Narrado por LaraEu estava no meu canto favorito do jardim, sentada sobre uma manta macia, cercada de almofadas e com um livro aberto sobre o colo, mas meus olhos não conseguiam se concentrar em nenhuma linha. O sol estava começando a se pôr, pintando o céu de tons alaranjados, e o ar estava morno, sereno, como se o mundo lá fora estivesse calmo… mas dentro de mim, havia sempre um leve desconforto que não desaparecia.A mansão de Khaled era um lugar tão bonito quanto sufocante. Era como viver dentro de um palácio de cristal — lindo, impecável, mas com paredes invisíveis que me impediam de ser livre.A calmaria da tarde foi interrompida pelo som dos passos dele se aproximando atrás de mim. Não precisei olhar. Eu já reconhecia o som das solas dos sapatos dele no chão. Era uma presença pesada, constante, impossível de ignorar.— Posso me sentar? — ele perguntou, com a voz baixa.Assenti, ainda sem encará-lo.Ele se sentou ao meu lado, com a mesma elegância controlada de sempre. Não disse
Narrado por Khaled RashidÀs vezes, o silêncio é mais cruel do que qualquer grito.Estava sentado em minha sala privada, onde poucos pisam. Era um dos poucos lugares da mansão onde eu podia respirar sem o peso dos olhos dos outros. O copo de uísque repousava intocado sobre a mesa de vidro. O líquido âmbar refletia as luzes suaves do teto, dançando como se zombasse de mim.Meus pensamentos não paravam.Um herdeiro.Era o que meu pai queria. Era o que o conselho queria.Era o que o nome Rashid exigia.E talvez... fosse o que eu mesmo deveria desejar.Mas havia uma parte de mim — obscura, doentia, possessiva — que se recusava a aceitar a ideia de dividir Lara.Nem com o mundo.Nem com outra mulher.Nem com um filho.Um bebê.Só de imaginar outro ser humano tocando o corpo dela, mamando em seus seios, tomando seu tempo, arrancando suas atenções… meu estômago virava.Ela era minha.
Narrado por Ranya Era fim de tarde quando percebi o movimento estranho nos portões principais da mansão. Eu estava no jardim lateral, recolhendo algumas louças da mesa externa, quando dois carros pretos, longos e espelhados demais para serem comuns, entraram lentamente no pátio interno. O motorista de Khaled desceu do primeiro, correu até a porta de trás e a abriu com uma reverência discreta. E então ele apareceu. O pai de Khaled. Eu já tinha ouvido falar dele. Os seguranças sussurravam seu nome com mais medo do que respeito. Diziam que ele era o verdadeiro cérebro da família Rashid — um homem que usava a tradição como arma e o silêncio como sentença de morte. Meu coração disparou só de vê-lo caminhando com aquele ar de realeza, as mãos cruzadas nas costas, o olhar rígido e inexpressivo. Não era comum visitas como aquela. E eu sabia que algo importante estava para
Narrado por RanyaDei um tempo antes de sair do quarto. Precisava parecer natural.Joguei um pouco de água no rosto, prendi o cabelo e fui até a cozinha. A empregada-chefe, Salma, estava organizando os talheres com precisão militar, como sempre. Ela me olhou, desconfiada, mas não disse nada.Peguei uma bandeja, enchi com frutas, suco de romã, iogurte artesanal — tudo o que a senhora Lara costumava gostar — e segui pelo corredor até o quarto dela. Bati com os nós dos dedos, leve o bastante pra parecer formal, firme o suficiente pra ser ouvida.— Senhora Lara? Trouxe seu café da manhã.Ouvi passos. Um arrastar preguiçoso. A porta se abriu devagar.Ela estava com uma camisola fina de seda e um robe jogado por cima. Os olhos pareciam inchados, mas o rosto dela… ainda bonito, ainda frágil.— Obrigada, Ranya — ela murmurou, com a voz baixa. — Pode colocar na mesinha.Fiz o que ela pediu e aproveitei para observar o quarto. O lugar estava mais arrumado do que nos últimos dias. Talvez ela est
Narrado por KhaledDesde que me tornei o homem mais temido da minha família — e, talvez, de toda Dubai — aprendi que o perigo raramente vem vestido com sangue e faca. O perigo verdadeiro chega sorrindo. Servindo o chá. Dobrado no canto do quarto com um espanador na mão.Ranya.A mulher é discreta demais. Atenta demais. E embora tenha sido contratada para cuidar da limpeza da parte leste da mansão, ela vem aparecendo onde não deveria com uma frequência que me faz franzir a testa.Hoje de manhã, saí mais cedo do quarto, deixando Lara ainda adormecida. Ela parecia exausta da noite anterior — e de tudo que tem enfrentado desde que chegou à minha vida. Queria que ela descansasse, então me vesti em silêncio e desci para a biblioteca.Foi lá que vi Ranya.Parada diante de uma estante que já fora limpa no dia anterior. Estava com o pano na mão, mas os olhos fixos na porta entreaberta que dava acesso ao meu escritório. Onde, por acas
Narrado por LaraOlhei meu reflexo no espelho pela terceira vez em menos de dez minutos. O vestido dourado de seda fluía pelo meu corpo como uma segunda pele. O decote era elegante, mas ainda assim ousado o suficiente para fazer minhas bochechas corarem. Meus cabelos estavam soltos, com ondas suaves caindo sobre os ombros. A maquiagem leve deixava meus olhos mais marcantes. Eu estava bonita. Muito bonita.Mas também estava nervosa.Era estranho. Eu tinha convivido com Khaled tempo suficiente para saber que ele era um homem perigoso. Mas também... um homem de camadas. E desde a noite do hospital, ele tinha sido diferente comigo. Cuidadoso. Atento. Como se estivesse tentando me proteger de tudo, até mesmo dele.Hoje, ele tinha dito que queria me levar para jantar. Nada grandioso, só nós dois. Um momento a sós. Só que desde que ouvi a conversa dele com o pai, algo vinha martelando na minha cabeça: o bendito herdeiro.Ouvi uma batida lev
Alberto VasconcellosA ruína não chega de uma vez. Ela se insinua aos poucos, como uma praga silenciosa, destruindo tudo o que construí ao longo dos anos. Eu a vi se aproximar, tentei resistir, mas era como segurar areia entre os dedos. A Vasconcellos Import & Export, a empresa que levei uma vida inteira para erguer, estava falida.Foram anos de glória. Eu dominava o mercado de commodities, transportando produtos valiosos pelo mundo inteiro. Meu nome era respeitado, meus contratos eram disputados e meu império parecia inabalável. Mas o mundo dos negócios é cruel. Com a ascensão de novas potências econômicas, a concorrência ficou impossível. Empresas chinesas e árabes começaram a dominar o setor, oferecendo preços com os quais eu simplesmente não podia competir.Os contratos começaram a cair. Clientes antigos romperam acordos que existiam há anos. Investidores se afastaram. Fiz de tudo para segurar minha posição: peguei empréstimos, cortei custos, apostei em novas estratégias. Mas foi
Alberto VasconcellosEntro em casa e, como sempre, sou recebido pelo silêncio pesado que habita este lugar. Antes, minha casa era um reflexo da minha posição: móveis importados, quadros de artistas renomados, tapetes persas. Agora, tudo perdeu o brilho. Parece um cenário prestes a desmoronar.Subo as escadas, sentindo a tensão no ar. Minhas filhas estão todas em casa. Posso ouvir as vozes delas no andar de cima. Natália e Bianca, as mais velhas, conversam animadamente sobre alguma besteira fútil. Lara, como sempre, está quieta.Abro a porta do escritório e me sirvo de uma dose de uísque antes de encará-las. Minha paciência anda curta, e eu sei que não vou gostar das reações que estão por vir.— Reúnam-se na sala — digo alto o suficiente para que todas me ouçam.Natália e Bianca descem primeiro, com ares de tédio. São exatamente o que a sociedade esperava que fossem: filhas mimadas de um empresário rico. Sempre tiveram tudo do bom e do melhor, e mesmo agora, com a falência batendo à p