Mundo de ficçãoIniciar sessãoCapítulo 3🧯🔥
Bruno Tavares Subi pro quarto com passos firmes, mas a cabeça ainda estava na cozinha. No jeito como Sofia ajeitou a mesa, no cuidado com que colocou o prato à minha frente, no sorriso contido que ela sempre tenta esconder quando me olha. Abri o armário e peguei meu uniforme. A rotina de vestir aquela farda era quase um ritual: calça, camiseta, coturno, cinto. Cada peça no lugar, como se me blindasse do mundo. Como se, ao vestir o uniforme, eu deixasse de ser homem e virasse só o capitão. O bombeiro. O que resolve tudo. O que não sente. Ouvi passos leves no corredor. Era ela. Sofia apareceu na porta, com os cabelos presos num coque bagunçado e o olhar cansado, mas bonito. Sempre bonito. — Bruno... — disse, hesitante. — Eu queria te avisar que vou procurar uma fisioterapeuta pra minha mãe. Ela me pediu hoje cedo. Disse que quer tentar voltar a andar. Assenti, puxando o zíper da jaqueta. — Claro. O que ela precisar, Sofia. Pode ver isso com calma. Ela pareceu surpresa com a minha resposta, como se esperasse resistência. Como se não soubesse que, por ela, eu faria qualquer coisa. — Obrigada — disse baixinho, com aquele sorriso que não chega a se abrir, mas que ilumina o rosto dela mesmo assim. Atrás dela, o quarto da Bruna estava com a porta entreaberta. O som suave de uma canção de ninar escapava de lá, e eu soube que minha filha ainda dormia. O berço moisés ficava ao lado da cama da Sofia, e só de imaginar as duas ali, dividindo o mesmo espaço, o mesmo silêncio, o mesmo afeto... meu peito apertou. Sofia voltou para o andar de baixo, e eu fiquei ali, parado, encarando meu reflexo no espelho. Ela está cada vez mais presente. Em tudo. No cheiro da casa. No riso da minha filha. No cuidado com a minha mãe. E, principalmente, nesse espaço aqui dentro que eu jurei que ninguém mais ia ocupar. Mas ela entrou. Sem pedir licença. E eu não sei o que fazer com isso. Porque, por mais que eu admire a força dela, por mais que eu deseje aquele olhar só pra mim, tem algo que me trava. Algo que ficou depois da Camila. Depois da traição. Depois do abandono. Depois de ouvir que eu era pouco. Que eu era frio. Que eu não bastava. Agora, com uma filha pequena nos braços e o coração blindado no peito, amar de novo parece perigoso. Parece arriscado demais. E, ainda assim, toda vez que olho pra Sofia, sinto que já estou caindo. Só não sei se ela vai me segurar... ou se vai embora também. Sofia Bragança 🌸 Bruno saiu há pouco, com a farda impecável e aquele olhar sério que ele carrega até nos dias calmos. Assim que a porta se fechou, a casa pareceu respirar diferente. Mais leve. Fiquei na sala com minha mãe, sentada ao lado dela no sofá. Dona Rose estava tranquila, os olhos atentos, mas o corpo cansado. Eu já tinha cumprido todos os meus deveres da manhã, então peguei o notebook e me acomodei ao lado dela. — O que você vai fazer, filha? — perguntou, se aconchegando um pouco mais pra ver a tela. — Tô procurando uma terapeuta pra senhora — respondi com um sorriso. — Nas redes sociais. Quero alguém que seja mulher. Não é preconceito, é só que... sei que a senhora vai se sentir mais à vontade assim. Ela assentiu, com aquele olhar tímido que aparece quando o assunto é sobre ela. — Entendo... me mostra as fotos delas. Quero escolher a melhor pra mim. — Claro que sim, mamãe — respondi, tentando esconder a emoção que sempre me invade quando ela fala com esse carinho. Comecei a navegar pelos perfis, olhando formações, especializações, depoimentos de pacientes. Queria alguém que fosse gentil, firme, experiente. Alguém que tratasse minha mãe com respeito, mas também com esperança. Enquanto ela observava as fotos e lia os nomes em voz baixa, Bruna acordou no quarto. Ouvi o chorinho suave e me levantei rápido, deixando o notebook com minha mãe. — Vai olhando com calma, tá? Depois a gente escolhe juntas. Ela assentiu, já concentrada na tela, como se estivesse escolhendo uma amiga e não uma profissional. Fui até o quarto e encontrei Bruna deitada no moisés, os olhinhos abertos e a música de ninar ainda tocando baixinho. Peguei-a no colo, sentindo aquele calorzinho do corpinho dela. Ela se aninhou no meu peito, como sempre faz. Enquanto voltava pra sala com a Bruna nos braços, olhei pra minha mãe concentrada no notebook, e senti uma coisa boa crescer dentro de mim. Um tipo de esperança. Um tipo de amor que não se explica. E, lá no fundo, mesmo com o coração ansioso por Bruno, mesmo com o medo de perder o emprego se tudo desandar... eu sabia que estava fazendo a coisa certa. Porque cuidar delas — da minha mãe, da Bruna — é o que me mantém inteira. Minha mãe olhava atentamente para a tela do notebook, passando pelas fotos das fisioterapeutas que eu havia selecionado. Ela analisava cada rosto com cuidado, como se procurasse algo além da aparência — talvez um traço de gentileza, talvez um olhar que inspirasse confiança. — Essa aqui... — disse, apontando com o dedo trêmulo. — Doutora Sarah Muniz. Ela parece boa. Tem um sorriso tranquilo. Sorri, satisfeita com a escolha. — Então vai ser ela — respondi, levantando para trocar a fralda da Bruna, que já começava a resmungar no cercadinho. Fiz tudo com agilidade: troquei a fraldinha, limpei seu rostinho e a coloquei de volta no cercado com os brinquedos. Liguei a televisão com músicas infantis e ela logo se distraiu, batendo palminhas e balbuciando sons que só ela entendia. Voltei para o sofá, peguei o celular e procurei o número da doutora Sarah. Respirei fundo antes de ligar. Eu não sabia como seria a conversa, mas precisava tentar. O telefone chamou duas vezes antes de ser atendido. — Alô? Doutora Sarah Muniz? — perguntei, tentando manter a voz firme. — Sim, sou eu. Quem fala? — Aqui é Sofia Bragança. Estou procurando uma fisioterapeuta para minha mãe, Dona Rose. Ela é cadeirante e gostaria de tentar voltar a andar. Vi seu perfil e... queria saber se a senhora faz atendimentos em domicílio. Do outro lado da linha, a voz dela era suave, profissional e acolhedora: — Faço sim, Sofia. Atendo pacientes em casa, principalmente em casos como o da sua mãe. Podemos agendar uma avaliação inicial, sem compromisso, pra eu conhecê-la e entender melhor a situação. Senti um alívio imediato. Olhei para minha mãe, que me observava com expectativa. — Isso seria ótimo. Ela está animada com a ideia. Podemos marcar ainda esta semana? — Claro. Me manda seu endereço por mensagem e a disponibilidade de vocês. A gente organiza tudo. — Muito obrigada, doutora. De verdade. — Eu que agradeço. Até breve. Desliguei com um sorriso no rosto. Minha mãe me olhou com os olhos marejados, e eu soube que aquele pequeno passo significava muito pra ela. Bruna riu alto no cercadinho, e eu me abaixei para beijar sua testa. A casa estava cheia de vozes. De esperança. De cuidado. E, mesmo com o coração ainda confuso por Bruno, mesmo com os sentimentos que crescem e me assustam, naquele momento eu soube: estou fazendo o que é certo.






