No palco iluminado por um facho de luz, o locutor anunciou:
— E o primeiro lugar vai para o projeto de Liane Moura. Com uma arquitetura arrojada, o novo complexo hospitalar terá um designer moderno, com atenção total a inclusão e espaços amplos para todas as áreas da medicina, além de salas cirúrgicas especiais para residentes poderem assistir às cirurgias. Venha receber seu prêmio... Enquanto ele falava, no telão passavam imagens produzidas por inteligência artificial, baseadas nas plantas que Lia desenhou. Todos ficaram atentos e admirados, com o esplendor da arquitetura e instalação do Complexo Hospitalar. Com certeza, muitos viriam de fora para contemplar aquela construção maravilhosa. Lia subiu ao palco recebendo os aplausos da plateia, em sua maioria, arquitetos, designers e empresários importantes. Recebeu o troféu e um cheque simbólico com mais de um metro de largura. — Foi um grande prazer executar esse projeto, depois de sete anos no exterior, é bom voltar ao Brasil e à minha cidade natal, cooperando com algo tão bom para o povo. Nova salva de palmas se fez e Lia agradeceu com um movimento de cabeça, olhando todos os rostos e reconhecendo alguns, mas não vendo ninguém de sua família. Sempre desejou que seus pais e sua irmã, participassem de suas vitórias, mas ficaram cada vez mais distantes. Estranhou não receber mais notícias. Desde que começou o estágio remunerado em uma firma de arquitetura estrangeira, avisou que não precisava mais de financiamento e aos poucos deixaram de se falar, na verdade, não respondiam nem aos seus e-mails. — Parabéns, senhorita Moura, é um enorme prazer conhecê-la. Agora precisamos continuar o projeto, levará um tempo até iniciarmos a construção, até lá, descanse e prepare-se, teremos muito trabalho. — Cumprimentou-a o governador, assim que ela desceu do palco. — Obrigada, foi um grande prazer ajudar minha terra natal. Foi cansativo, mas prazeroso ser parabenizada pela maioria dos presentes e quando conseguiu deixar o evento, um carro a esperava, o motorista abriu a porta e esperou ela entrar, com um cuidado especial com sua cabeça e roupas, fechou a porta e tomou seu assento. O caminho para a mansão de seus pais, em Laranjeiras foi tranquilo e quando chegou, o mordomo viu o carro oficial e avisou ao patrão, que logo saiu a porta para ver quem chegava. Lia viu a surpresa no semblante dele, que parecia não esperar por sua chegada. Um trovão soou no céu, anunciando a tempestade que estava por vir. O motorista tirou as malas dela do portamalas e deixou na varanda rapidamente, querendo voltar antes da chuva cair. — Lia, o que faz aqui, minha filha? — Não receberam minha mensagem avisando e nem o convite que enviei para o evento desta noite? Percebeu que seu pai estava completamente atordoado com sua chegada, parecia realmente não ter recebido aviso algum e quando olhou para sua mãe e sua irmã, que estavam atrás dele, também notou a perturbação delas. Porém, Raquel não conseguia sequer levantar o rosto e fitar seus olhos, intuiu então, que seria ela a responsável. — Há anos não recebemos notícias suas. — Estranhou seu pai. — Mas eu mando notícias todo mês, só não entendo por que não respondem. E as remessas financeiras que enviei com a restituição do seu investimento em mim, também não receberam? Percebe que seu pai franze a testa, com um ar de total espanto e medita no que pode responder, já que não sabe do que ela está falando. — Realmente, eu não sei do que você está falando, nunca soube de nenhum recado ou remessa bancária. Mas não fiquemos aqui, vai começar a chover e apesar dessa recepção, estou muito feliz em te ver. Ele foi até ela e abraçou-a meio desajeitado, era sua filha querida, a mais velha e que poderia resolver a situação que a família estava passando. Também se admirou por ela estar tão elegante em um vestido de gala, parecendo uma pessoa de classe e muito rica. Entraram em casa e seguiram até a sala, o mordomo cuidou das malas, levando-as para o antigo quarto da senhorita que ele tanto admirava, estava muito feliz em vê-la novamente. — Seja bem-vinda, senhorita. — Obrigada, Adalberto, é um prazer estar de volta. Ele pediu licença, enquanto ela sentava-se no sofá, junto com a família. Sua irmã, fingindo notadamente, que estava feliz, fez a primeira pergunta: — Quando você chegou? — Cheguei ontem, fiquei em um hotel onde foi o evento ao qual enviei o convite para vocês. Fiquei surpresa de não os ver. — Mas afinal, que evento foi esse, minha filha? — perguntou dona Noêmia, que sempre foi muito fechada, guardando tudo para si e não demonstrando nada, nem a afeição que devia sentir pelas filhas. — Agora não interessa mais, já passou. Seria um ótimo evento para Raquel socializar e papai fazer alguns contatos para a empresa. — Então, você se formou em arquitetura e continuou trabalhando onde estava estagiando? Foi efetivada naquela mesma firma? — Perguntou seu pai. — É uma pena que não tenham recebido todos os meus e-mails, pois saberiam de tudo. Permaneci naquela firma por mais um ano, me destaquei, ganhei vários prêmios e agora estou aqui. Lia não sabia qual o propósito de quem escondeu suas notícias e roubou o dinheiro que enviou, por isso, não contou que agora tem a própria firma de arquitetura. — Como vai a construtora, pai? Pensei que poderíamos trabalhar em parceria. — Estou trabalhando em uma parceria para podermos concorrer à licitação da construção do novo complexo hospitalar. Talvez você possa nos ajudar com isso, mas este é um assunto para amanhã, já é tarde e você deve estar cansada. Lia sorriu e concordou, desejou boa noite a todos e subiu para o seu quarto. Ao entrar, descobriu que ele estava do mesmo jeito de quando partiu. Será que ninguém pensou em modernizá-lo, trocar a cama de adolescente para esperar ela voltar? “Essa família me parece muito estranha, primeiro tem alguém me sabotando, apagando meus e-mails e pegando o meu dinheiro, sem contar nada para meu pai e minha mãe. Preciso verificar isso, amanhã vou até o banco. Eles não sabem que fui a arquiteta do novo projeto do complexo, foi bom eu não ter falado nada e até eles não terem recebido o convite, assim, não vão poder me explorar, que com certeza é o que pretendem fazer. Aquela conversa de que eu posso ajudar, não deve ter nada a ver com o meu trabalho, já que eles não sabem que eu possuo uma firma de arquitetura.” Foi até sua mala, que não tinha sido arrumada e estava fechada no closet que ainda continha suas roupas antigas, empoeiradas e totalmente fora de moda. Abriu a mala, pegou uma camisola e foi para um banho rápido, só então deitou. — Pelo menos, trocaram as roupas de cama.No dia seguinte, quando desceu as escadas, ouviu uma conversa em voz alta vinda do escritório. Olhou em volta e não viu nenhum empregado e nenhum familiar, então desceu na ponta dos pés para escutar. — Mas papai, era eu que deveria casar com ele e não ela? — Reclamava Raquel. — Farei isso pelo seu bem, não sei como é o comportamento daquele homem na intimidade. Apesar de ele estar limpando o nome e se comportando como um homem da sociedade e de boa educação, não podemos esquecer de que era um traficante. — Mas eu gosto dele e ele gosta de mim... — Insistia Raquel, chorando. — Seu pai sabe o que está fazendo minha filha. Lia é mais experiente e com certeza saberá lidar com ele e você ainda é muito nova, não vai conseguir domar um homem daquele porte. “Então é isso que eles estão querendo fazer? Unir duas empresas através do casamento e me usando como o boi de piranha? Acho que fiquei muitos anos fora de casa e o amor se acabou, pois que pai faz isso com uma filha nos dias de ho
No dia seguinte, quando desceu as escadas, ouviu uma conversa em voz alta vinda do escritório. Olhou em volta e não viu nenhum empregado e nenhum familiar, então desceu na ponta dos pés para escutar. — Mas papai, era eu que deveria casar com ele e não ela? — Reclamava Raquel. — Farei isso pelo seu bem, não sei como é o comportamento daquele homem na intimidade. Apesar de ele estar limpando o nome e se comportando como um homem da sociedade e de boa educação, não podemos esquecer de que era um traficante. — Mas eu gosto dele e ele gosta de mim... — Insistia Raquel, chorando. — Seu pai sabe o que está fazendo minha filha. Lia é mais experiente e com certeza saberá lidar com ele e você ainda é muito nova, não vai conseguir domar um homem daquele porte. “Então é isso que eles estão querendo fazer? Unir duas empresas através do casamento e me usando como o boi de piranha? Acho que fiquei muitos anos fora de casa e o amor se acabou, pois que pai faz isso com uma filha nos dias de ho
Carlos continuou passando as folhas, uma por uma, e na última, viu o nome de Raquel como aquela que transferiu todo o dinheiro para si mesma. Olhou para sua filha mais nova, sem acreditar que ela poderia fazer algo assim, principalmente, quando eles precisavam tanto desse dinheiro. — O que aconteceu, Carlos? — perguntou Noêmia, ao ver o olhar gelado que ele lançou para Raquel. — Você fez tanto sacrifício para manter nossa filha caçula vivendo com luxo e ela nos roubou esse tempo todo. — Como assim, não entendo? — Lia nos enviou remessas de capital muito acima do que demos a ela para mantê-la no exterior, já faz três anos que esse dinheiro chega e Raquel transferiu tudo para a conta dela. — Isso é verdade, minha filha? — perguntou Noêmia, olhando para a filha sem acreditar. O que vocês queriam? Eu vi que vocês sustentaram Lia por quatro anos no exterior e quando percebi que a empresa estava indo à falência, me preocupei com o custo de meus próprios estudos e
Ao contrário do que Lia imaginou, Carlos viu uma oportunidade no que ela falou. Imediatamente começou a relatar os termos do contrato entre as empresas e depois sobre o casamento: — Será um casamento proforma, durará apenas um ano, que deverá ser o tempo em que decidirão o vencedor da licitação. Você terá apenas que morar na mesma casa que ele, pois será anunciado para todos o casamento de vocês e precisam manter as aparências. — Tem certeza de que ele cumprirá o contrato e os acordos? — O casamento será a garantia, você acha que suporta um ano de casamento? Lia pensou que, se tivesse liberdade de ir e vir, morar em outra casa não atrapalharia seus planos. Já tinha planejado morar separada dessa família irresponsável. Está bem, eu concordo, mas preciso conhecê-lo primeiro. Carlos abriu um grande sorriso de satisfação e logo estava se levantando e chamando Adalberto para preparar um jantar, seguiu então para o escritório e ligou para seu futuro ge
Com a boca aberta de espanto, ela ficou parada, olhando para ele sem acreditar. — Não é isso que está no contrato, é um ano de casado e só estaremos unidos para garantir a parceria empresarial. Ele tirou de dentro do bolso interno do casaco, igual fez o seu pai, os papéis que ela assinou e mostrou-lhe na segunda folha, bem em cima. “... e neste prazo de um ano, terá que ser gerado um herdeiro.” — Não pode ser! Então Lia lembrou da correria na hora de assinar o contrato, seu pai fez de propósito e sua mãe cooperou. Deixaram para assinar no último momento para que ela não tivesse tempo de ler e conferir. Assinou confiando no seu pai e percebeu tarde demais que ele não era digno de confiança. Olhou a sua volta e avistou uma poltrona de couro, onde se jogou, totalmente derrotada por aquela traição. Lembrou-se que há duas semanas sua mãe insistiu em levá-la ao médico, mesmo ela dizendo que não havia necessidade, pois estava muito bem. A médica preencheu seu formulário, perguntou
Na casa da família Brandão, sem ter noção do que a filha passava, Carlos expulsou a rolha da garrafa de champanhe, que estourou, e todos comemoraram. — Estamos salvos. Eu sabia que aquela menina um dia iria me servir e muito. — Regozijou-se ele. — Mas era eu quem devia ter me casado com Romão. — reclamou Raquel. — Pare de ser ingrata. Sua irmã está lhe fazendo um favor, mesmo depois de você ter roubado todo o dinheiro que ela nos enviou e você ainda está reclamando? — É mãe, mas agora é ela que está se refestelando com ele, o meu homem, o meu macho que deveria estar comigo. Carlos não teve dúvida, ao ouvir a forma vulgar com que sua filha estava falando, levantou a mão e acertou seu rosto com um forte tapa. As duas mulheres ficaram horrorizadas, nunca tinham sido agredidas desta forma. — O que pensa que está fazendo, Carlos? Como se atreve a bater na cara da nossa filha? Não sabe que não se bate na cara de ninguém, principalmente de uma mulher? — Ela não é ninguém, é a
Chegando em casa, Romão viu que, sua mãe, andava de um lado para o outro na sala, perturbada com a presença de Raquel, sentada no sofá. — Que bom que você chegou, meu filho, deu tudo certo? — Claro que sim, mamãe. — Ela reclamou ou fez escândalo, como foi? Enquanto a mãe falava, Raquel levantou-se e grudou-se em seu braço, emburrada. — Foi bem mais tranquilo do que eu esperava. — olhou para Raquel. — Aliás, aproveitando que você está aqui, precisamos conversar. — Ela não só está aqui, ela se mudou para cá. Chegou com duas malas e se instalou no seu quarto. — Obrigado, mãe. Vamos para o escritório, Raquel. Ele segurou-a pelo braço. Amava-a por sua doçura e delicadeza, por sempre o apoiar sem ligar para o seu passado de Dono do morro, mas se instalar em sua casa, no seu quarto, sem pedir permissão? Foi um grande erro. Agora que ele estava casado, como o grande empresário que é, não pode deixar nenhum escândalo desse tipo vazar e atrapalhar seus negócios. Também tinha o fato
Romão ficou intrigado, não sabia no que acreditar. Uma mulher forte que se dedicou a carreira, ganhou muitos prêmios, mas deixou a família em dificuldades financeiras, não parecia muito justa. Estava indeciso. Não era um homem bom, obtinha o que queria sem pedir licença, mas gostava de se ver como justo. Desde quando liderava o contrabando e o tráfico no morro, mantinha tudo em ordem com mãos de ferro. Sempre protegeu mulheres e crianças de maldades e abusos. Agora se tornou um abusador por acreditar em uma mentira. Será que sua menina era tão descrente da competência da irmã que não acreditava em sua capacidade de conquistar sucesso profissional? — Então, sua filha é uma arquiteta profissional e ganha a vida com seus projetos? — Creio que sim. Não sei muito sobre sua vida no exterior. É impossível alguém ter tanto dinheiro só desenhando riscos num papel. — Raquel disse, entrando no escritório, despeitada e não querendo que seu namorado descobrisse a verdade. Romão a olhou sério