Capitulo 1

Carreguei minhas malas para o quarto indicado por Shara, e ao abrir a porta, meu queixo caiu.

Igualmente como o resto da casa, o quarto é bem moderno e bonito. Tem uma cama de casal ao lado da janela com cortinas marrons, mas o que me chamou atenção foi a parede cheia de papeis e um mapa enorme do Havaí colado nela.

- Alguém dorme aqui? -Perguntei a ela colocando as malas em cima da cama.

- Minha sobrinha Cristina. Ela morou aqui por um tempo enquanto terminava os estudos, mas já voltou para casa nesse verão.

- É um quarto muito bonito - Falei e ela sorriu concordando - E esse mapa?

- Ela usava para saber onde queria ir. Gostava muito de sair, e você também deve gostar, pois tem quase a mesma idade - Piscou e pareceu se lembrar de algo - Vou pedir ao Enzo que te leve para ver o centro da cidade!

Engasguei com a saliva.

-Isso! Você tem que ver a cidade a noite. É maravilhosa! Toda iluminada e cheia de decorativos.

- Não! Não precisa, eu vou com meus pais... - Tentei faze-la parar de andar, mas continuou tagarelando.

- Depois da janta vocês vão. Não esqueça de tirar muitas fotos! - Falou e fechou a porta do quarto em minha cara.

Só o que me faltava. Sair com o cara que me derrubou e sequer me ajudou a levantar. Não é birra minha, claro que não. Acabei de chegar na cidade e mal falei com todo mundo, já vou sair a noite com um completo desconhecido?

Isso não vai acontecer. Vou vestir minha pior roupa! Vai que ele me ache uma completa sem noção e não queria ir comigo?

Tomei um banho gelado devido ao calor e tratei logo de procurar uma roupa inadequada. Tenho dúvidas entre o estilo hippie ou gótica. Mas pensando bem, o Havaí é todo cheio de cores extravagantes, então é melhor optar pelo preto.

Vesti a melhor roupa da cor preta que encontrei. Baguncei os cabelos e passei um batom preto. Se eu fosse gótica de verdade, daria orgulho a todas as pessoas desse estilo. Dei uma ultima olhada no espelho e sai do quarto.

Ao me virar quanse morri do coração ao der de cara com Enzo saindo do seu quarto ao lado do meu. Ele me olhou dos pés a cabeça e caminhou até parar em minha frente. Mantinha os braços cruzados mostrando completa indiferença.

-Se isso tudo é pra não sair comigo, foi em vão. Minha mãe já falou comigo e me prometeu um aumento na mesada, ou seja, vou ser seu guia turístico por alguns dias. Não pense que eu quero, óbvio que não. É por motivos economicamente financeiros. Se quiser sair assim, tudo bem, não sou eu que vou ser chamado de bruxa pelas pessoas.

Ele falou tudo com a maior facilidade do mundo, e desceu as escadas sem me dar um minimo atenção.

-T...te...da...g... GROSSO! -Gritei quando consegui formar alguma palavra. O que foi bem estranho, pois isso não acontece nunca, sempre tenho uma resposta na ponta da língua.

Voltei para o quarto pisando firme no chão e me agilizei para trocar de roupa antes do jantar. Como uma pessoa pode ser assim? Mesmo falando na maior calma e facilidade, consegue ser mais grosso do que o tronco da maior árvore do mundo.

Já pronta outra vez e com o cabelo escovado, desci as escadas para jantar. Primeiramente, as escadas seguem até a sala de estar, e ao lado tem um corredor que leva até a sala de jantar, onde todos já estavam em seus lugares conversando com alegria.

Me sentei ao lado de Thomás que brincava com alguns carrinhos, fazendo da mesa sua pista de corrida particular. Fiquei quieta sem falar com ninguém, esperando apenas a comida chegar na mesa,o que ficou meio chato com o passar do tempo. Olhei de soslaio para frente e Enzo estava com os braços cruzados olhando para algum canto da mesa, até nossos olhares se encontrarem.

Desviei na mesma hora sentindo minha bochcha inflar e queimar de vergonha.

- Cheguei! -Shara nos surpreendeu saindo da cozinha segurando uma jarra de suco e uma travessa cheia de algo que não consegui indentificar.

- Arroz Havaiano com muita batata pra todo mundo. Vocês vão adorar! É bem mais cheio de gosto.

Ela colocou a tigela na mesa e voltou para pegar o resto da refeição.

Aquilo não parecia ser arroz. Tem uma espécie de creme em cima que escondia todo o arroz. Coloquei em meu prato e provei uma garfada.

É bem diferente do arroz que comemos, mas é gostoso mesmo assim. Muito gostoso. Depois ela colocou a carne na mesa e se sentou junto com todos. A comida em geral estava deliciosa, foquei com vontade de lamber os dedos.

Mas ai, pra estragar com o momento, me lembrei que depois daqui vou sair com o senhor gentileza.

Quis até me bater por ter comido tudo tão rápido assim, mas não deu pra evitar, principalmente essas batatas torradas. Minha mãe e meu pai já haviam terminado seu jantar e levado seus pratos pra cozinha. Eu fiz o mesmo e os segui sem correr riscos de ficar na mesa sozinha com Enzo. Iria ser um silêncio bem constrangedor...

- Mãe! Convença Shara pra não me obrigar a sair com aquele... aquele... garoto! Eu não quero ir pra lugar nenhuma agora, apenas pra minha cama.

- Ah é verdade, já tinha me esquecido. Divirtam-se! - Falou sorridente e saiu da cozinha.

- Pai, já que você é meu pai, não deveria deixar sua única filha mulher sair a noite com um garoto desconhecido. Vai deixar? Vai deixar eu sair com ele?

- Mais é claro! - Beijou minha testa -Você pedindo com tanto jeitinho assim, quem negaria?

Lavou as mãos e saiu da cozinha, também sorridente. É um complô contra mim? Lavei meu prato com raiva, e quase quebrei o copo quando, sem querer, o deixei cair na pia. Me virei para sair e, outra vez, pulei de susto ao dar de cara com Enzo. Ele segurava o seu prato na mão quase colado em mim e não tinha nenhuma expressão em seu rosto. Como sempre.

- Licença? - Falou e eu não entendi -Eu quero lavar meu prato -Disse com a voz pesada e revirou os olhos. Sai de sua frente o mais rápido que eu pude e me apressei para sair da cozinha e ficar distante dele.

Travo toda vez que fala comigo, talvez porque não sei falar com pessoas arrogantes. E ele é bem mais que arrogante.

Tinha até esquecido que ele me levaria para dar uma volta na cidade. Então, sem mais opção, fiquei esperando-o na sala. Me sentei no sofá ouvindo a conversa dos adultos do lado de fora.

Me distraí observando de longe as fotografias em cima da mesinha em frente ao sofá. Fotos de toda a família. O Enzo das fotografias é muito diferente da impressão que tenho dele. Está sorridente e alegre, segurando o irmão menor nas costas.

Até agora eu não seus lábios subirem nenhum grauzinho pra cima, demonstrando algum sorriso. Será que é algum doente?

Ouvi um barulho de alguém limpando a garganta. Olhei para o lado e ele estava em pé na porta olhando para mim, como sempre, com os braços cruzados.

Bufei e me levantei. Ele saiu na frente sem dar atenção aos nossos pais que estavam sentados na varanda e eu o segui.

- Divirtam-se queridos -Shara falou sorrindo.

Dei um sorriso amarelo e depois fiz menção de vomitar ao me virar. Pelo menos a paisagem não é uma das piores. A lua estava refletida no mar enquanto andava até o carro. Até que Shara tinha um pouco de razão. A noite, tudo isso fica lindo.

- Olha, o carro não quer ligar - Prestei atenção a Enzo dentro do carro. Ele mexia em todo o lugar sem conseguir resolver o problema.

- Então não vamos, ótimo! -Sorri vitoriosa abrindo a porta para voltar pra casa. Ele esticou o braço em minha direção e fechou a porta antes de descer do carro. Olhei pra ele assustada. Seu rosto estava a sentimentos do meu, sem se afastar e sem tirar a mão da porta.

-Não - Falou. -Não vou perder o aumento de minha mesada.

- E como você pretende me levar? Nas costas? - Zombei e abri a porta outra vez, mas ele a fechou novamente e se encostou mais em mim. Fiquei sem respirar.

- Você tem pernas, não tem? -Perguntou e se afastou de mim.

- Não vou caminhar até a cidade a pé. Você ficou louco? Tenho pernas sim e só por isso não quero perde-las nessa caminhada ilusória que você acha que vou fazer.

- Não vamos a cidade garota, fica muito longe daqui, apenas vamos fazer uma caminhada pela praia. Demorar um pouco para que minha mãe pense que fiz o que ela mandou.

- Você ganha dinheiro, e o que eu ganho com isso? Posso muito bem voltar pra casa. Ganho muito mais em descansar no quarto e na cama quentinha.

Cruzei os braços e ergui uma sobrancelha. Ele suspirou pensando em algo a me falar, mas também ergueu as sobrancelhas e cruzou os braços.

- Você ganha uma bela excursão pela praia com um belo guia turístico que vai te mostrar as belezas e formas da areia - Saiu do carro. Se andar sozinha com ele somar como algo bom, eu não sei mais diferenciar do ruim.

Sai do carro. Ele me esperava encostado em uma árvore a frente, com as mãos no bolso no short. Como é convencido! Nem sabe se vou, mas mesmo assim, tem absoluta certeza que vou fazer o que mandou.

Eu poderia muito bem ir pra casa e ficar a noite inteira descansando, mas eu também sei muito bem que ficar ouvindo nossos pais conversando sobre a vida é pior do que o mar.

Certo. Caminhei até ele e parei em sua frente, esperando dizer por onde iriamos. Começou a caminhar pela beirada da praia, e eu segui ao seu lado, olhando atenta as ondas e o quanto elas se aproximavam de mim. Não que eu não goste de água, mas não gosto, especificadamente, da água do mar.

- O que você tem contra o mar? - Enzo me perguntou sem olhar pra mim.

- Nada de mais, só não gosto.

- Então não deveria ter vindo pra cá. Você só vai encontrar mar e mais mar.

- E você acha que eu não sei? Fui obrigada a vir. Me deram duas opções: Ou vai, ou vai. Então eu vim - - Falei desviando de algumas conchas para não pisar. Olhei pra ele quando olhou pro lado. Não havia percebido, mas ele não se veste como eu pensei que as pessoas daqui se vestiam. -Porque você se veste assim?

Ele olhou pra mim com a testa franzida.

- Assim como? Acho que eu me visto normal.

- Tipo, sem aquelas roupas floridas, colar de flores... E todo o resto. É que em todos os film...

Ele olhou pra mim sério e parou de andar.

- Você acha que só porque moramos no Havaí, temos que nos vestir igual aos patetas? Não somos palhaços. Não sei o porque de todo mundo achar isso. São todos iguais, um bando de preconceituosos mimados.

- Enzo, eu não quis dizer isso...

- Ta certo. - Falou com voz irônica e voltou a caminhar - Acho que eu sei muito bem o que ouvi. Por isso odeio quando meus pais chamam amigos para virem passar um tempo aqui...

- Ei! - Segurei em seu braço o forçando a parar e olhar pra mim - Não sou preconceituosa! E não quis dizer isso seu... arrogante! Como você já deve ter percebido, eu nunca estive no Havaí. As únicas coisas que eu sei sobre essa cidade, vi em filmes. Então não me culpe por fazer uma simples pergunta besta - Soltei seu braço e ele voltou a caminhar sem dar a mínima para mim.

Eu é que não vou continuar com isso, andado com alguém que atira mil pedras de vez em mim.

Dei a volta e caminhei para o lado oposto a ele, pisando firme na areia.

Tirei minha sandália e relaxei ao sentir a areia gelada em meus pés. É uma sensação boa e aconchegante. Avistei a casa ao longe e fiquei me perguntando se continuava ou não a caminhar. Por mais que eu queira? Não tem nada pra fazer!

Me sentei por impulso em cima da sandália, de frente para o mar, mas não tão perto claro. As ondas iam e vinham na mesma frequência, me deu até um pouco de sono. A brisa trazia um cheiro do oceano bem diferente do que pensei. Achei que fosse sentir o cheiro de peixe que dá vontade de vomitar, mas a noite fica difente. Fica bem mais bonito e calmo.

Vi uma pedrinha que estava implorando para ser jogada no mar que me fez lembrar dos tempos de criança. Nunca fiz uma pedra pular mais de três vezes na água, mas também nunca me mostraram como fazer pular mais. Meu pai dizia que era segredo e não podia me contar.

- Está fazendo errado -Levei um susto e olhei pra cima -Tem que botar força nisso.

- Não pedi sua ajuda - Disse e atirei outra pedra no mar. Pulou duas vezes apenas. - Você seria a última pessoa no mundo que eu pediria ajuda.

- Não estou te ajudando. Apenas dizendo algumas dicas para melhorar, ou você é outra orgulhosa que não aceita uma ajuda simples?

- Sou orgulhosa sim -Falei entre dentes - Dicas e ajudas são a mesma coisa pra sua informação.

Ele se sentou ao meu lado, só que não tão perto. Vi de canto ele pegando algumas pedras na mão e jogando no mar. Arregalei os olhos ao ver a pedrinha pular seis vezes. Olhei pra ele e tinha um sorriso bem pequeno, quase que impercetível no rosto.

- Como... - Começei a falar, mas lembrei que ele é um convencido e não quero a sua ajuda - Esquece.

- Olha, nem todo mundo se veste com aquelas roupas estranhas. Alguns surfistas sim, apenas pra amostramento eu acho - Ele falou desenhando na areia com um pedaço de pau.

- Me desculpe então - Sussurrei. Ele tem mais culpa que eu, mas errei ao retrata-lo com um palhaço de circo. Ele me olhou e ficou me encarando sem esconder o sorriso.

- Você surfa? - Perguntei curiosa tentando quebrar a tensão. Adoro ver as pessoas surfando, mas nunca tive coragem nem de usar aquelas mini-pranchas usadas por crianças.

- Surfo claro. Você não vai encontrar nenhum garoto aqui que não surfe - Ele ficou olhando para o oceano e eu fiz o mesmo, sem lembrar mais enhuma pergunta - Vamos fazer uma pequena aposta.

- Eu não disse que quero fazer aposta nenhuma - Falei erguendo uma sobrancelha. Odeio apostas desde que meu avô por parte de mãe ficava me passando a perna quando era criança.

- Mas vai -Falou autoritário e esticou as pernas. Olhou pra cima e fechou os olhos em seguida, o que me deu alguns segundos para admirar as características de seu rosto. É engraçado como todo mundo no Havaí tem que ser moreno com cabelo cacheado, mas o dele é loiro.

- A aposta é a seguinte: Amanhã você vai me ver surfar. Se eu cair alguma vez da prancha, você ganha e eu te dou todo dinheiro que minha mãe me der por sair com você - Falou mantendo um sorriso de canto.

- E se você não cair? o que eu acho meio impossível...

- Você vai ter que me contar o real motivo de entrar no mar - Disse e se levantou.

- Apostado - Falei. É claro que ele vai cair alguma hora da prancha, não é possível. Até porque, ele vai rir da minha cara se eu disser que não sei nadar. Mas no fundo, esse não é o motivo, mas serve.

Andamos em silêncio até chegar em casa. Nem noção de horas eu tenho, já que esqueci relógio e celular no quarto. Não havia mais ninguém ao lado de fora e a luz estava apagada.

Entrei em casa e subi direto para o quarto. Enzo me seguiu, já que seu quarto é ao lado do meu. Abri a porta pra não fazer nenhum barulho, pois acho que estão todos dormindo.

- Boa... - Comecei a falar, mas ele já tinha entrado no quarto. Revirei os olhos e entrei.

Nem troquei de roupa, apenas me joguei na cama imaginando a cena de quando ele cair daquela prancha e quando eu ganhar muito dinheirinho com isso. Não sei o porque que ele falou tanto comigo... Mas ainda o acho arrogante... que no fundo tem um pouco de sensibilidade... Sem perder a chatisse. Bom, pouco importa agora, só consigo pensar no gostinho da Vitória...

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