Ethan Narrando
O relógio marcava 5h30 quando o alarme tocou. Me levantei sem hesitar. Uma rotina rígida me acompanhava há anos, e hoje não seria diferente. Após uma corrida leve de trinta minutos na esteira, tomei um banho gelado, uma prática que mantinha minha mente alerta. O espelho embaçado do banheiro refletia meu semblante inexpressivo. Sequei o rosto, ajeitei o cabelo com precisão e vesti um terno cinza escuro alinhado, camisa branca impecável e gravata azul-marinho. No closet, ajustei o Rolex no pulso, calcei os sapatos italianos e conferi os documentos na pasta de couro. Um último olhar para o espelho. Postura reta. Olhar firme. Estava pronto. O carro me esperava na garagem. Durante o trajeto revisei relatórios no tablet, enquanto o motorista seguia em silêncio. Ao chegar à sede da Ferraz Engenharia, subi direto para o andar da presidência. Hoje o Jhon chega de suas férias, ele fez uma viagem internacional para descansar, mas conseguiu fechar um negócio milionário. Vamos construir um novo empreendimento de investidores tailandeses. Já me sinto pronto para mais esse desafio. A mesa de Sophie, ainda estava vazia. Seu expediente começava às 8h, então tecnicamente, ela não estava atrasada. Ainda assim, não gostei de vê-la ausente. Detesto imprevistos. Entrei na minha sala. O aroma do café já preenchia o ambiente, como sempre, forte, sem açúcar. Apoiei a pasta sobre a mesa, liguei o computador, revisei os compromissos mais importantes do dia e li os e-mails marcados como prioridade. A iluminação era fria e precisa, como eu gostava. Minutos depois, senti a necessidade de consultar minha agenda pessoal. Não costumo depender dos outros, mas Sophie havia ficado responsável por organizá-la. Me levantei, caminhei até a porta e a abri. Ela estava prestes a bater. Ficou com a mão erguida no ar, os olhos arregalados, congelada como uma estátua. Seus dedos ainda fechavam levemente em punho, prestes a tocar a madeira. Encarei ela em silêncio, os olhos nos dela, apenas observando. Ela não abaixou a mão. Só me encarava de volta, visivelmente desconcertada. — Vai ficar quanto tempo com a mão nessa posição? — questionei, seco. — Eu… estava vindo entregar sua agenda, senhor Ferraz. — Que sorte a sua. — Cruzei os braços, ainda parado na porta. — Achei que fosse chegar depois do meio-dia, já que sua mesa estava vazia às 7h02. — Meu horário começa às 8h. Eu só vim mais cedo porque imaginei que o senhor fosse precisar. — E imaginou certo. — Peguei a agenda de sua mão. — Mas da próxima vez, esteja sentada à sua mesa antes de imaginar qualquer coisa. Ela assentiu, um pouco pálida, e eu voltei para a sua mesa. Fechei a porta com calma, deixando para trás o som de seus passos apressados. Coloquei a agenda sobre a mesa, abri na página do dia e respirei fundo. Dia cheio. Sem espaço para amadores. Muito menos para secretárias que levantam a mão feito crianças pedindo atenção, mas não posso negar que tem um belo par de Olhos. Minutos depois, a porta do meu escritório se abriu novamente. Por um instante, pensei que fosse ela, mas era o John. Ele entrou com aquele sorriso costumeiro e fechou a porta atrás de si. — Quem é essa loira? Vai ser a nova cara da Ferraz? — perguntou com um ar de deboche. Revirei os olhos e soltei um suspiro impaciente. — Se você está falando da minha assistente pessoal, não, ela não é a nova cara de nada. E por favor, essa não. A chame de senhorita Collins. John sorriu daquele jeito sacana que me irrita profundamente. Não tem uma secretária, chefe de departamento ou mulher da equipe de limpeza que ele não tenha, ao menos, tentado levar para a cama. Conheço bem esse histórico dele. E apesar da nossa amizade, esse comportamento dele no ambiente profissional sempre me incomodou. Conversamos alguns minutos sobre um contrato pendente, mas antes que pudéssemos concluir a conversa, alguém bateu na porta. — Pode entrar — autorizei. Era Sophie. Impecável como sempre. Sua postura, seu tom de voz, tudo nela exalava profissionalismo. — Senhor Ferraz, a sala de conferência já está pronta. A equipe jurídica está esperando a sua presença — anunciou, com o olhar direto, sem hesitação. Me levantei, ajustei o paletó e peguei os documentos da mesa. John se levantou também e, como era de se esperar, assim que ficou frente a frente com Sophie, não perdeu tempo. — Prazer, me chamo John Wilker — disse, estendendo a mão e sorrindo de forma exagerada. — Prazer, senhor. Sou Sophie Collins, secretária assistente pessoal do senhor Ferraz — respondeu ela, firme, com um tom cortês, porém distante. Nenhuma abertura, nenhum sorriso. Confesso que quase sorri ao vê-la selecionar tão bem as palavras. Ela deixou claro que era minha assistente pessoal. A posição não era apenas um título; era um aviso para ele manter distância. — Vamos, Sophie. Quero que participe dessa reunião e anote o que achar necessário para que eu possa avaliar com calma depois — pedi. Ela assentiu e saiu na frente, passos firmes e postura impecável. John a seguiu com os olhos, praticamente babando. Respirei fundo, tentando conter minha irritação. Gosto do John como um irmão, ele sempre esteve ao meu lado, nos bons e maus momentos, mas às vezes... às vezes ele exagera. Principalmente quando envolve alguém que trabalha diretamente comigo. Seguimos pelo corredor até a sala de conferência. Enquanto andávamos, meus pensamentos estavam em Sophie. Ela tem se mostrado muito mais do que uma assistente eficiente. É centrada, dedicada e sabe manter os limites. E isso, dentro de uma empresa do tamanho da Ferraz, é raro. Quando entramos na sala, os advogados já estavam organizados, pastas abertas, laptops ligados. Sophie se posicionou ao meu lado, pronta para anotar tudo. Percebi um olhar rápido do John para ela antes de se sentar. Balancei a cabeça. Se ele tentar algo, vai descobrir que, dessa vez, não vou relevar. Sophie é diferente. E talvez, eu já tenha percebido isso antes mesmo dela dizer a primeira palavra.