Oliver
Cheguei em casa um pouco mais tarde naquela noite, pois tive que comparecer a uma audiência onde a Reloading era uma das partes, que acabou por demorar bem mais do que eu gostaria.
Entrei no meu quarto e encontrei a cama arrumada e a Martina não estava em lugar algum. Não fui à procura de informações sobre a minha querida esposa. Eu não me importava em saber onde ela estava ou o que estaria fazendo.
A única coisa que esperei sempre da Martina foi que cuidasse da nossa filha com carinho e atenção, duas coisas que ela nunca fez e que estava tornando cada dia mais insustentável a minha convivência com ela.
No início do nosso casamento ela até conseguiu me convencer de que era uma mãe amorosa, mas nada que o tempo não conseguisse mostrar a verdade.
Meus amigos pensavam que eu não sabia quem era de fato a minha esposa, mas eu apenas não queria envolver outras pessoas na minha relação já tão complicada.
Depois que tomei banho, fui diretamente para o quarto da minha pequena, pois desejava ao menos dar-lhe um beijo de boa noite, por mais que ela já estivesse dormindo e que não pudesse saber que eu havia estado com ela.
Mas quando entrei no quarto, para minha surpresa, a Eloá ainda estava acordada, aos berros, enquanto uma senhora vestida com o uniforme de babá tentava conter seus gritos, falando algumas palavras de alívio.
— O que está acontecendo aqui? – perguntei em um tom de voz alterado, tentando ser ouvido acima das vozes delas.
—- Senhor Mackenzie? – a senhora perguntou insegura.
A Eloá estava sentada em sua cama, o rosto inchado coberto por lágrimas, como se já estivesse chorando há bastante tempo, enquanto a senhora estava de pé ao seu lado, agora com o olhar assustado.
— Sim, sou Oliver Mackenzie – F
falei em um tom duro. – E a senhora, quem é?
— Estou cuidando da sua filha por essa noite, senhor.
— Explique-se melhor, por favor – pedi, caminhando até a Eloá e a pegando no colo, limpando seu rostinho e me sentindo um pouco mais calmo.
Imaginei que deveria ter acontecido algum imprevisto com as duas garotas que eram babás da minha filha e que, por esse motivo, a Martina tenha contratado uma babá para passar a noite com a Eloá.
Apesar de ficar chateado com o fato de que a própria mãe não se disponibilizou a ficar com a nossa filha ao menos por uma única noite, eu me conformei com a realidade dos fatos.
— Eu não tenho conhecimento de nada além disso, senhor – a senhora, que parecia ter por volta de quarenta anos, falou.
— Tudo bem, então – falei. – Peço desculpas pela forma como me alterei. Apenas não tinha conhecimento que havia sido necessária a sua presença hoje.
Saí do quarto com a Eloá e a levei para a biblioteca, pois eu tinha montado um cantinho especial para ela naquele cômodo da casa, que dispunha de uma pequena mesa, com cadernos de colorir, lápis de cor e outras coisas que ela gostava de brincar.
Enquanto caminhava com a minha filha nos braços, fui falando baixinho, tentando acalmar o seu pranto e somente após este ter cessado, foi que tentei conversar com a minha pequena, para que ela me desse ao menos uma pista do porquê de tanto choro.
Quando eu já estava sentado no sofá da biblioteca com a Eloá no colo, quando ela por fim se acalmou totalmente, percebi que seu olhar era triste. Ela parecia bastante desolada e eu fiquei apreensivo.
— O que aconteceu, filha? – perguntei diretamente.
Eloá era uma criança calada e tímida, mas eu sabia que era também muito inteligente e que poderia me esclarecer sobre o que estava se passando com ela.
— A Nicole e a Charlote foram embora, papai.
Uma lágrima caiu tímida e eu me senti mais tranquilo, pois aquele era um problema fácil de resolver.
— Elas irão voltar, querida. Não precisa ficar assim.
Eu disse aquilo pois imaginei que a Martina tivesse concedido uma folga para as duas ao mesmo tempo, algo que eu mesmo havia feito algumas semanas atrás.
— Não vão, não, papai – ela insistiu e eu franzi o cenho, sem conseguir entender a convicção em seu tom. – Elas não vão mais voltar para a nossa casa.
— Como assim, filha? Explica para o papai, por favor.
— Eu ouvi a Martina mandando-as embora para sempre.
Claro que nesse momento a Eloá, que era apenas uma criança e só a Martina não tinha noção daquele fato, caiu no choro novamente e eu não mais tentei conter as suas lágrimas.
Fiquei ao seu lado por todo o tempo que ela sentiu necessidade de colocar para fora o turbilhão de sentimentos e quando, por fim, a minha menininha parou de chorar, eu estava ao seu lado.
A verdade é que ela acabou por dormir e eu subi as escadas com ela novamente em meus braços, que já estavam doloridos por seu peso, uma vez que ela não era mais nenhum bebê.
— O senhor está precisando de ajuda com a criança?
A governanta apareceu em meu caminho e a forma como ofereceu ajuda não me agradou, pois eu já havia percebido que ela nunca se referia a minha filha pelo seu nome. Era sempre “a criança”. E eu não gostava dessa forma dela de falar. Aliás, nada naquela casa me agradava há bastante tempo.
— Eu posso cuidar da Eloá sozinho. Obrigado.
Recusei com educação, apesar de a minha vontade ser de gritar com ela, com todos naquela casa enorme e fria. Mas eu era um homem controlado e não me deixava levar pelas emoções.
— Mas gostaria que me aguardasse na biblioteca, pois preciso falar algo com você – eu pedi.
— Claro, senhor – concordou prontamente a eficiente governanta contratada por minha excelentíssima esposa.
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Depois de colocar a Eloá em sua cama, fiquei ainda algum tempo ao seu lado, apreciando a beleza angelical da minha garotinha, admirando a perfeição do todo poderoso.
A minha filha era ainda tão pequena, mas eu sentia que ela não era uma criança plenamente feliz e isso estava me incomodando cada dia mais e mais. Eu precisava tomar uma atitude sobre isso. As crianças não deveriam pagar pelos erros de seus pais e aquele era um fato que eu deveria ter dado atenção bem antes.
Não havia motivos para continuar ao lado da Martina, pois o fato é que ela era uma péssima mãe para sua própria filha e se eu estava colaborando com isso, era tão culpado quanto ela.
Depois de muito tempo refletindo ao lado da minha pequena filha, saí do quarto dela e me dirigi até a biblioteca para ficar a par do que havia acontecido realmente.
— A senhora Martina dispensou as duas, senhor – Abigail confirmou aquilo que eu temia. – Mas o motivo eu não tenho conhecimento.
Me senti ainda mais chateado com a minha esposa e decidi esperar ela para conversar. Me dirigi ao quarto que compartilhava com a minha esposa, disposto a dar um fim àquela situação abominável que havia se instalado dentro da minha própria casa.
Não encontrei a Martina, como já imaginava, então decidi me preparar para a sua chegada. Tomei um banho revigorante e vesti um pijama confortável, me deitando na cama com um livro para me manter acordado.
Pouco tempo depois, a Martina entrou pela porta do quarto, vestida de maneira elegante, com seus saltos altíssimos, companheiros fiéis dela, e um vestido preto de um ombro só, que ia até abaixo do joelho. Como sempre, ela estava impecável.
Mas mesmo com toda a sua beleza exterior, eu já não sentia nada por ela há bastante tempo. Por mais que ela tentasse disfarçar a falta de amor por nossa filha, eu já havia percebido e nas últimas semanas nem mesmo isso ela fazia mais.
— Ainda acordado, querido? – falou com um sorriso genuíno.
Apesar de não amar a filha, algo que eu não conseguia compreender de forma alguma, o sentimento por mim ainda existia e ela tentava a todo custo me agradar.
— Estava à sua espera.
Ela colocou sobre o aparador ao lado da porta a pequena bolsa de mão que trazia consigo e seu sorriso aumentou de tamanho, caminhando para junto de mim, que estava sentado na cama, recostado nos travesseiros.
— Se eu soubesse que queria falar comigo, teria vindo mais cedo para casa. – falou, se sentando no meio da cama e trazendo sua mão para acariciar a minha face. – Estava em um vernissage de uma grande amiga, mas teria preferido estar com o meu marido.
Quando ela aproximou o rosto do meu, percebendo a sua intenção, virei a cabeça e seus lábios tocaram a face, e não a minha boca, como acreditei que faria.
— O que está acontecendo, Oliver?
Seu tom, assim como a sua expressão, mudou drasticamente e ela se levantou da cama, ficando de pé, visivelmente alterada.
— Precisamos conversar.
— Você sempre quer conversar – falou em tom de reclamação. – Mas não me dá mais atenção alguma. Sua vida agora se resume ao trabalho e a Eloá. E eu? Como eu fico? Eu quero o meu marido de volta!
Ela sempre fazia as mesmas alegações e eu sempre me questionava como uma mãe poderia ter ciúmes da sua filha, que era apenas uma criança, estar com o pai dela.
— Eu gostaria de dividir meus momentos com a minha família, mas você não aceita, Martina.
— Eu não quero essa menina entre nós!
— Essa “menina” é nossa filha, poxa!
— Nós não somos mais um casal, Oliver. Você não faz mais amor comigo. Todas as vezes que eu tento uma aproximação, você se afasta.
— Porque eu sempre estou chateado com você, exatamente pela forma como trata a Eloá. Eu não posso aceitar isso.
Ela me deu as costas, aparentemente transtornada pela raiva, pois chegava a tremer e eu tinha certeza que não era por estar chorando. Eu nunca tinha visto a Martina chorando nesses sete anos em que estávamos juntos.
— Por que você demitiu as babás da nossa filha?
Fiz a pergunta que eu realmente queria fazer e que me fez esperar pela Martina, mesmo quando eu não tinha ideia do que ela estava fazendo fora de casa.
— Por isso estava me esperando? – Ela se virou de imediato, me olhando com ódio.
— Foi por este motivo, sim.
— Porque eu senti vontade – ela falou para me provocar, eu tinha certeza.
— Você não pode ter demitido duas jovens apenas por um capricho, Martina. Nem você seria capaz disso.
— Pois você se engana – Ela me olhou com um sorriso cínico. – Eu o fiz. E não me arrependo. Eram duas incompetentes.
Aquelas palavras foram, sem dúvida, a última gota que faltava e eu não mais poderia insistir em algo que estava claramente dando errado. Eu não amava mais a Martina e ela acabou até mesmo com qualquer sentimento bom que pudesse existir ainda.
— Eu quero o divórcio.