norte?

               -- Não se trata de recursos ou território, nosso rei deseja apenas unir todos os pedaços de terra sob sua proteção. O reino Lunae tem se mantido na mais perfeita ordem há trinta e cinco anos, e como habitante de uma ilha que viu o quão eficiente é seu método, posso garantir que não vão se arrepender de aceitar.

               O tom de Alika deixava claro que ela não estava oferecendo ou perguntando se a rainha concordava, era simplesmente uma notificação do que ia acontecer, mas Inaê sentia que a tal nortista não tinha malícia em suas palavras. Ela achava mesmo que seria bom se a ilha se sujeitasse ao reino.

               Janaína cruzou os braços, desconfiada.

               -- E o que aconteceria se as suas tropas encontrassem resistência aqui? – perguntou.

               -- Nossos soldados foram orientados a manter a paz e a ordem. Qualquer tentativa de perturbá-los deverá ser anulada imediatamente, pelo bem do povo – Alika respondeu com a mesma tranquilidade de antes, mas seu olhar mudou, parecendo mesmo uma capitã de guerra.

               Inaê engoliu em seco e alternou o olhar nervosamente entre Ondina e os marinheiros, temendo que qualquer um deles fizesse ou dissesse algo agressivo. Felizmente foi Meri que tomou a palavra:

               -- Acho que precisamos falar com o parlamento para discutir os efeitos que isso trará às nossas vidas.

               -- É claro – Nalu assentiu com um sorriso educado – Nós voltaremos para nosso navio, e amanhã de manhã esperamos a sua resposta.

               Ele entregou um envelope que Dario recebeu cautelosamente. Inaê se ofereceu:

               -- Eu posso levá-los de volta para o cais.

               -- Cuidado, filha – Janaína sussurrou.

               Um silêncio pesado se fez no início do caminho, cortado apenas pelos poucos cidadãos que não se intimidavam pela presença dos estrangeiros e cumprimentavam Inaê.

               -- Bom dia, princesa.

               -- Você é filha da rainha? – Alika perguntou após ouvir chamarem-na de princesa pela terceira vez.

               -- Não, minha mãe é capitã da Força Policial e meu pai é médico chefe do hospital. Me chamam de princesa porque sou candidata a próxima rainha.

               -- E como isso foi decidido? – ela olhou confusa para Inaê.

               -- Os reis e rainhas são eleitos pelo Conselho do parlamento, e a condição é que devem seguir os ideais dos fundadores da ilha. E ninguém fez isso melhor que a rainha Ondina. Meus pais foram aprendizes dela, e como eu tenho contribuído para o bem da ilha também, sou uma candidata – ela fez uma pausa e continuou, cautelosa – Nosso povo tem vivido muito pacificamente nas últimas décadas, somos felizes do jeito que estamos.

               Alika e Nalu se entreolharam, sabendo aonde a menina queria chegar, e como cortá-la. O homem falou primeiro:

               -- Nesy também vivia bem, mas só depois que o reino Lunae assumiu a responsabilidade do governo que soubemos o quanto estávamos enganados.

               -- O rei nos trouxe mais do que sonhávamos. Com a polícia sempre nas ruas, as câmeras de segurança espalhadas e o monitoramento de tudo que entra e sai das nossas terras, temos mais tranquilidade que qualquer outro povo – Alika complementou – Os índices de criminalidade são quase sempre zero, e quando alguns poucos tentam ameaçar isso, os fatores já citados contribuem para que sejam rapidamente neutralizados.

               -- Mas os seus cidadãos realmente gostam de viver assim? Vocês são felizes debaixo de tanta pressão e abrindo mão da liberdade?

               Os irmãos pararam de andar e encararam Inaê. Já estavam no píer, e o pequeno bote que os levaria para seu navio esperava a alguns passos de distância, mas os dois nortistas ficaram parados, Alika olhando fixamente para a princesa e Nalu alternando o olhar entre elas.

               -- O que foi? Algum problema? – Inaê estranhou aquela reação. Imediatamente Alika se empertigou.

               -- Não é nada. Tenha um bom dia, princesa, nos vemos amanhã.

               Ela voltou-se para o bote e se apressou em subir a bordo. Por um momento pareceu que Nalu ia dizer algo, mas desistiu e seguiu a irmã. Percebendo que fora algo que falara que provocou essa reação, Inaê viu uma oportunidade e se dirigiu a eles antes que se afastassem:

               -- Eu tenho certeza que podemos resolver isso de forma diplomática, sem ninguém precisar se ferir.

               Agora uma pequena ponta de esperança se instalara no peito de Inaê, ela voltou para casa quase feliz, e cansada pela noite em claro e a tensão da última hora.

               Marisol era a única ali para recebê-la, e perguntou receosa:

               -- Como foi?

               -- O clima estava meio pesado, mas acho que deixei uma boa impressão, talvez eles mudem de ideia sobre ficar aqui.

               O semblante da mais velha suavizou-se num sorriso aliviado. Inaê foi para seu quarto, onde tirou cuidadosamente o colar de cristal e deixou-se cair na cama.

               Já passava de meio-dia quando acordou ouvindo batidas insistentes na porta. Aparentemente nenhum dos pais voltara ainda. Marisol também saíra, provavelmente para o centro cultural, dar aula para quem quisesse esquecer aquela situação estressante por uma hora.

               -- Chris, o que foi? – era uma surpresa encontrá-lo ali a essa hora.

               -- Tem uma coisa que você precisa ver, princesa.

               Chris trabalhava de aprendiz no farol norte da ilha, numa área que a maioria dos ilhéus evitava por se erguer num penhasco de trinta metros, constantemente açoitado por ondas fortes, como se o mar quisesse perfurar a rocha. A estrutura cilíndrica ficava pouco antes da beira do precipício.

               -- Se esses caras de fora quiserem brigar, o que acha que vai acontecer? – o rapaz perguntou quando começaram a subir as escadas.

               -- Nosso povo é valente. Não vai se render caso tentem forçar um domínio.

               -- Por isso o senhor Juan mandou te chamar. “A princesa devia ver isso já que a rainha está com o parlamento”.

               Chegaram no alto do farol e o coração de Inaê apertou ao ver navios lunae espalhados pela costa até onde a vista alcançava. Chris suspirou com tristeza e apontou para três canhões de longa distância posicionados na direção do mar. Ou melhor, dos navios.

               Inaê entendeu o que aquilo significava.

               -- Uma manobra para o caso de uma guerra.

               -- O mestre falou para te chamar, e depois foi ajudar o farol oeste a preparar as armas deles também.

               Juan sabia o que fazer nessas horas, pois já testemunhara uma situação parecida há muito tempo. Ele orientara Chris a procurar Inaê, porque é função do segundo no comando da ilha, no caso a princesa, assumir o cargo de ministra da guerra e comandante do exército.

               A jovem deixou o farol mordendo o lábio. Saber que deveria liderar seu povo para a batalha fora talvez a parte mais desagradável de seu aprendizado com Ondina. Tinha dezesseis anos quando a rainha lhe falara da possibilidade de um conflito na ilha.

               -- Se tivermos o infortúnio de ver um conflito ainda no meu governo, você ficará encarregada de liderar nossos soldados. Ir para a linha de frente se necessário é seu dever como princesa.

               Depois de ouvir aquilo, Inaê desejou com todas as forças que nunca precisasse assumir tais responsabilidades, e até agora agradecia por viver numa terra tão pacífica.

               Antes de se afastar muito do farol, encontrou Juan, o responsável por ele e mestre de Chris. Ele a cumprimentou educadamente.

               -- Boa tarde, princesa. Já viu a situação lá em cima?

               -- Sim.

               -- Não está mais bonito no leste. Quando estive lá, chegou um comunicado do farol sul – ele estendeu um papel enrolado. A mensagem era curta, mas tão preocupante quanto a visão lá de cima. A situação era a mesma.

               -- Nada do leste?

               -- Parece que ainda não cercaram toda a ilha, mas deve ser apenas questão de tempo. Já informei à rainha e ela deu uma ordem – seu olhar estava mais sério do que ela já vira – Todos os homens e mulheres dispostos devem se preparar para um confronto.

               -- E eu devo comandá-los – Inaê completou. Juan pôs a mão em seu ombro.

               -- Nenhum de nós queria que isso acontecesse, mas diante dos fatos, não podemos fazer nada além de nossa obrigação.

               Ela assentiu com a cabeça e os dois se separaram. Quando falara com Alika e Nalu, uma pequena esperança surgira. Agora ela minguava, mas insistia em permanecer viva. Talvez ainda houvesse uma chance de negociar com os lunaes.

               Como princesa, ela deveria proteger os cidadãos, e para isso tentaria até o último recurso antes de decidir pelo combate.

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