Capítulo 01

Ivy Calleya

A dor havia cessado, assim como as vozes das pessoas à minha volta, e tudo que me restava eram as memórias, elas iam e vinham como ondas, me fazendo lembrar de cada acontecimento, de cada erro que eu havia cometido.

Estava frio, meu corpo parecia ter sido abraçado pela neve do inverno, pelo gelo… Era como se eu estivesse adormecida por muito tempo, presa em um pesadelo.

— Pela Deusa!… Chame o sacerdote… a princesa está despertando!.. — Pude ouvir uma voz rouca e grave falar, o som estava distante, mas mesmo assim era audível o suficiente para chamar minha atenção.

Meus olhos se abriram de repente, e toda aquela escuridão que me cercava, resplandeceu, era como se eu olhasse diretamente para o sol, como se fosse a primeira vez que eu enxergasse a luz.

— Princesa!? Você está bem? Consegue me ouvir?! 

Virei assustada, ainda confusa, até que aquele borrão a minha frente ficou nítido, e eu pude enxergar um velho de cabelos grisalhos, que usava uma túnica esverdeada, à minha frente. Ele parecia assustado, surpreso, era como se ele estivesse vendo um milagre.

Eu estava confusa, completamente abalada, quase entrando em desespero.

Meu olhar arrastou ao redor, e pude ver que estava no quarto de algum nobre, em um cômodo que nunca havia visto em minha vida, as paredes brancas com detalhes azuis me deixavam atônita, aquele lugar, era completamente estranho.

— Alexandre? — Minha boca se abriu, e sem pensar, o nome do meu filho foi a primeira palavra a sair, mas havia algo errado, algo de diferente em meu corpo, aquela voz, não era minha.

— Princesa… sei que deve estar tudo confuso agora, mas apenas ouça, você está em casa, e acabou de despertar de um longo sono — Aquele velho se aproximou de mim, e quando ele disse aquelas palavras, tudo que senti foi um aperto em meu peito, estendi minhas mãos diante meus olhos, e o'que vi, eram dedos delicados e pálidos como a lua, aquele corpo, não era meu.

Eu não conhecia aquele lugar, eu não conhecia aquelas pessoas, nem mesmo quem era a dona daquele corpo, e tudo que eu queria, a única coisa que eu ansiava, era meu filho.

Desesperada, tentei me levantar daquela cama e procura lo, mas não conseguia, estava fraca demais, debilitada demais, e tudo que podia fazer, era permanecer paralisada enquanto as lágrimas rolavam, até que alguém chegou, abrindo aquelas portas pesadas com força, assustando a todos ao entrar.

— Ivy? Querida?! — Um homem de cabelos platinados e capa púrpura veio até mim, debruçando sobre a cama, me abraçando com tanta força que pensei que iria sufocar.

— Vossa majestade! Por favor…! Tenha cuidado, ela acabou de acordar! — O velho grisalho falou, interrompendo o abraço, e quando o platinado finalmente me soltou, eu tive certeza, que ali, não era o reino de Lyra, e que aquele lugar não era minha casa.

Eu permaneci calada, e apenas ouvi tudo que aquele velho tinha a dizer, a história daquele lugar, de quem eu era, e oque havia acontecido, e então tive certeza, que eu estava em outro corpo, que Camille Larsen havia falecido, ela não existia mais.

Se tudo que ele estivesse falando fosse verdade, a dona daquele corpo era uma jovem chamada Ivy, uma princesa frágil e doente de um reino distante, um local com campos congelados e neve que caia o ano todo, e aquele homem de cabelos perolados e olhos frios, era seu pai, o imperador, o soberano Victor Calleya.

Eu já havia escutado boatos sobre Oracalia, histórias de viajantes e peregrinos, eles diziam que as pedras gélidas mantinham a magia esquecida selada, que seus lobos eram prateados, abençoados pela luz do luar, e diferentes de todos ou outros.

Naquela época eu não acreditava naqueles boatos, estava ocupada demais servindo a meu reino, a minha família, e não fazia imaginava o vasto mundo que me rodeava.

— Ivy? Você, tem certeza que não se lembra mesmo de nós?— Victor me chamou, me olhando com seus olhos cinzentos, sérios, repletos de preocupação.

— Eu, não me lembro de nada… — Falei com sinceridade, n~~ao tinha nenhuma lembrança daquele corpo, daquele lugar.

 Victor suspirou, desviando seu olhar para Javier Urc, o curandeiro, que parecia tão aflito quanto ele.

— Vossa majestade, tenha paciência… a princesa passou muitos anos adormecida, seu corpo e mente precisam de tempo para se recuperar — As palavras que saíram da boca daquele velho fizeram Victor vir até mim novamente, ele se curvou à minha frente, fazendo seu rosto ficar próximo ao meu, e me encarou, acariciando meu rosto com suas mãos geladas — Não se preocupe se não conseguir se lembrar de tudo, talvez a Deusa preferiu assim para evitar que você sofresse, sei o quanto foi difícil para você, como foi doloroso… Apenas foque em descansar, logo seu corpo estará curado, e como lhe prometi quando ainda era uma criança, farei de tudo para encontrar uma cura. — Eu não entendia aquelas palavras, mas meu coração se aqueceu, e tudo que fiz foi assentir, sorrindo levemente como resposta.

Após se despedir, ele saiu por aquela enorme porta de madeira entalhada, e os curandeiros e sacerdotes me ajudaram a me alimentar, as servas me deram banho, e quando eu pude finalmente me ver diante o espelho, vi o quão magra e franzina aquela jovem estava, como seus cabelos eram claros, prateados, tão cinzas quanto aos de seu pai, e sua boca levemente rosada, seus olhos dourados como âmbar polido e seu rosto belo e bem esculpido, digno de ser chamado de obra de arte.

Ivy tinha um belo corpo, tudo que ela precisava era de tempo para se recuperar, tempo qual eu sabia que ela não tinha, aquele corpo estava a beira do colapso, o'que significava, que eu tinha pouco tempo.

Eu precisava recuperar a saúde daquele corpo, rápido.

Javier me contou detalhes sobre a vida de Ivy, claro, que eu disse a todos que minhas memórias haviam sumido por completo, e depois de ouvir tudo que havia acontecido com aquele corpo, finalmente entendi, que aquela era a chance que eu tanto implorei a Deusa, e seria aquele corpo frágil e fraco que me faria conquistar minha justiça.

Após me vestir, pedi um momento sozinha, pedi para que todos saíssem para que eu pudesse finalmente respirar, pensar. Eu precisava de um plano, eu precisava saber o que estava acontecendo com meu reino após minha morte, e o mais importante, eu necessitava de notícias de Alexandre.

As palavras de Lindsey Ingraf ecoavam em minha mente a todo momento, me torturando, eu não iria permitir que ela criasse meu filho, que ela tocasse nele e o envenenasse com suas mentiras como ela havia feito comigo durante toda a vida. Eu iria matá-la, eu iria matar todos os que me causaram mal, e mostrar a eles, que nunca deveriam ter machucado uma Larsen, uma portadora do sangue dourado.

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