Stella está decidida a recomeçar, mesmo carregando as cicatrizes de um passado marcado pelo abandono e pela perda. Com as poucas esperanças que lhe restaram ela se muda para recomeçar a vida em uma cidade nova, longe de tudo que a machucou. Acreditando que o passado nunca mais a encontrará. Até seu caminho se cruzar com um homem misterioso no elevador. Matteo Bianchi é o típico chefe frio e inacessível, um homem que trocou o calor das emoções pela segurança do trabalho. Mergulhado em um mar de culpa e remorso, ele se isolou da família e de todas as chances de recomeçar. Quando seus caminhos se cruzam, ele faz uma proposta inusitada: fingir ser sua noiva por um ano. Para ela, uma chance de estabilidade. Para ele, uma tentativa de reencontrar significado na vida. Mas será que um acordo tão improvável pode despertar sentimentos reais e trazer a redenção que ambos tanto precisam?
Leer másA chuva encharca meus sapatos enquanto caminho pela calçada de uma das avenidas mais movimentadas da cidade, rezando para que, desta vez, eu não chegue atrasada. O som do meu estômago roncando me faz soltar uma das mãos da sombrinha e apertar o próprio corpo.
Lidar com a chuva até que é fácil — eu poderia tentar secar o cabelo no secador de mãos do banheiro de novo. Mas hoje trabalhar será difícil, porque não conseguirei passar na padaria e gastar minhas últimas moedas. Nem chegamos à metade do mês, e meu salário já foi quase todo embora.
Paro em frente ao semáforo e espero abrir para atravessar em direção ao prédio da Fiori Security, uma das filiais da maior empresa de segurança italiana. Por um milagre, depois de ter sido demitida do meu último emprego de babá, consegui uma vaga de secretária.
Deus abençoe minha mãe no dia em que me obrigou a fazer aquele curso.
Meu pé desliza dentro do salto molhado ao entrar no saguão de mármore branco e dourado. Chamo o elevador e subo para o vigésimo andar da presidência.
O elevador demora a chegar.
Ou talvez seja só a minha impaciência tornando tudo mais lento.
Quando finalmente entra, o pequeno cubículo parece apertado demais, como se o peso da manhã estivesse todo ali, me sufocando. Subo até o vigésimo andar, o som da chuva batendo no teto metálico e o estômago roncando ainda mais alto.
Eu tento me concentrar no trabalho, mas tudo que consigo pensar é em como minha vida parece estar se arrastando em um dia após o outro, uma sequência interminável de pequenas derrotas.
O elevador para e, quando as portas se abrem, eu me vejo de frente para o saguão que me aguarda, vazio, exceto pela minha mesa. Cada passo até ela parece uma eternidade. Não consigo deixar de me sentir exausta. Não fisicamente — já estou acostumada com a correria —, mas emocionalmente.
O dia mal começou e eu já sinto que ele vai ser um daqueles onde nada dá certo.
Por um momento, fico ali parada, observando a mesa vazia.
O computador parece me desafiar com sua tela em branco, como se estivesse esperando que eu desse o primeiro passo, mas tudo que eu quero é me encolher ali mesmo. E então, como se o universo resolvesse se divertir com a minha falta de sorte, minha chefe aparece.
— Bom dia, Stella. O clima está horrível hoje.
Minha chefe abre a porta da sala separada e se aproxima da minha mesa carregando uma pilha de papéis.
— Senhora Bianchi, me perdoe, o trânsito estava horrível, eu tentei…
— Não precisa se explicar — ela levanta um dedo. — Recomponha-se e comece o trabalho. Sei que conseguirá compensar.
— Sim, senhora.
Espero até que o som dos seus sapatos se encerre com o fechar da porta e desabo na minha cadeira. Fiorella Bianchi é a representante e CEO da filial brasileira, braço direito do irmão, uma mulher bem-sucedida e um pouco ranzinza, mas que me estendeu a mão.
Está sempre com os cabelos castanhos perfeitamente ondulados caindo pelas costas, vestida com elegância em caros vestidos italianos, com postura impecável. Seus olhos azuis são afiados, capazes de detectar erros a metros de distância.
Ela é tão bonita que chega a me faltar o ar, e me pergunto como devem ser seus outros dois irmãos. A Fiori tem duas filiais, no Brasil e na Bélgica, além da matriz em Roma, cada uma liderada por um dos irmãos Bianchi.
Já procurei fotos dos três na internet, mas elas não fazem jus à beleza real da minha chefe. Não que isso me interesse muito.
Desde que eu mantenha meu bom desempenho e continue mantendo sua vida organizada, consigo ter um bom dia de trabalho e receber um salário decente no final do mês.
Empurro a cadeira e sigo para a copa no final do corredor das outras salas. Coloco a cafeteira para funcionar e me encosto no balcão, conferindo as contas que ainda não foram pagas. Ainda estou quitando os custos do tratamento da minha mãe.
Um câncer a levou de mim, minha única família restante, e além de um coração dilacerado, fiquei com as dívidas hospitalares que, há três meses, vêm acabando com minha saúde financeira e me forçaram a mudar para um cômodo em um dos piores bairros de São Paulo.
— Bem, o banco vai ter que esperar mais um mês. Posso não ter armários, mas ainda preciso colocar comida nas gavetas que me restam.
Sirvo o café na xícara e Amanda, a secretária de um dos nossos advogados, me encontra.
— Bom dia, Stella. Dia péssimo, quase caí em uma poça do lado de fora.
Ela pega uma das xícaras e se serve.
— Não tive muito mais sorte que você. O ônibus quebrou, e precisei fazer o resto do percurso a pé.
— Meu Deus, amiga, será que em algum momento nós vamos ter sorte?
Ela me acompanha, mexendo nas pontas loiras do cabelo.
Ela pega uma das xícaras e se serve, antes de encostar ao balcão ao meu lado. Amanda é uma das poucas pessoas aqui com quem consigo conversar sem sentir que estou sendo julgada. Às vezes, parece que estamos as duas lutando no mesmo barco, só que em turnos diferentes.
— Preciso acreditar que sim, pelo menos nas histórias que eu leio.
— Por falar em histórias, ficou sabendo que o chefão estará aqui amanhã?
Franzo o cenho, um pouco confusa.
— O chefão?
Amanda faz uma cara misteriosa e se aproxima um pouco mais, como se fosse contar um segredo.
— Matteo Bianchi, o irmão da sua chefe. Ele chega amanhã para supervisionar a empresa de perto.
Meu coração dá um salto, uma mistura de surpresa e curiosidade. Eu sempre ouvi falar dele, mas nunca vi o homem pessoalmente. O irmão de Fiorella Bianchi, o CEO da Fiori Security, que mora na Itália e raramente visita a filial brasileira. Por algum motivo, a ideia de ele aparecer aqui, no meio de todo esse caos, me deixa nervosa.
— Sério? Nunca imaginei que ele fosse aparecer. A última vez que ouvi falar dele, estava lidando com uma crise na matriz em Roma.
Amanda sorri e mexe nas pontas do cabelo, um hábito dela quando está empolgada com alguma fofoca.
— Eu também nunca achei que ele viria. E dizem que ele é super misterioso. Ninguém sabe muito sobre ele, porque sempre fica lá na Itália. Mas sempre tem aquelas histórias, né? Todo mundo fala que ele é… bem, digamos… difícil de agradar.
Dou uma risada nervosa.
— E o que mais você ouviu sobre ele? Eu nunca encontrei ninguém que o conhecesse pessoalmente.
Amanda baixa a voz, como se estivesse revelando um grande segredo.
— Dizem que ele é charmoso, imponente, e que tem esse jeito de líder que intimida. Algumas pessoas o acham meio frio, mas quem trabalha diretamente com ele sempre fala muito bem dele. E, claro, tem toda essa aura de poder… É, não vou mentir, estou bastante curiosa para vê-lo.
Balanço a cabeça, pouco interessada.
— Bom, isso não mudará nada para nós, meras secretárias.
— Não, mas pelo menos poderemos admirar o bonitão.
— Fale por você. Tenho cinco pautas para digitar, meus olhos ficarão apenas no computador.
Aceno me despedindo de uma das minhas poucas amigas, puxo a cadeira, respiro fundo e estico os dedos, pronta para enfrentar mais um dia. Abro a gaveta para procurar o grampeador e a pilha de boletos do tratamento da minha mãe me encara de volta.
Fecho os olhos e respiro fundo, lembrando que posso ser despejada, que voltarei para casa e os armários estarão vazios, mas preciso continuar.
Pronta para desejar que as coisas mudem, preciso acreditar.
1 ano depois...O sol já começava a se esconder atrás das montanhas, tingindo o céu de tons dourados e laranja. O quarto de Giorgia, nosso cantinho acolhedor, foi banhado pela luz suave do entardecer, criando uma sensação de paz que me envolvia. Embalava nossa filha em meus braços, sentindo sua respiração calma e leve, como se o mundo lá fora fosse apenas um eco distante, longe do nosso pequeno universo. Ela me olhou com os olhos curiosos, e o coração parecia se expandir dentro de mim, repleto de um amor tão profundo que não sabia como descrever.Eu cantava para ela, uma melodia suave, quase como um sussurro, minha voz refletindo a serenidade que invadia minha alma. Cada nota era um agradecimento silencioso por tudo o que a vida me deu. Por Giorgia. Por Matteo. Pela chance de recomeçar, de ser feliz de uma forma que eu nunca imaginei possível.Quando minha mente se perde, pensando em tudo o que passou, não posso deixar de sorrir. O homem que entrou na minha vida de uma maneira inesper
O ar estava impregnado com o perfume das flores que decoravam a vinícula. O entardecer tingia o céu com tons de dourado e laranja, enquanto o sol se escondia por entre as colinas. Nunca imaginei que um dia poderia ser tão perfeito. Tudo parecia parte de um sonho — mas era real, e ela estava prestes a caminhar em minha direção.Minhas mãos suavam, e eu tentava controlar a respiração enquanto esperava no altar. O vento suave fazia as folhas das videiras balançarem, criando uma música natural que se misturava à melodia suave tocada pelo quarteto de cordas. Amigos e familiares estavam reunidos, mas minha atenção estava toda na entrada, onde sabia que Stella apareceria a qualquer momento.Quando a música mudou, meu coração deu um salto. E então, ela surgiu. Stella.Ela estava linda. Deslumbrante. Inimaginavelmente perfeita. O vestido branco moldava seu corpo com delicadeza, o tecido leve dançando com a brisa. Seu cabelo estava preso em um penteado elegante, com algumas mechas soltas que em
Assim que a chamada de vídeo conectou e a tela mostrou o rosto sério do advogado, meu estômago revirou. Matteo segurava minha mão firmemente, sentado ao meu lado no sofá, mas eu sentia os dedos dele suarem tanto quanto os meus. Tentei respirar fundo, mas o ar parecia não chegar aos meus pulmões. Era agora.— Boa tarde, Stella, Matteo — começou o advogado, ajeitando os óculos. Sua expressão profissional não entregava nada, e isso só aumentava meu nervosismo. — Recebemos a decisão do juiz sobre o pedido de guarda apresentado pelo genitor da sua filha.Meu coração disparou. Eu apertei a mão de Matteo com força, sentindo um nó na garganta. Por mais que eu tivesse tentado me preparar para qualquer resposta, agora que o momento tinha chegado, parecia impossível me manter calma.— E…? — Minha voz saiu trêmula, quase um sussurro. Matteo deslizou o polegar pelo dorso da minha mão, um gesto pequeno, mas reconfortante.O advogado fez uma pausa, provavelmente para organizar os papéis em sua mesa,
Eu me perguntei pela milésima vez se tinha feito a escolha certa ao trazer Stella tão rapidamente de volta para a Itália. A casa era bonita, espaçosa e cheia de potencial, mas eu podia ver nos olhos dela que algo ainda não estava certo. Ela caminhava pelos cômodos como se estivesse tentando se encontrar, como se algo estivesse fora de lugar.Deixei meu casaco no encosto do sofá e a observei da cozinha. Stella estava na sala, ajeitando as almofadas do jeito dela. Aquelas almofadas eram novas, escolhidas em uma das muitas lojas que visitamos desde que chegamos em Livorno. Eu sabia que ela sentia falta do apartamento pequeno, onde cada canto tinha um pedacinho dela, onde o mundo parecia mais simples.— Preciso colocar algo aqui na parede. — ela disse, mais para si mesma do que para mim, apontando para um espaço vazio acima do aparador. — Talvez uma foto nossa... ou um quadro colorido.— É uma ótima ideia — respondi, apoiando-me na porta.Ela olhou para mim e sorriu, mas era aquele sorris
A tarde estava quente, e o ventilador girava preguiçosamente no canto da sala enquanto Matteo empurrava mais uma caixa para o centro do apartamento. O pequeno espaço, que eu havia chamado de lar por tanto tempo, agora parecia diferente, quase irreconhecível com as paredes nuas e os móveis desmontados. Era estranho pensar que, em breve, ele não seria mais meu.— Você tem certeza que quer mandar esse móvel para o seu vizinho? — Matteo perguntou, apontando para o rack que já estava encostado perto da porta. Ele me observava com aquela expressão meio desconfiada que fazia sempre que achava que eu estava escondendo algo.— Tenho. — respondi, tentando parecer decidida. — Ele estava precisando de um e... bem, eu não vou levar isso para a Itália. Faz sentido que fique com ele.Matteo apenas assentiu, mas não parecia convencido. Ele voltou a se concentrar na caixa de livros à sua frente, deixando o ar carregado de uma pergunta não feita.Suspirei e me sentei no chão, passando as mãos pelo cabel
Eu estava sentada no sofá da sala de estar da casa da avó de Matteo, com um chá quente nas mãos, enquanto Antonella revirava uma enorme caixa de papelão no meio da sala. O aroma de camomila e biscoitos recém-assados preenchia o ambiente, criando uma atmosfera acolhedora que só a casa dela conseguia ter. Matteo estava ao meu lado, observando tudo com um sorriso divertido nos lábios.— Aqui está! — exclamou Antonella, erguendo um pequeno ursinho de pelúcia marrom com uma orelha um pouco torta. Ela o sacudiu no ar, como se fosse um troféu, e depois caminhou até mim com um brilho nos olhos. — Este era do Matteo quando ele era pequeno. Não largava por nada!Olhei para Matteo, que corou ligeiramente e deu de ombros.— Eu tinha uns dois ou três anos, não me lembro disso.Antonella riu.— Não importa se você não lembra, eu lembro! Ele dormia com esse ursinho toda noite. E agora, quero que a sua filha tenha algo que foi do pai dela.Segurei o ursinho com cuidado, sentindo o tecido macio, embora
Último capítulo