A manhã seguinte trouxe consigo uma leve neblina que cobria o bairro. Quando Ashley acordou, a luz fraca que entrava pela janela parecia ainda mais fria do que o dia anterior. Ela se levantou lentamente, sentindo o corpo pesado, como se tivesse carregado o mundo em suas costas durante a noite.
Desceu as escadas e encontrou a mãe na cozinha, já vestida para o trabalho. — Bom dia, querida. Como foi a noite?- Ashley deu de ombros. — Difícil dormir.- Sua mãe sorriu de maneira reconfortante. — É normal. Vai melhorar com o tempo. Hoje tenho que sair para resolver algumas coisas do trabalho, mas deixei um pouco de café pronto, se você quiser. — Obrigada. Depois que a mãe saiu, Ashley ficou sozinha na casa. O silêncio era opressor. Ela preparou uma xícara de café e se sentou na mesa da cozinha, olhando para o celular em busca de algo que distraísse sua mente. Mas nada parecia aliviar o desconforto. Com o passar das horas, ela decidiu dar uma volta pelo bairro. Precisava sair de casa e respirar um pouco. Vestiu uma jaqueta leve, calçou os tênis e saiu. A manhã estava fria, e a neblina tornava as ruas quase oníricas, como se estivesse em um sonho. Andou sem rumo por algum tempo, observando as casas e os poucos moradores que se aventuravam fora de suas casas. Era um bairro tranquilo, mas ainda assim, havia algo que a deixava inquieta. Em uma esquina, Ashley parou para observar um grupo de adolescentes da sua idade conversando e rindo em frente a uma sorveteria. Eles pareciam tão confortáveis ali, como se aquele lugar sempre tivesse sido deles. Sentiu uma pontada de inveja. Ela também queria se sentir assim, à vontade, em casa. Mas por enquanto, tudo ainda era estranho e distante. Continuou caminhando até chegar a um pequeno parque no centro do bairro. Havia algumas árvores e um playground vazio. Sentou-se em um dos balanços e fechou os olhos, tentando se conectar com a tranquilidade do lugar. No fundo, sabia que estava tentando encontrar um pouco da paz que sentia na antiga casa. Foi quando ouviu um som suave de passos atrás dela. Virou-se lentamente e viu uma garota parada ao lado de uma das árvores. Ela era alta, magra, com cabelos longos e escuros que caíam em ondas perfeitas. Seu rosto era pálido, quase etéreo, e seus olhos azuis pareciam brilhar, mesmo na luz fraca do dia. Ela estava parada ali, apenas observando Ashley com uma expressão serena, mas intensa. Ashley sentiu o coração acelerar por um momento, surpresa com a presença da garota. — Oi,- disse, tentando soar amigável, embora estivesse um pouco desconcertada. A garota sorriu levemente, um sorriso que parecia carregar segredos. — Oi,- respondeu ela, com uma voz suave, quase hipnótica. — Você é nova por aqui?- Ashley assentiu. — Cheguei ontem. Me mudei com minha mãe.- A garota deu alguns passos em direção ao balanço ao lado de Ashley e se sentou. — É um bom lugar para se viver, apesar do que parece no começo.- Havia algo na maneira como ela falava que deixou Ashley intrigada. Era como se cada palavra fosse escolhida com cuidado, como se ela soubesse mais do que estava dizendo. — Ainda estou me acostumando,- disse Ashley, sentindo-se ligeiramente desconfortável sob o olhar penetrante da garota. Ela não sabia exatamente o que a deixava tão inquieta, mas havia algo naquela garota que parecia diferente. Talvez fosse o jeito confiante e tranquilo com que ela se movia, como se já estivesse acostumada a ser o centro das atenções. Ou talvez fosse aquele sorriso misterioso que parecia esconder algo. — Vai se acostumar,- respondeu à garota, balançando-se levemente no balanço. — O começo é sempre difícil, mas depois de um tempo, você encontra seu lugar.- Ashley tentou sorrir, mas sentia-se como uma estranha na própria pele. — Espero que sim. A garota a observou por alguns segundos antes de estender a mão. — Meu nome é Eleonora. — Ashley. Ela apertou a mão de Eleonora, sentindo um arrepio imediato ao notar o quão fria era sua pele—quase gélida, como se tivesse acabado de sair da neve. O contato durou apenas um instante antes que Eleonora puxasse a mão de volta, ágil demais, como se quisesse evitar que Ashley notasse algo. — Você vai estudar na escola daqui do bairro? — perguntou Eleonora, inclinando ligeiramente a cabeça, os olhos analisando Ashley com um interesse discreto. — Sim, começo na próxima semana. — Ashley suspirou, desviando o olhar por um instante. — Estou um pouco nervosa. Não conheço ninguém. Eleonora sorriu, mas havia algo sutilmente indecifrável naquele gesto. — Isso vai mudar em breve. Eu estudo lá também. Talvez a gente se veja por lá. Ashley assentiu, sentindo um pequeno alívio. — Isso seria bom. Acho que ter alguém conhecido por perto vai ajudar. O silêncio se instalou entre elas, mas não era desconfortável. Eleonora parecia à vontade, enquanto Ashley se pegava cada vez mais presa a seus próprios pensamentos. O vento soprou levemente, fazendo as folhas secas do parque dançarem pelo chão, e por um momento Ashley teve a estranha sensação de que Eleonora pertencia àquele cenário de uma maneira que ela não conseguia explicar. — Bem, foi bom te conhecer, Ashley. — Eleonora se levantou do balanço com uma leveza quase irreal, como se o movimento exigisse pouco esforço. — Espero te ver em breve. Antes que Ashley pudesse responder, Eleonora já estava se afastando, seus passos silenciosos ecoando no ar frio do entardecer. Ashley a observou até que sua figura esguia desaparecesse atrás das árvores. Havia algo naquela garota que a intrigava profundamente. Não era apenas sua pele fria ou seu jeito observador. Era como se Eleonora fosse um enigma esperando para ser decifrado. Ashley balançou a cabeça, tentando afastar os pensamentos confusos, e começou a caminhar de volta para casa. O encontro breve com Eleonora havia deixado uma impressão, mas ela ainda estava tentando entender o que exatamente havia sido tão estranho. Os dias seguintes passaram devagar. Ashley e sua mãe começaram a desempacotar as caixas, tentando transformar a casa vazia em um lar. Cada novo objeto colocado no lugar era um pequeno passo em direção à normalidade, mas ainda assim, Ashley sentia-se deslocada. A antiga rotina havia sido completamente destruída, e ela se agarrava a qualquer coisa que pudesse lhe dar uma sensação de controle.