Um Príncipe Pirata
Um Príncipe Pirata
Por: Christyenne A.C.
Sobre Damas e Piratas

Waverly tinha uma perfeita ideia de que a culpa deveria ser da lagosta.

Ou melhor, do monstro exterminador com barbatanas que substituíu as lagostas.

"Oh! Kate irá me matar! ".

Estava tão esporadicamente morta.

Quando ela sugerira que a ceia principal da festa de aniversário de Kate fosse composta de cozidos do mar e arteletes feitos de vitelas e aves, ela logo soube que as lagostas seriam um autêntico problema. Ainda mais quando descobriu que a grande remessa que chegara há pouco da cabana de pescadores, havia sido levemente confundida, e uma frota de enguias aparentemente furiosas aportara na cozinha do castelo com a promessa de uma guerra sangrenta escorrendo em forma de baba pela beirada da boca encurvada. Não poderiam ter se confundido e enviado outros peixes? Siris, lulas... Até uma sereia ou um maldito tubarão!

De repente, Waverly se arrependia amargamente de ter encomendado frotas de lagostas, contendo algumas mil ao todo.

Quando as cozinheiras empalideceram, Waverly soube que alguma coisa poderia não acabar bem.

Isso, se acabasse bem e os convidados acabassem sofrendo de ageustia.

Mas que diabos mais ela poderia fazer? Era uma honra sem apreço ser incubida de cuidar do principal prato da noite, como homenagem à princesa Kate, sua dama, e atrasar a oferenda, seria o mesmo que esfregar urtiga venenosa nos traseiros dos convidados e ainda fazê-los sentar em cima de suco cítrico. Ou quem sabe, ainda pior.

- Estou absolutamente certa de que podemos ter um bom jantar de cozidos de enguia! - ela sorrira, quando na realidade, não tinha certeza de nada.

Ou tinha, mas elas não eram muito favoráveis. Até porque todos na cozinha pareceram subitamente começarem a sofrer de urticária.

Corram! Por ali! - Waverly ouviu mais vozes femininas gritando, e seu estômago subiu à boca ao confirmar a linha macabra de seus pensamentos, seus dedos envolvendo com força o corindon lapidado adornando o corrimão lustrado que dava acesso ao seu quarto.

"Oh, valha-me Deus! As enguias devem estar tomando o castelo!!!", _ela pensava amargurada enquanto descia as escadas em forma de S, segurando as barras do vestido de bombazina e lemiste, apertando o leque de penas de pavão escocês incrustados com lempas nas pontas _ pérolas pescadas na costa, presente da própria princesa_entre os dedos nervosos e finos.

Quando os gritos começaram, ela estivera em seus aposentos, tomando chá de gálbano e se preparando para fazer as honras à sua dama, decorando toda a enorme lista de decoro que deveria seguir durante à noite, frustando embevecidamente quase todas as tentativas. Para uma plebeia que vivera entre aldeões por toda sua vida, ela até que tinha alguma educação, fora que ser filha do vigário lhe rendera pontos extras e uma ilusória linha de sensatez quando o casal real saiu a procura de uma companhia adequada para a princesa. O fato, foi que as enguias não lhe saíam da cabeça. Porque a companhia adequada podia ser responsável por um possível banho de sangue na cozinha. E enquanto nenhum grito foi ouvido, ela estivera tentando resolver o problema sério de seus cabelos, que pareciam-se simplesmente muito decididos a se parecerem com um abrunheiro.

Foi quando ela ouviu o primeiro grito.

Waverly era uma desastrada. Deveria ter convocado seu pai para exorcizar as enguias antes de deixar as pobres cozinheiras à merce das peças sem misericórdia. Santos céus, ela seria exilada por isso, se não despejada sem misericóridia em alguma ilha solitária dos Estreitos. Será que ela jamais conseguiria provar a alguém que podia se sair bem em alguma coisa?

Waverly pensou sobre o fracasso da noite.

Arruinada.

Por enguias.

filha do vigário.

Oh, seu pai teria um derrame.

Waverly ouviu ruídos de música no Grande Salão de Baile, o enorme espaço ornado em ouro e celestinas, contas de confete brilhante e arcos, reservado para acontecimentos ilustres e pessoas ilustres, sabendo que as tais pessoas ilustres deveriam estar ilustremente surdas ou envolvidas demais em suas danças para não estarem ouvindo a confusão recorrente nas partes menos nobres do castelo. Como o grande corredor cetrino de criados no qual Waverly se encontrava agora.

"Ora, acalme-seWaverlyNão pode ser tão ruim quanto parece... ".

Nesse instante, um destacamento colorido de guardas irrompeu desenfreado pela junção do corredor à sua frente.

Bom Deus...

Era quase tão pior do que tudo que ela havia pensado.

Gritos? Tudo bem... Mas guardas???

Waverly estava inteiramente disposta a começar a rezar um Pai Nosso quando percebeu a rota que os guardas haviam tomado.

E não era a rota da cozinha.

Waverly seguiu em direção ao destacamento, recebendo a baforada de ar frio da noite nas maças coradas do rosto. O enorme jardim central do castelo, onde uma monumental fonte de água fazia um belo ponto de referência estava cheio de fletes e carruagens requintadas espalhadas pelos rebordos das trilhas laterais. A noite estava quente, abafada. Lascas de luz perolada vertiam em seixos translúcidos vindos da lua gorda no céu azul petróleo, ondulando sobre o ar sereno e morno. As nuances incertas de algo mais cinzento também pairavam no ar, se desintegrando lentamente e cheirando levemente a... Fumaça?

Os enormes portões estavam abertos, e Waverly logo percebeu que uma grande agitação se aglomerava pelo lado de fora. Ela tentou formular uma explicação plausível para o que via.

As enguias teriam... Fugido?

E... Ateado fogo no reino?

Waverly se abanou por um momento, obrigando seu cérebro tumultuado a funcionar. Mas duvidava que fosse conseguir formular qualquer pensamento coerente perante o óbvio desespero cáustico que parecia estar se desencadeando em cada um dos pontos em que olhava. Os cavalos estavam inquietos, os soldados da guarda real gritavam ordens apressadas entre si, criadas quebravam todos os recordes de corrida entrando e saindo de dentro do castelo, e logo mais, gritos altos passaram a ser ouvidos, vindos do reino a algumas léguas abaixo, reverberando pelo caminho e criando ecos distorcidos até chegaram à Waverly.

"... Mas... Que diabos???".

Waverly saiu para a confusão nos portões.

Ela empunhou seu leque de penas de pavão, certa de que era a melhor arma que conseguiria naquele momento, e quase foi atropelada de uma maneira bem pouco graciosa quando interceptou uma aia que corria de volta em direção ao castelo como se o inferno a estivesse perseguindo, recém saída do aglomerado tumultuoso mais a frente dos portões de ferro do castelo. A aia morena despencou sobre ela, golfando ar em grandes quantidades enquanto tentava se equilibrar, claramente fracassando em todas as tentativas.

- Pela Santa Úrsula, criatura! - Waverly murmurou, por pouco não indo ao chão junto com a moça.

Não conseguia imaginar um modo pior de começar a noite.

- Oh, lady Wistewdon! Um desastre! - a pobre despejou, gotículas de suor escorrendo pela fonte enquanto abanava freneticamente as mãos.

Céus... As enguias teriam sido uma ideia tão ruim assim?

"Isto é péssimo! Dessa vez, papai me mandará para o convento sem pensar duas vezes!".

Por alguma razão, a ideia lhe aterrorizava mais do que enfrentar um exército de enguias. Toda a sua cuidadosa disciplina, todo o cuidado que tivera em evitar problemas, no intento proposital de se livrar do celibato, tudo... Por água abaixo.

- Oh, não me diga que é tão ruim assim...

A aia apertou seus braços desnudos com força, arregalando os olhos em espanto.

- É pior, muito pior, lady Wistewdon!! Que Deus nos ajude, mas acho que querem tomar o castelo... E levar o Rei a e Rainha para as profundezas do oceano!!!

Waverly parou por um momento.

Estou ficando maluca, é isso...".

- Espere um momento... - Waverly acalmou a aia enlouquecida em seus braços - Isto é completamente contraditário e insano. Você poderia me explicar como é que enguias...

A aia entortou as sobrancelhas.

Enguias?

Waverly franziu o cenho, as certezas sobre suas racionalidade falhando terrivelmente. O decoro se tornou um item rabiscado em sua lista enquanto ela balançava a aia com irritação.

- Pode então me dizer de uma vez que m*****a coisa está acontecendo aqui???

A aia apontou um ponto na escuridão nebulosa do horizonte, apavorada.

Waverly transferiu sua visão para o local indicado, observando o braço negro de mar que costeava as montanhas mais altas do reino como uma vírgula enevoada, por entre as copas das árvores que costeavam a ladeira de descida para a vila. E o que viu por entre o nevoeiro soturno da noite a arrepiou até a ponta dos pés, seus dedos perdendo a força e se afrouxando, fazendo com que aia caísse diante de si. Cada fiapo mínimo de consciência convergindo entre Oh Não.

Como ela pudera estar legalmente preocupada com enguias?

Presa a um mastro frontal de madeira claramente pertencente a alguma polpa de um navio ancorado na costa do reino, uma bandeira negra Jolly Roger tremeluzia pela inconstância do vento, enviando choques elétricos de puro pavor espinha abaixo. Ela também enviava promessas macabras, aterrorizantes e... Irrevogáveis.

Bom Deus...

Havia, de fato, um modo pior de começar a noite.

Waverly levou as mãos ao coração.

- Oh, não... Piratas...

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >
capítulo anteriorpróximo capítulo

Capítulos relacionados

Último capítulo