beijo

Capítulo 5 🧯🔥

Bruno Tavares

— Capitão! — gritou um dos rapazes, animado, enquanto tirava o capacete e limpava o suor da testa. — Que tal hoje, depois do expediente, a gente ir numa boate aqui perto? Tomar umas, dançar, ver umas gatinhas…

Revirei os olhos, mas mantive o tom sério.

— Não posso. Amanhã temos que trabalhar. E eu tenho que voltar pra casa ver minha filha.

Ele fez uma careta, como se eu tivesse acabado de recusar um prêmio.

— Qual é, capitão! — insistiu Marcos Souza, um dos mais novos do grupo. — Amanhã é sábado, nossa folga. Não temos plantão. E, convenhamos, faz tempo que o senhor não sai pra se divertir. Desde que virou pai, o senhor só vive pro quartel e pra casa.

Fiquei em silêncio por um instante. Ele não estava errado.

Fazia mais ou menos um ano que eu não saía pra nada além de trabalho ou mercado. Desde que Camila foi embora, minha vida virou uma linha reta: quartel, casa, Bruna. E, de certa forma, eu me escondi nessa rotina. Me protegi nela.

Mas talvez… talvez uma saída não fizesse mal. Talvez fosse bom me distrair um pouco. Parar de pensar tanto. Parar de pensar nela.

Sofia.

Ela tem ocupado espaço demais nos meus pensamentos. No começo, era só admiração. Depois, respeito. Agora… agora é algo que não sei nomear. E isso me assusta.

— Tá bom, Marcos — disse, por fim. — Uma bebida. Uma dança. E só. Nada de exageros.

Ele sorriu como quem venceu uma batalha.

— Fechado, capitão. Hoje o senhor vai lembrar como é viver um pouco.

Assenti, mas por dentro eu sabia: não era a boate que me assustava. Era o que eu estava tentando esquecer.

A boate estava cheia. Luzes piscando, música alta, cheiro de bebida misturado com perfume barato. Sentei com os rapazes num canto mais afastado, tentando parecer presente, mas minha cabeça estava em outro lugar.

Marcos e os outros riam, brindavam, chamavam atenção das mulheres que passavam. Eu só queria silêncio. Pedi uma vodka. Depois outra. E mais uma. Talvez, se eu bebesse o suficiente, ela saísse da minha cabeça.

Mas não saiu.

Sofia.

O jeito como ela me olhava. Como cuidava da Bruna. Como falava com a dona Rose. Ela estava em tudo. Até ali, no meio do barulho, no meio das luzes, no meio das mulheres que se aproximavam.

Uma delas se sentou no meu colo, rindo, jogando o cabelo pro lado.

— Você tem cara de quem manda em tudo por aqui — disse, com um sorriso provocante.

Afastei-a com delicadeza, mas firmeza.

— Não tô interessado. Desculpa.

Ela revirou os olhos e saiu. Marcos me olhou do outro lado da mesa, confuso.

— Capitão… o que tá pegando?

— Nada. Só… me deixa beber em paz.

Mas não era paz o que eu sentia. Era tumulto. Era saudade. Era desejo. Era medo.

Mais uma dose. A cabeça começou a girar. As luzes ficaram mais lentas. A música, mais distante. E, no meio de tudo, só uma imagem permanecia nítida: o sorriso da Sofia.

— Vamos embora — murmurei, me levantando com dificuldade.

— Agora? — perguntou Marcos, surpreso.

— Me leva pra casa. Por favor.

Ele não questionou. Só me segurou pelo braço e me ajudou a sair dali.

O caminho até em casa foi um borrão. Lembro da brisa fria no rosto, do silêncio do carro, do portão da frente. A campainha. A porta se abrindo.

E então… ela.

Sofia.

Linda, mesmo de moletom. Cansada, mas inteira. Com aquele olhar que me desmonta.

— Bruno? — disse, surpresa.

Marcos me entregou a ela como quem entrega algo frágil.

— Ele bebeu demais. Só falava em você.

E foi embora.

Fiquei ali, parado, tentando manter o equilíbrio, mas era difícil. Tudo girava. Menos ela.

— Por que você não entende? — perguntei, a voz arrastada. — Por que você não vê?

— Ver o quê, Bruno?

— Que eu amo você, Sofia.

Ela me olhou, sem dizer nada. E antes que o medo me fizesse recuar, me inclinei e a beijei.

Foi um beijo confuso, quente, desesperado. Mas ela não me afastou. Pelo contrário. Ela correspondeu. E, por um instante, tudo parou.

O mundo, o passado, o medo.

Só existia ela. E eu. E aquilo que a gente fingiu por tempo demais que não existia.

Acordei com a cabeça latejando. A luz fraca que entrava pela janela parecia um holofote direto nos meus olhos. A boca seca, o estômago embrulhado. E a memória… confusa.

Demorei alguns segundos pra entender onde estava. O sofá da sala. A manta jogada sobre mim. O cheiro de café vindo da cozinha. E então, como uma onda, tudo voltou.

A boate. A bebida. A voz da Sofia. O beijo.

Sentei devagar, sentindo o peso do corpo e o dobro do peso na consciência. Passei as mãos no rosto, tentando organizar os pensamentos. Tentei lembrar exatamente o que eu disse. Como ela reagiu. O que eu fiz.

Lembrei do toque dos lábios dela. Do jeito como ela me olhou. Do silêncio que veio depois.

Levantei com dificuldade e fui até o banheiro. Lavei o rosto, respirei fundo. Me encarei no espelho. O reflexo era de um homem que perdeu o controle. Que deixou o coração falar mais alto do que devia.

Mas, ao mesmo tempo… era o reflexo de alguém que, pela primeira vez em muito tempo, disse a verdade.

Eu amava a Sofia. E agora ela sabia.

A pergunta era: o que ela faria com isso?

Sofia apareceu na porta da sala com uma bandeja nas mãos. Uma tigela de sopa fumegante, um café preto e um copinho com um comprimido.

— Toma isso. Vai te ajudar com a dor de cabeça — disse, sem me encarar.

Peguei a bandeja, meio sem jeito.

— Obrigado…

Ela assentiu, mas não respondeu. Sentou-se na poltrona ao lado, mas não por muito tempo. Ficou ali só o suficiente pra me observar tomar o remédio e dar a primeira colherada na sopa.

Eu a encarei. Queria dizer algo. Precisava.

— Sobre ontem à noite…

Ela desviou o olhar imediatamente, levantando-se com pressa.

— A doutora Sarah mandou mensagem cedo. Vai mandar os exercícios da minha mãe por vídeo esta semana. Disse que ela tá evoluindo bem.

Fiquei em silêncio, observando-a fugir do assunto como quem corre de um incêndio.

— Sofia…

— Eu vou ver se a Bruna já acordou — disse, já saindo da sala.

E então fiquei ali, sozinho, com a sopa esfriando nas mãos e o gosto do que não foi dito preso na garganta.

Ela estava me evitando. E talvez eu merecesse.

Mas o beijo aconteceu. E não foi só a bebida. Foi verdade. Foi sentimento.

E agora… agora eu não sabia se ela queria esquecer ou se só não sabia como lembrar.

Sofia Bragança🌸

Acordei cedo, mesmo depois de uma noite longa. O beijo ainda estava na minha boca, mesmo que eu fingisse que não. Mesmo que eu tivesse passado a madrugada tentando convencer a mim mesma de que não significou nada. Mas significou.

Bruno ainda dormia no sofá, com o rosto virado pro lado e a expressão cansada. A camisa meio aberta, o cabelo bagunçado, o corpo pesado de quem carregava mais do que só a ressaca.

Fui até a cozinha em silêncio. Preparei uma sopa leve, do jeito que minha mãe fazia quando eu era criança e alguém estava doente. Fiz um café forte, do jeito que ele gosta. Separei um comprimido pra dor de cabeça e coloquei tudo numa bandeja.

Voltei pra sala. Ele já estava acordado, sentado, com os olhos baixos. Quando me viu, tentou sorrir, mas o sorriso morreu antes de nascer.

— Toma isso. Vai te ajudar com a dor de cabeça — falei, sem encará-lo.

Ele agradeceu, baixinho. Pegou a bandeja com cuidado, como se tivesse medo de quebrar alguma coisa — ou talvez de quebrar a gente.

Sentei na poltrona ao lado, mas não consegui ficar muito tempo. O silêncio entre nós era denso, cheio de coisas que não sabíamos como dizer.

— Sobre ontem à noite… — ele começou.

Meu coração disparou. Levantei antes que ele pudesse continuar.

— A doutora Sarah mandou mensagem cedo. Vai mandar os exercícios da minha mãe por vídeo esta semana. Disse que ela tá evoluindo bem.

Falei rápido, como quem tenta apagar um incêndio com palavras.

— Sofia…

— Eu vou ver se a Bruna já acordou — disse, saindo da sala sem olhar pra trás.

Porque, se eu olhasse, talvez não conseguisse ir embora.

E eu precisava ir. Pelo menos por agora.

Porque o que aconteceu ontem… foi real. Foi bonito. Foi perigoso.

E eu ainda não sei se estou pronta pra tudo o que esse beijo carrega.

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