Rodrigo narrando :Conheci o Guilherme há mais de oito anos, numa reunião entre empresários do setor automotivo. Na época, ele tava começando a expandir a empresa de peças, e eu tava saindo de uma sociedade falida, com vontade de recomeçar do zero. A conversa foi rápida, direta, e antes mesmo de assinar contrato, a gente já tinha se entendido.De lá pra cá, virei mais que funcionário. Virei braço direito. Cuido da parte administrativa, mas na prática… faço de tudo. Resolvo pepino, fecho contrato, acompanho fornecedor, supervisiono equipe, organizo evento. Se tiver que ir na rua buscar peça ou acompanhar cliente em visita, eu vou. Sou o cara da confiança dele. E isso tem um peso enorme pra mim.Tenho 40 anos. Já vivi coisa demais pra ficar encantado fácil. Já fui casado, por dois anos. Até que um belo dia cheguei mais cedo em casa e encontrei minha ex com outro na cama. Depois disso, nunca mais levei relacionamento a sério. Mulher, pra mim, é uma noite. Duas no máximo. Sem apego, sem d
Gabriela narrando :Acordar hoje foi como levantar depois de um furacão.Abri os olhos devagar, e por um segundo, achei que tinha sido um pesadelo. Que tudo aquilo, o apartamento, a traição, o tapa, o choro no colo da minha mãe, era coisa da minha cabeça.Mas aí eu olhei pro criado-mudo.E vi a aliança… jogada ali, fria, sozinha.A lembrança de que não era um sonho.Era real.Cruelmente real.Respirei fundo, tentando conter a onda de tristeza que ameaçava subir de novo. Meu rosto ainda tava inchado, os olhos pesados, a cabeça doendo como se eu tivesse chorado uma vida inteira, e talvez eu tenha mesmo.Me virei na cama e olhei pro teto por uns segundos.Eu tava cansada.Da dor.Da vergonha.De tudo.Mas eu sabia que precisava me levantar. O mundo não ia parar porque meu coração tava em pedaços. E a empresa também era minha. Eu não ia deixar que a traição de dois canalhas me desmontasse por completo.Levantei devagar, fui até o banheiro e encarei o espelho. Cabelos bagunçados.Olheiras
Gabriela narrando (continuação)Assim que a porta se fechou, deixei a caneta cair na mesa e afundei o rosto nas mãos.O Rodrigo tinha esse efeito em mim. Um silêncio que falava muito. Um olhar que cutucava fundo. Ele não forçava nada, não fazia rodeio… mas quando me olhava daquele jeito, parecia que enxergava tudo o que eu tentava esconder.E isso me desequilibrava.Porque desde que entrei na empresa, há dois anos, ele sempre esteve ali. Sério, firme, competente. Era o tipo de homem que impunha respeito só de estar presente. E por mais que eu nunca tenha dito em voz alta… eu já tinha reparado nele.Claro que tinha.Rodrigo era lindo. Alto, corpo forte, barba sempre por fazer, aquele jeito de quem viveu muito, mas fala pouco. Ele era o tipo de homem que entrava em uma sala e ninguém ousava interromper. E eu? Eu era só a filha do chefe. A novinha metida a empresária, tentando provar que merecia o cargo que me deram.Durante muito tempo, me convenci de que o que eu sentia era pura admira
Gabriela narrando (continuação)O trajeto até o restaurante foi tranquilo, mas por dentro… eu tava uma bagunça.Rodrigo não forçou conversa. Só comentou rapidamente sobre o trânsito e sobre alguns números da empresa que ele ia me mostrar mais tarde. E eu agradecia por isso. Porque meu cérebro ainda tava tentando processar tudo, a traição, a dor, o vazio… e agora, esse homem ao meu lado, me tirando da minha própria cabeça sem fazer esforço.Chegamos num restaurante discreto, daqueles mais afastados do centro, que quase ninguém conhece. Fachada rústica, varanda de madeira, cercado por plantas. O tipo de lugar que meu pai adorava vir pra fechar negócio, e que, claro, Rodrigo também conhecia.Ele estacionou com calma, desligou o carro e saiu primeiro. Deu a volta e abriu a porta pra mim.Sim. Ele fez isso.— Obrigada — falei meio sem graça, descendo do carro.— Sempre — ele respondeu, sem nem me encarar direito. Mas o jeito como falou… ficou ecoando na minha cabeça.Entramos e fomos diret
Gabriela narrando :Continuei comendo em silêncio, focando no prato, mastigando como se a comida pudesse abafar o gosto amargo que Henrique e Luísa deixaram só de aparecer. Cada garfada era uma luta pra não explodir.Rodrigo não disse nada. Só comia também, devagar, me respeitando no silêncio. Sem cobranças. Sem perguntas.E eu agradeci mentalmente por isso.Terminei meu prato com dificuldade, limpando a boca com o guardanapo, tentando engolir a humilhação junto com a comida.Rodrigo pediu a conta, discreto como sempre, e a garçonete logo trouxe a maquininha. Tudo parecia controlado. Tudo parecia que ia acabar sem mais dramas.Mas claro que não ia ser assim.Antes da gente levantar, eu vi pelo canto do olho a sombra se aproximando da nossa mesa.E quando olhei direito, lá estava ele.Henrique.De braços cruzados, um sorriso de escárnio nos lábios, como se ainda tivesse direito de aparecer na minha frente depois de tudo que fez.— Achei que você ia demorar mais pra arrumar alguém, Gabi
Rodrigo narrandoQuando ouvi a voz dela me chamando, parei no mesmo segundo.Me virei devagar, já imaginando que ela ia pedir mais alguma coisa sobre o trabalho.Mas o que veio… não tinha nada a ver com contrato.— Obrigada. Por hoje… por tudo. De verdade — ela disse, parada na porta da sala dela, com os olhos brilhando, a voz cheia de sentimento.Por alguns segundos, eu só consegui encarar.Aquela menina que eu vi crescer.Que eu acompanhei virando mulher, dona de si.Que agora, mesmo machucada, mesmo ferida, ainda tinha uma força no olhar que me fazia querer proteger ela do mundo inteiro.E, ao mesmo tempo…Me fazia desejar ela de um jeito que eu odiava sentir.Respirei fundo, tentando manter o controle.Afastei qualquer pensamento que não fosse respeito, amizade, proteção.— Não precisa agradecer, Gabi — falei, com a voz mais firme do que eu realmente sentia. — Cuidar de ti… não é favor. É o mínimo.E era mesmo.Não tinha nada que eu quisesse mais do que isso.Estar do lado dela.Ga
Gabriela narrandoEu tava na minha sala, ajeitando os contratos da reunião da tarde, tentando me manter ocupada pra não pensar em tudo que tinha acontecido nas últimas vinte e quatro horas.Repetia pra mim mesma que era só mais um compromisso profissional. Que eu precisava focar no trabalho, mostrar que ainda era forte, que o que o Henrique fez não ia me derrubar.Mas por mais que eu tentasse fingir que tava cem por cento... A cabeça teimava em fugir.Principalmente toda vez que eu lembrava dos olhos do Rodrigo me encarando naquela manhã.Ou do jeito que ele se levantou pra me defender no restaurante, sem pensar duas vezes.Balançei a cabeça, como se pudesse expulsar esses pensamentos dali. Peguei os papéis, conferi tudo de novo, ajeitei meu blazer claro por cima da blusa básica e respirei fundo.Era só trabalho.Ajeitei o cabelo num coque bagunçado e conferi o horário no relógio.Faltava cinco minutos.Levantei, peguei a pasta e caminhei até a porta.Quando saí pro corredor, dei de c
Gabriela narrando :Saí da sala com a cabeça fervendo, tentando ignorar tudo o que tinha acabado de acontecer.Fui direto pra minha sala, guardei a pasta de documentos, peguei minha bolsa e respirei fundo. Queria sair dali.Queria esquecer essa tarde.Queria respirar um pouco sem ter que provar nada pra ninguém.Atravessei o corredor, apertei o botão do elevador e esperei em silêncio, sentindo aquele cansaço pesado tomar conta de mim.Quando as portas abriram, entrei sozinha e desci.O andar térreo tava movimentado, como sempre no final do expediente, mas eu passei direto. Cumprimentei o pessoal com um aceno rápido e segui em direção à saída.Assim que passei pelas portas de vidro…Parei. Encostado no carro que estava ali na calçada, tava ele.Matheus.O tal fornecedor sem noção.Ele tava de costas, falando ao celular, apoiado com um braço no teto do carro branco, todo casual, como se nada tivesse acontecido.Mas assim que me viu, desligou o telefone na hora.E, claro, veio direto na