mama?

Capítulo 4

Sofia Bragança 🌸

Enviei o endereço para a doutora Sarah Muniz logo cedo, e ela respondeu com gentileza, confirmando a visita para o fim da manhã. Fiquei com o celular nas mãos por alguns segundos depois da mensagem, sentindo um misto de esperança e ansiedade apertar meu peito. Não era só pela consulta. Era por tudo o que aquilo representava. Um passo pequeno, talvez, mas ainda assim um passo.

Quando a campainha tocou, meu coração acelerou de um jeito quase infantil. Fui até a porta respirando fundo, ajeitei a blusa, passei a mão pelos cabelos e girei a maçaneta. A doutora Sarah sorria do outro lado, com uma expressão doce e tranquila, carregando uma bolsa grande de atendimento.

— Bom dia, Sofia. — A voz dela era exatamente como eu lembrava pelo telefone: calma, firme, acolhedora.

— Bom dia… Pode entrar.

Pouco tempo depois, ela já estava sentada na sala com minha mãe. Conversavam como se fossem conhecidas de longa data. Aquilo me surpreendeu. Minha mãe sempre foi mais fechada com estranhos, mas com Sarah parecia diferente. Mais leve. A doutora examinava com cuidado as pernas dela, tocando com delicadeza a região da cicatriz do acidente, explicando cada movimento, cada possibilidade, sem criar falsas expectativas, mas também sem apagar a esperança.

— Vai doer? — minha mãe perguntou, apreensiva.

— Pode incomodar um pouco, mas nada que a senhora não aguente. O mais importante é constância e paciência — respondeu ela, com convicção.

E minha mãe… minha mãe não parava de falar. Ria, contava histórias da juventude, fazia perguntas, reclamava das próprias teimosias, como se estivesse retomando algo que o acidente havia tentado lhe roubar. Era como vê-la florescer de novo, mesmo que só um pouquinho. Aquilo me desmontou por dentro.

Decidi deixá-las à vontade. Elas estavam se entendendo tão bem que minha presença parecia até um excesso. Fui até a sala ao lado, onde Bruna já dava sinais claros de impaciência de tanto tempo sentada no cercadinho. Ela me olhou com aqueles olhinhos brilhantes e curiosos, esticou os bracinhos na minha direção e fez um biquinho manhoso.

— Vem, meu amor. Vamos dar um banho nessa princesa.

Levei-a para o banheiro e preparei tudo com carinho. Verifiquei a temperatura da água com o antebraço, separei a toalha, o sabonete, a fraldinha limpa. Ela adorava água morna e, assim que entrou na banheirinha, começou a bater as perninhas e rir alto, espirrando água para todo lado. Era impossível não rir junto. Seu riso enchia o banheiro, leve e livre, como se o mundo inteiro coubesse ali dentro.

Depois do banho, enrolei-a na toalha com orelhinhas de coelho e a levei para a cozinha. O cheiro de banana madura já tomava conta do ambiente enquanto eu amassava tudo com cuidado. Coloquei-a no cadeirão e comecei a alimentá-la. A cada colherada, ela ria com a boca toda suja, como se aquilo fosse a maior diversão do mundo.

— Você tá uma bagunceira, sabia? — falei, limpando o rostinho dela com um pano úmido.

Ela me olhou com aqueles olhos curiosos, profundos, que parecem entender tudo, e disse, com a voz ainda enrolada, mas clara o suficiente para me atravessar inteira:

— Mama.

Meu coração parou por um segundo.

Ela já tinha balbuciado sons parecidos antes, eu sabia disso… mas agora foi claro. Nítido. Intencional.

— Mama? — repeti, com a voz completamente embargada.

Ela sorriu largo, como se soubesse exatamente o estrago que tinha acabado de fazer dentro de mim. E eu… eu não consegui segurar. Meus olhos se encheram de lágrimas, e eu precisei virar um pouco o rosto para que ela não visse.

Não sou a mãe dela. Eu sei disso. Nunca tentei ocupar esse lugar. Mas, naquele instante, ela me fez sentir como se fosse. E talvez, no coração dela, eu já seja um pedacinho disso.

Ainda estava com o coração apertado — daquele jeito bom, quentinho, que dói de emoção — desde que Bruna me chamou de “mama”. A palavra ecoava na minha cabeça como uma canção doce, impossível de esquecer. Eu sabia que ela ainda era pequena, que talvez nem entendesse o peso daquilo… mas, para mim, significava tudo.

Levei-a até o quarto, com ela aninhada no meu colo, e comecei nosso ritual de sempre. Estendi a toalhinha sobre a cama, tirei a toalha molhada do banho e limpei com cuidado cada dobrinha da pele. Passei a pomada com a paciência de quem cuida de um tesouro raro e delicado, e vesti uma fraldinha limpa.

Depois, escolhi um vestidinho rosa bebê com rendinhas nas mangas. Quando terminei, me afastei um pouco só para observá-la. Ela ficou linda. Linda de um jeito que me fez sorrir sozinha, com os olhos novamente marejados. Parecia uma princesa de conto de fadas — só que real, viva, minha, aqui nos meus braços.

Peguei o celular e tirei algumas fotos. Queria guardar aquele momento: aquela carinha de sono, aquele sorriso com quatro dentinhos, aquele instante em que tudo parecia certo no mundo, mesmo que por poucos minutos.

Ela bocejou, abrindo a boquinha como um passarinho cansado. Liguei a música de ninar, baixinha, e a embalei no colo por alguns minutos. Seus olhinhos foram se fechando devagar, até que o corpinho relaxou por completo. Caminhei até o moisés com todo o cuidado do mundo, coloquei-a ali, ajeitei a mantinha sobre seu peito e continuei balançando suavemente, até ter certeza de que estava mesmo dormindo.

Enquanto isso, na sala, minha mãe seguia com a doutora Sarah. Eu ouvia suas vozes baixas, os risos tímidos, o som dos exercícios sendo feitos. A doutora orientava os movimentos, contava os tempos, corrigia a postura. Minha mãe tentava acompanhar com esforço, às vezes reclamando, às vezes rindo, mas sempre tentando. E só de vê-la tentando, meu coração já se sentia um pouco mais esperançoso.

🧯🔥 Bruno Tavares

O dia no quartel começou cedo e pesado. Hoje foi dia de treinamento com os novos recrutas — e isso exige mais do que comando. Exige paciência, firmeza, olhar atento, responsabilidade dobrada. Ensinar a salvar vidas não é algo que se faça no automático. Cada detalhe conta. Cada ordem mal dada pode custar caro.

Passei a manhã entre instruções, simulações de resgate em altura, combate a incêndio em ambiente confinado e revisões de protocolo. Também precisei conferir os planos de manutenção dos equipamentos, atualizar os esquemas de prevenção e revisar relatórios antigos. Era um daqueles dias em que o corpo cansa antes mesmo do fim do turno.

E, por mais que eu tentasse manter o foco absoluto, de vez em quando minha mente escapava.

Sofia.

Ela surgia nos intervalos. No silêncio entre uma ordem e outra. No cheiro forte de fumaça que ainda impregnava o galpão de treinamento. No café amargo do refeitório. No som abafado da chuva batendo no telhado de metal. Era como se estivesse ali, mesmo sem estar.

Me peguei pensando nela mais vezes do que gostaria de admitir. No jeito como cuida da Bruna, com uma dedicação que não pede reconhecimento. No sorriso que sempre tenta esconder quando me vê. No olhar que me atravessa, mesmo quando finge que não sente nada.

Mas toda vez que minha cabeça começava a vagar demais, alguém me puxava de volta:

— Capitão, posso repetir o exercício?

— Capitão, o extintor do caminhão 3 tá com vazamento.

— Capitão, o senhor pode revisar esse plano comigo?

E eu voltava. Sempre voltava.

Porque aqui, no quartel, eu sei quem sou. Sei o que fazer. Sei como agir. Aqui, tudo é controle, estratégia, disciplina. Aqui, minhas mãos não tremem. Minha voz não falha.

Mas com ela… com Sofia, tudo é diferente.

É instinto. É dúvida. É vontade de ficar e medo de sentir.

E talvez seja exatamente isso que me assusta.

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