Capítulo 3

Alexandre

— Eu não estou com saco. – expliquei pacientemente para Humberto, pela vigésima vez – Só quero chegar em casa e dormir.

— Mais um motivo para vir. Eu juro Alex, você não vai se arrepender... além do mais Lizz não está com aquela sua vizinha velhinha e gentil?

— Eu já pago uma miséria para a coitada, isso não é justo!

— Ela adora Lizz. Quem não adora aquela pestinha de olhinhos brilhantes?

Sorri. Ele tinha toda a razão, sobre minha sobrinha ao menos, todo o resto era uma balela.

— Olha, juro que se não gostar pode ir embora. Tem uma coisa que preciso que você veja.

— Em uma boate? – questionei incrédulo.

— Confie em mim. Sou ou não seu melhor amigo?

— Tudo bem, eu vou. E se não me impressionar vou para a casa.

Desliguei meu celular, já arrependido de ter aceitado o convite. Ainda estava na faculdade, tentado entender o comportamento de Melissa.

Ela não se lembraria de mim mesmo? Depois de tudo?

Tinha prometido que nunca mais tocaria naquele assunto, que não voltaria a pensar nela e menos ainda no beijo, mas quando me deparei com Melissa, foi como na primeira vez que a vi. Era como se ela tivesse um imã e inevitavelmente eu seria puxado em sua direção.

E isso, essa sensação, foi tão forte no passado, que mesmo que eu tivesse uma posição que deveria ser tudo para ela, menos aquilo que desejei ser, que me vi obrigado a pedir demissão e me afastar. E agora estávamos quase que nas mesmas posições, a diferença era que ela não era mais garota, mas uma mulher.

Não importa. Ela ainda era minha aluna, e aquilo não estava certo.

Suspirei. Por mais que eu repetisse aquelas palavras era difícil aceita-las, a compulsão de estar perto dela era maior.

Talvez Humberto tivesse razão e eu precisasse me distrair.

Entrei no meu carro e rumei para a boate que ele tinha me indicado, a fila era quilométrica, levaria uma vida para entrar.

Avistei Humberto acenando freneticamente para mim da porta. Fui na sua direção.

— Como conseguiu “furar” essa fila?

— Cheguei aqui mais cedo e reservei nossos lugares, já vai começar. Vamos logo.

— O que diabos vai começar?

— Vem comigo, quando você vir vai entender.

Entrei na boate que como de costume nesses lugares estava lotada, luzes coloridas piscando para todos os lados e corpos rebolando ao som da música.

Meu amigo encontrou uma mesa, em frente a um palco, as cortinas estavam fechadas.

— Quando você vê-la dançando.

— Vê-la? – fiz uma careta – Você me trouxe para outro show de streap?

— Não! – ele riu – Apesar de que a ideia não seria ruim...

— Eu vou embora.

Estava cansado e certamente que o show, fosse qual fosse, não era tudo aquilo.

— Senhoras e senhores – uma voz saiu pelas caixas de som enquanto a música baixava – Bem-vindos aos Éden! Hoje para abrilhantar nossa noite e nosso picadeiro ela nossa princesa da sedução: Scarlet!

O salão explodiu em palmas, enquanto eu voltava a me sentar, intrigado pela figura pequena, mas provocante no centro do palco. Ela estava de costas para o público.

Uma música começou a tocar e os quadris dela se moveram, enquanto seu corpo se virava. Seu rosto estava metade oculto por uma máscara, os cabelos estavam presos em um coque no alto da cabeça em uma mão ela tinha uma cartola e na outra uma bengala. Ela usava uma roupa de circo de lantejoulas vermelhas, o corpo perfeitamente moldado pela roupa. Seu corpo se movia com a música, com passos provocantes e ao mesmo tempo ousados, sua presença dominava o palco e me vi hipnotizado.

Os lábios destacados pelo vermelho do batom me fizeram pensar que gosto ela teria, o sorriso nos lábios era uma mistura de malicia e euforia. Era como se sua dança fosse apenas para si e mais ninguém, mas ela se movia como uma dançarina profissional. Os quadris, os braços, os ombros, as mãos cada parte do seu corpo em conjunto para seduzir.

Ela terminou a dança de perfil escondendo o rosto com a cartola. Fez um agradecimento gracioso quando as palmas novamente explodiram ao seu redor e desapareceu na coxia.

— Viu só? – a voz de Humberto parecia distante – Ela não é fantástica? Não consigo ficar sem vir aqui, pena que ela só se apresente duas vezes na semana.

— Duas vezes?

Eu tive a vaga impressão de já ter me sentido daquele jeito, então uma lembrança, quase esquecida me atravessou feito um raio. Levantei de supetão.

— O que foi Alex?

— Preciso vê-la.

— Quem não quer, não é mesmo? – ele riu.

— Não você não entende, eu realmente preciso vê-la, acho que a conheço.

— Jura? Você poderia nos apresentar?

Deixei Humberto falando sozinho e fui na direção onde vi algumas outras dançarinas entrarem, dois seguranças pararam na minha frente.

— Somente pessoal autorizado. – um deles disse.

— A garota no palco, eu conheço ela.

— Como se nunca tivesse ouvido essa... – o outro riu.

— Preciso falar com ela... Se não posso entrar, ao menos pode chama-la aqui?

Eles se encararam.

— Scarlet não fala com os clientes.

— Vou querer ouvir isso da boca dela!

— Acho melhor ir andando, parceiro. Ou vamos te colocar para fora.

Nenhum deles cedeu um centímetro, então me vi obrigado a voltar atrás.

Voltei a mesa com Humberto, decidido a voltar e tirar aquela história a limpo, mas já torcendo para estar errado.

Na manhã seguinte depois de deixar Elizabeth, minha sobrinha na escola, fui em direção ao trabalho. Não teria aula com a turma de Melissa naquele dia, mas sabia que se quisesse conseguiria encontra-la, uma parte de mim estava gostando da desculpa para procura-la e outra estava receosa, tinha medo do que aquilo podia significar.

Melissa era dançarina de uma boate? E se dançava daquele jeito para desconhecidos o que mais estaria fazendo?

Tentei desanuviar minha mente e pensar o menos possível no quanto aquela mulher, fosse ela minha aluna ou não, era sedutora e sexy. Não era hora e nem lugar para aquilo.

Para meu alivio ela apareceu, a mochila sobre os ombros, o cabelo amarrado em um rabo de cavalo impecável, os olhos castanhos perdidos, sonolentos e bocejando. Apesar da roupa casual um jeans surrado e uma camiseta qualquer estampada, ela ainda me parecia de um jeito perturbador atraente.

Quando seus olhos encontraram os meus ela desviou o olhar e tentou fingir que não me via.

— Bom dia Melissa!

Tornei sua tarefa impossível me colocando em seu caminho.

— Bom dia professor. – ela cumprimentou educada.

— Parece cansada.

Não tinha certeza se ela tinha me visto, mas caso tivesse, se ela fosse a dançarina misteriosa, sua expressão não denunciava esse fato.

— Virei a noite terminando um trabalho, não que seja da sua conta.

Ergui uma sobrancelha, aquilo estava ficando interessante.

— Deixamos as amabilidades de lado? – sorri vitorioso – Vai admitir que sabe quem sou?

Vi a surpresa atravessar seus olhos e tão rápido quanto vi isso, ela já estava recomposta.

— Você é um professor muito intrometido. E tem sérios problemas, eu não faço ideia do que está falando.

Melissa passou por mim, como se nem estivesse ali, e por um segundo me senti irritado. Estava farto daquele joguinho estupido, não era um garoto, e nem ela uma menininha.

— Vai dizer que não se lembra do beijo?

Tinha sido alto o suficiente para que alguns rostos se virassem em nossa direção e os olhares se cravassem em nós. Sabia o suficiente sobre ela para saber que aquilo, aquelas palavras, a deixariam ou irritada por revelar algo sobre sua vida ou constrangida pelo mesmo motivo.

Melissa se virou em minha direção, fogo brilhava em seus olhos. Sorri convencido. Então eu ainda conseguia tirar aquela mascara de imparcialidade de seu rosto.

— Cala boca! – ela sussurrou, dando longos passos até mim.

— Por que? Não nos conhecemos...

— Mas alguém pode achar que sim.

— E você se importa com o que os outros pensam?

— Que merda você quer de mim Alexandre?

— Que diga a verdade, que admita que me conhece.

Ela suspirou e me encarou.

— Isso não muda nada.

— Não?

— Eu sei quem você é. Está satisfeito?

— Não.

— Ah! Vá para o inferno.

Ela fez menção de se afastar e eu segurei seu pulso, encarei Melissa por longos minutos, seu rosto tinha perdido os traços de menina, deixado cada detalhe ainda mais impressionante os olhos grandes, os cílios curvos, os lábios cheios, seus cabelos estavam presos, mas conseguia ver algumas mechas rebeldes tentando se desprender do penteado tive vontade de tocá-los.

Se ela não era a dançarina misteriosa, bem ela a lembrava muito e isso era ainda mais perturbador do que qualquer outra coisa a seu respeito.

— Me deixa ir.

— Você é dançarina em uma boate?

Melissa ficou pálida e tive medo de que desmaiasse bem ali. Lentamente observei a cor voltar ao seu rosto, enquanto ela ainda me encarava.

— Como ousa me ofender assim?

— Não acho que isso seja uma ofensa.

— Eu não sou uma... – ela tossiu – prostituta.

— Não disse isso.

Ela puxou o braço.

— Poderia esperar tudo de você, menos isso... Estou muito ofendida.

Melissa se afastou, parecendo muito ofendida mesmo, mas tinha algo ali que não encaixava. Uma voz dentro de mim dizendo que aquilo tinha sido uma atuação, e a julgar de quem se tratava, poderia mesmo ser.

E lá estava eu, de novo, as voltas com assuntos ligados a ela. Como ela fazia aquilo?

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