Capítulo V

Estava terminando de me arrumar, estava uma pilha de nervos, era meu primeiro dia de trabalho e ainda por cima com um chefe bem autoritário. Por experiência própria, convivendo com um filho de militar, sabia que isso não daria certo, mas não seria eu que jogaria a toalha. Uma coisa que meus pais me ensinaram foi a nunca desistir dos meus sonhos e nem das minhas escolhas. Era isso que iria fazer e daria o melhor por esse emprego. Terminei de pegar minhas coisas, hoje iria sozinha para o trabalho, Maggie saiu cedo de casa, tinha uma reunião com um cliente em potencial.

Desci até a portaria para aguardar o carro chegar, enquanto isso mexia no celular da empresa, o notebook já estava na bolsa, esses dois aparelhos seriam meus melhores amigos a partir de hoje. Não percebi que o carro chegando, abri a porta de trás e me sentei, colocando as coisas no colo.

Não tenho o hábito de sentar na frente, principalmente em carros de desconhecidos, sempre fui muito reservada com isso. Nunca fui de conversa fiada, falava o essencial, sempre com educação e seguia a viagem toda calada.

Sempre fui a introspectiva da turma. 

— Bom dia Cláudio. — O motorista era um senho, era notável pelos cabelos brancos e a barba de mesma cor, devia ser um pouco mais velho que meu pai, por volta de uns 55 anos. Parecia simpático, lembrava meu avô materno, já falecido a três anos. — Tudo bem com o senhor? — Resolvi quebrar o protocolo e conversar.

— Bom dia, Maria Eduarda. Tudo bem sim e com a senhorita? — Fechei a porta e seguimos viagem. 

— Estou bem, indo para meu primeiro dia de trabalho. Estou nervosa.  — Minhas mãos suavam de nervosismo. — Tomara que... — O barulho do celular tocando me interrompeu, o peguei dentro da bolsa, era o celular da empresa e no visor estava escrito; chefe e pelo visto o número dele já estava salvo na agenda.

É claro que ele ia fazer isso.

— Alô!

—Bom dia, já está a caminho? Temos uma reunião hoje as 9h e gostaria que participasse, para começar a se familiarizar com o trabalho. Chega em quanto tempo? — A voz dele era mais grossa pelo telefone, ou ele não estava tendo um bom dia. — Posso saber qual é a graça? 

— Nada, senhor. — Nem havia percebido que estava rindo, minhas bochechas queimavam de vergonha. Agradeci a Deus por ele está do outro lado da linha e não na minha frente — Chego em 15 minutos, já estou a caminho.

— Ok. Assim que chegar venha até minha sala. — Nem me deixou responder desligando em seguida.

Meu coração acelerava, ele realmente me intimidava, mas iria aprender a conviver com isso. De um jeito ou de outro. 

— Desculpa a intromissão, mas a senhorita trabalha na Jones? — Claudio olhava pelo retrovisor, com um olhar carinhoso. 

— Vou começar hoje. 

— Vejo que a senhorita está bem nervosa, por acaso, trabalha com Caleb?

 Eita, como ele sabia? Pelo visto meu chefe era mais conhecido do que a própria empresa.

— Sim, serei a assistente dele, como sabia?

— Imaginei pelo seu estado de nervos e pelo endereço da corrida... — Apontou para o celular. —Minha neta trabalha lá, na recepção. Ela trabalhava diretamente com ele, mas não aguentou a pressão e pediu transferência. Ela se chama Rebecca. Você deve ter a conhecido, um amor de pessoa. 

— Conheci sim, ela mora no meu prédio, não é? — Percebi algumas semelhanças entre ele e a Becca. A simpatia era uma delas e tinham o mesmo sorriso. — Realmente um amor de pessoa, as únicas pessoas que me trataram bem ali foram, ela e a Maggie até agora, mas a Maggie já conheço a anos, mora comigo e foi quem me conseguiu o emprego. Sinceramente não sei se agradeço a ela ou se choro por isso. — Ambos começamos a rir. 

— Mas tenho certeza que tirará isso de letra, você aparenta ser bem mais forte do que acha. — Ele me deu uma piscadela.

— Por que você acha isso? — Perguntei, curiosa.

— Pessoas que passam por uma perda tem outro modo de ver a vida e não desistem fácil daquilo que quer, sabem que não tem mais nada a perder já que perdeu quem mais amava. Quem passa por isso acaba aprendendo a reconhecer a mesma dor no outro. 

Ele desviou os olhos do retrovisor, escondendo a sua dor. Ele havia passado por uma grande perda também, mesmo curiosa sabia que seria uma pergunta muito invasiva de fazer, então engoli minha curiosidade.

— Chegamos. — Mal havia reparado que já estávamos parados em frente a Jones.

— Meus pêsames, mesmo sem saber quem perdeu. Desejo meus sentimentos. 

Coloquei minha mão em seu ombro, tentando reconforta-lo. Ele sorriu e toda demonstração de sua dor havia sumido, como se tivesse subido a armadura novamente, deixando as emoções no fundo.  Onde ninguém conseguiria encontrar, sei disso, porque é algo que também faço, mais vezes do que o necessário.

Paguei a corrida e comecei a pegar minhas coisas para sair do carro, e começar meu primeiro dia.

— Foi um prazer te conhecer Claudio, o senhor é muito simpático, me lembra muito meu falecido avô. É bom encontrar rostos amigos em locais novos, reconforta... — Ele sorriu novamente, fazendo os olhos seguir o sorriso, retribui e pela primeira vez em 3 meses, esse sorriso não foi forçado. 

— Espero que fique bem e que não deixe a dor da perda te levar para o abismo, esse é um buraco sem fim. Experimentei a sensação e aconselho que não é nada bom... — Ele deu um suspiro.

— Obrigada, algum dia ficarei bem. Enquanto isso vou recomeçando minha vida e seguindo meu caminho. Afinal, a vida continua para nós, querendo ou não, né? — Ele riu e sai do carro. 

— Eduarda... — Olhei para ele, quase na calçada fechando a porta. — A vida é feita de recomeços. Mas, para cada recomeço o capítulo anterior, ou o livro, precisa ser encerrado. Para enfim, poder começar outra história, espero que consiga recomeçar o seu, você merece ser feliz. 

— Também espero Claudio... 

Meus olhos estavam marejados, como pode um estranho me fazer chorar, em menos de 1 hora ele parece me conhecer melhor do que ninguém. Agradeci mais uma vez, e segui para dentro do prédio. 

A Becca estava no saguão, corria de um lado para o outro parecendo perdida. 

— Bom dia, está tudo bem? — perguntei, contendo o riso. — Precisa de ajuda? 

— Bom dia Duda! Menina, to desesperada! Senhor Caleb está furioso e está descontando em todos, o que não é novidade... Tem cliente novo na empresa, a recepção está uma loucura, tanto aqui, como lá no 7° andar, principalmente lá... Então se prepare viu, porque hoje o dia vai ser longo! Agora deixa eu ir, senão daqui a pouco ele desce com a minha demissão. E ah, quase me esqueci — Ela parou de andar e se virou para mim — Parabéns pela contratação, espero que aguente mais do que a maioria. — Ela passou a catraca com tanta pressa que quase tombou pra trás. 

É realmente o meu chefe não era um mar de rosas, parecia ser odiado por muita gente.

Enquanto chamava o elevador, meu celular tocou novamente o procurei na bolsa e dessa vez era o meu pessoal, era a Maggie. 

— MADU, PELO AMOR DE DEUS, ME DIZ QUE VOCÊ JÁ ESTÁ CHEGANDO? — Pelo desespero da Maggie, dava para perceber que as coisas não estavam muito boas lá em cima.

— Estou esperando o elevador chegar, por quê? O que houve? — Ao fundo dava para ouvir as vozes do pessoal e pela altura em que estavam falando, pareciam bem irritados.

— O Caleb quer te ver imediatamente! Disse que está atrasada e não gosta de atrasos, então pelo amor de Nossa Senhora da pontualidade... Sobe logo! — Não sabia se ria ou se chorava pelo desespero dela.

— Já estou subindo, elevador acabou de chegar. — Desliguei a ligação e entrei no elevador. 

Assim que a porta do elevador abriu no 7º, dei de cara com a Maggie. 

— Juro por Deus que se ele gritar comigo mais uma vez, vou mandá-lo tomar onde o sol não b**e! Ah tudo tem limite e o meu já acabou. Perco meu emprego, mas ao menos saio daqui feliz... — Estava reclamando para uma moça, que ainda não conhecia. — Graças a Deus, você chegou! — Maggie me abraçou e quase me derrubou de tanta força. — Entra logo lá, para falar com esse homem e quem sabe você consegue acalma-lo.

Eu? Impossível!  

Resolvi permanecer calada, só confirmei com a cabeça e segui até a sala do amado chefe.

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