Mundo ficciónIniciar sesiónEmir e Layla esperavam os pedidos; ele tentava disfarçar o incômodo de estar ali. Quando ela disse que escolheria o lugar, ele imaginou um restaurante com comida saudável. Em vez disso, ao parar no endereço que ela passou, encontrou uma hamburgueria — o tipo de lugar cujo cardápio parecia um atentado à alimentação. Claro, ele não era abstêmio de fast-food: comia de vez em quando, talvez a cada seis meses, mas jamais em horário de almoço.
Layla observava a expressão dele e conteve o riso. Sabia perfeitamente o que ele esperava — um prato “de verdade” — e que devia estar horrorizado por ter de almoçar fritas, hambúrguer e refrigerante.
—E então, senhor Emir — disse ela, inclinando-se para a frente —, me conte: o que aconteceu com você esta manhã, além de quase me atropelar?
Ele tentou decifrar os olhos da garota. Pela confusão daquela manhã, não tivera tempo de reparar no rosto dela; agora, porém, via um olhar desafiante, quase provocador. Apesar da cara de chantagista, havia algo nela que parecia mais adulto que a idade que dissera no caminho.
—Você faz faculdade de jornalismo ou de psicologia? — perguntou ele.
Ela riu.
—Você é sempre tão metódico? Desde que nos conhecemos tem sido rude, direto e... sem graça. — Ela sorriu. — Não combina com você ser tão sisudo.
Emir ficou sem palavras. Para cada frase sua, havia uma resposta pronta.
—Você é bem direta para alguém tão jovem — observou ele.
Layla percebeu rápido que ele carregava um peso. A mãe, Samia, dizia que ela tinha intuição: sabia quando alguém estava triste. A família imaginara que faria psicologia; acabou optando pelo jornalismo — talvez por curiosidade, talvez por vontade de conversar com estranhos. E o estranho rude ali à sua frente, apesar da grosseria, despertava curiosidade nela.
—Idade não quer dizer muita coisa — respondeu ela. — Tem gente de vinte, trinta anos com zero maturidade.
Os pedidos chegaram e Emir ficou surpreso com o tamanho do hambúrguer dela. Enquanto ele pedira um simples sanduíche de frango, ela escolhera, provavelmente, o maior do cardápio.
—Você vai comer só esse sanduíche e esse suco sem gosto? — apontou ela para o suco verde.
—Pretendo viver muito — retrucou ele com leveza —, então escolho comer saudável, evitar frituras e doces.
Comeram em silêncio por alguns minutos, até que Layla, incapaz de se calar, voltou ao assunto.
—Então, senhor Emir, conte logo. Já comeu, e aposto que seu mau-humor diminuiu uns cinquenta por cento. Me fala seu problema que eu te conto minha alegria do dia.
Ao falar do primeiro dia na faculdade, os olhos dela brilharam; Emir sentiu-se como se retornasse anos, aos 19, quando entrou na universidade depois do tempo no exército. Lembrou-se da irmã pequena, do pai prestes a se aposentar, das dificuldades em Mardin. Recordou o pai, Firat, bancário aposentado; a mãe, Banu, dona de casa devotada; a irmã, Bahar, com pouco mais de dez anos. Trabalhou em três empregos, formou-se aos 23 e teve a sorte — e a sorte do trabalho árduo — de entrar numa publicidade onde conheceu Kerem, futuro amigo e sócio.
De volta ao presente, Emir prestava atenção como se hipnotizado. Layla explicou que suas amigas — cujos nomes ele não conseguira memorizar — tinham se preocupado com o atraso; Samia quase a impediu de entrar no carro dele, por isso ela subira às pressas.
Após quinze minutos de relatos empolgados, Emir continuava quieto.
—Pronto — disse Layla, baixando a voz —, eu falei do meu primeiro dia e agora você pode desabafar. Eu ouço. Sei falar demais, mas também sei ouvir.
Ele pensou em recuar; não abriria o peito tão facilmente para uma universitária. Contudo, a companhia dela era mais agradável do que esperara.
—Depois da sua empolgação — disse ele com um meio sorriso —, não sei se meus problemas vão parecer relevantes. Mas tudo bem: trabalho numa agência de publicidade. Tive uma manhã péssima: um projeto que íamos assumir saiu das nossas mãos porque, descobri depois, minha pulseira ficou no conserto e meu concorrente assumiu a campanha. É isso.
Layla percebeu que havia algo não dito. Ela não forçou; era curiosa, mas não invasiva.
—E seus pais, com o que trabalham? — perguntou Emir, mudando de assunto.
—Minha mãe vende seguros; meu pai é contador — respondeu ela, sem perceber ainda que mentira e verdade se misturavam. Fora a pequena inverdade que usara para conseguir a carona.
—Não se preocupe — disse ele, enquanto guardava o cartão de visitas —, não contarei nada. Você segue sendo minha chantagista universitária preferida. A companhia, no fim, foi agradável. Esqueci minhas preocupações por uns minutos. Mas preciso voltar ao trabalho e buscar sua pulseira. Sua mãe deve estar preocupada.
Layla pegou o celular e, ao tirar da bolsa, encontrou vinte chamadas perdidas: metade da mãe, metade das amigas. Não quis abrir o grupo do W******p com medo das mensagens.
“Layla, onde você está? Sua mãe me ligou e eu disse que você já estava em casa, presta atenção no horário.”
Elçin era a mais briguenta do grupo; Layla apenas mandou um emoji sorridente e prometeu depois ligar em vídeo.
—Pela sua cara, vão te castigar — riu Emir —. Fica aqui; eu pago o almoço e te levo até a joalheria. Aposto que sua pulseira já está pronta.
Ela agradeceu e os dois voltaram ao carro. Ao estacionar em frente à joalheria, Emir avisou que não desceria — o conserto estava pago e ele precisava voltar ao trabalho.
—Obrigada por tudo — disse Layla ao abrir a porta —. Desculpe a mentira sobre meu pai. Se eu fosse totalmente honesta, você não teria tido esses minutos comigo.
Ele sorriu e concordou.
Retirou do porta-luvas o porta-cartões e lhe entregou um cartão de visitas.
—Se precisar de algo sobre a faculdade e eu puder ajudar, liga. Você é inteligente; vai longe.
Ela leu o nome: Emir Divit. Percebeu que havia falado demais; ele, quase nada. Curiosa, perguntou a idade e o estado civil.
—Pode me chamar de Layla — disse ela. — Eu não perguntei sua idade nem seu estado civil, vai que minha mãe sonha que fiquei com um homem comprometido.
—Não se preocupe — respondeu ele, com calma —. Não sou casado, não tenho filhos; tenho 36 anos.
Ela lhe deu um beijo no rosto em despedida.
—Vou ligar — prometeu —, não só pela faculdade, mas para saber como você está.
Ela entrou na joalheria. Emir esperou vê-la atravessar a vitrine, ligou o carro e foi embora, levando uma distração preciosa do dia pesado que ainda tinha pela frente.







