Capítulo 5

David

“E eu sei que você sabe quase sem querer

Que eu quero o mesmo que você.” 

Quase sem querer - Legião Urbana

Desde que entrei na escola no turno da noite, não passei um único dia sem procurar uma vaga de estágio ou jovem aprendiz — qualquer oportunidade que me desse experiência e algum tipo de remuneração.

Fiz algumas entrevistas em diferentes empresas, mas algumas não gostaram do meu perfil e, em outras, eu simplesmente não gostei do lugar.

Esta semana, porém, comecei com o pé direito: consegui algo totalmente inesperado. Vou dar aulas de violão em uma igreja do meu bairro! Os membros da pastoral foram muito receptivos comigo e me ofereceram três turmas para início imediato. Terei dois dias de folga durante a semana para estudar e ainda poderei trabalhar com o que sempre considerei apenas um hobby.

— Parabéns, gato! Que notícia boa! — Jéssica falou com uma melosidade que fez meu corpo inteiro reagir imediatamente. Ela me deu um abraço, e naquela hora senti cada reação do meu corpo. Mas Charles apareceu, dando um tapa nas minhas costas que me tirou do transe de imediato.

— Parabéns, cara! Vai ser um excelente professor! — Meu amigo me abraçou, a alegria transbordando no cumprimento animado.

— Cara, tô muito feliz! Consegui algo muito melhor que estágio. Algo que eu amo! Já vou começar a preparar as aulas para as primeiras turmas; começo na semana que vem! Só alegria!

— É... quanto à alegria, parece que não é bem assim. Apesar dessa notícia incrível, tenho uma não muito boa. — Milena olhou para baixo, depois voltou os olhos para mim, claramente confusa, como se não soubesse exatamente como me contar algo importante.

— Milena, fala! Desembucha! — Falei, mantendo meu olhar firme no dela, sério e intenso.

— Ah… tão dizendo por aí que a Luci está desaparecida. Parece até que os pais dela vieram à escola conversar com a diretora, mas eu não os conheço, então não sei se é verdade. — Milena falou, visivelmente chateada, frustrada por nada ser conclusivo sobre a ausência da amiga.

— O quê? — Meus olhos quase saltaram das órbitas. Certo que, se estivesse tomando algo, teria feito um estrago na roupa de alguém. — Cara, não! Quando essas coisas acontecem, sai até na mídia. O povo tá viajando! A Luciele deve ter mudado de escola, ou os pais dela podem ter voltado a morar juntos. — Respondi incrédulo, com ódio e a irritação queimando por tanta especulação.

— Ah é? — Milena falou, com certo deboche na voz. — Então por que ela não visualiza nem responde às mensagens que todos nós enviamos no W******p? — Enfatizou, arqueando as sobrancelhas.

— Ah… deve ter trocado de número e não nos informou, já que nem nos conhecemos direito. — Respondi, sem muita convicção; nem eu acreditava na minha própria ideia.

— Pode ser que você tenha razão e tudo seja um grande mal-entendido. Mas que motivos ela teria para se afastar de nós e sequer responder às mensagens? Ainda mais às suas, que só fez o bem para ela. Nada disso faz sentido. — Milena ficou reticente.

— Realmente, nada faz sentido. Mas por que tudo precisa fazer sentido, não é mesmo? Pode fazer sentido para ela e não para nós. Sei lá! — Falei, dando de ombros.

— É estranho, de fato. — Charles falou, pensativo. — Mas talvez David tenha razão. Além disso, o povo fala tanta coisa sem sentido; notícia ruim chega rápido. Se for verdade, em breve saberemos.

— Vamos entrar, que a professora já está chegando. Hoje é aula de matemática. — Milena entrou imediatamente na sala, porque tinha muita dificuldade nessa matéria e não podia perder um minuto sequer.

Entramos logo atrás dela e fomos cada um para o nosso lugar. Eu não deixei ninguém sentar ao meu lado. Aquele lugar tinha dona desde o início do ano e só deixaria de ter quando eu descobrisse o paradeiro daquela maluquinha — e se, de fato, ela não quisesse mais sentar ali.

A aula transcorreu tranquila até o intervalo. Percebi que a Jéssica estava se insinuando demais para cima de mim e já tinha decidido: mais uma investida, e eu pegaria, sem pensar duas vezes.

No intervalo, sentei com meu violão, mas com a má intenção corroendo meus pensamentos.

"É hoje que eu pego essa guria."

Nem precisei de muito esforço. Enquanto eu tocava e cantava "Quase Sem Querer", do Legião, ela ficou o tempo todo cantando e dançando na minha frente, até vir, no final, dizer que eu era um ótimo músico.

— Gato, quero ser tua primeira aluna — Jéssica sentou-se ao meu lado, mas eu juro que parecia que ela iria se acomodar no meu colo se eu não estivesse segurando o violão.

"Essa mina é ligeira."

— Me ensina a tocar? — Ela já veio com as mãos no meu cabelo, inclinando-se toda em minha direção, naquela intenção clara de fazer cafuné.

Não perdi tempo. Deixei o violão de lado e, sem dizer uma palavra, segurei seu queixo suavemente e a beijei. Eu já estava louco para fazer isso desde o primeiro dia de aula.

— Aeeeeee! — Charles gritou, batendo palmas. — Demorô, mas aconteceu! Milena e eu achávamos que esse beijo nunca ia rolar.

"Esse folgado do Charles não tem filtro, não sabe a hora de parar."

— Ô, Mila! Vamos lá no bar comprar um refrigerante e deixar os pombinhos aproveitarem? — Charles perguntou e, recebendo um “sim” como resposta, seguiu com Milena até o bar. Mas, na real, o pobre do meu amigo queria estar fazendo com a sua amada exatamente o que eu estava fazendo com a minha peguete.

— Você acha que é real esse lance da Luci? Tá tudo muito estranho, viu… — Milena perguntou, enquanto Charles deu de ombros, com uma careta de preocupação.

— Não sei se o David está certo ou se está em negação, mas é estranho alguém ficar tanto tempo sem aparecer na escola e também não entrar em contato. — Charles comprou uma bebida para ele e pagou uma para Milena.

Ele já era apaixonado por ela há muito tempo, mas nunca teve abertura da parte dela. No início, tentou ficar com ela, escreveu cartas apaixonadas, deu presentes, mas, com o tempo, percebeu que todos os seus esforços eram em vão e parou de insistir, entendendo que ela o queria apenas como amigo.

— Quero uma água mineral com gás — disse Milena à atendente.

— A princesa manda, chefe! — Charles falou, dirigindo-se ao atendente. — Quanto estou te devendo?

— R$7. — Respondeu o atendente. — Desculpa interromper a conversa, mas ouvi vocês falando sobre uma moça desaparecida e resolvi entrar no assunto. Estou curioso. Uns rumores circularam por aqui esses dias; um cara meio barra pesada e um amigo comentaram algo. Não sei se é a mesma pessoa, mas faz sentido ouvindo vocês agora.

— Não sabemos se é real. Temos um amigo que acha que é só um mal-entendido e que nada disso, de fato, está acontecendo. — Milena respondeu, um pouco tímida.

— Tomara que sejam só rumores. — Charles falou, tentando se afastar do atendente. — Obrigado pelas bebidas. A gente vai nessa antes que acabe o intervalo.

— Tá certo. Até mais! — O atendente acenou, e eles saíram do bar, intrigados com aquela nova informação.

— Será, hein, Charles? — Milena estava desconcertada com o que ouvira do atendente. — Tu viu o que ele disse? Dois caras estranhos já perguntaram sobre o desaparecimento faz dias... Será que somos os últimos a saber? Que ironia! Logo nós, que éramos os mais próximos dela.

— Sei não, meu amor. Isso é muito sério, não dá pra discutir na frente de qualquer um. Por isso saí do bar. Ihhh, olha só... nossos amigos não estão mais no banco. Quer sentar ali? — Charles nunca perdia a chance de ser carinhoso e ficar perto da amada.

— Quero! — Milena riu. — Devem estar se pegando em algum cantinho.

— Quer me pegar também? Me ofereço voluntariamente pra esse serviço. — Charles passou o braço por cima do ombro dela, arrancando uma gargalhada.

— Tu nunca perde uma oportunidade, né, Charles?

— Não mesmo! Só se eu fosse louco. Tô esperando o dia em que uma das minhas tentativas funcione. — Os dois continuaram sorrindo e conversando no banco onde seus amigos haviam se sentado anteriormente.

Quando o sinal tocou e todos entraram na sala, David e Jéssica ficaram do lado de fora. No segundo toque, ficou óbvio para toda a turma o que havia acontecido: ela estava sem batom, com os lábios inchados e um pouco manchados; ele, com os lábios bastante vermelhos.

— Com licença, professora, podemos entrar? — perguntou David, espiando para dentro da sala.

— Contanto que isso não se repita, senhor David e senhorita Jéssica. Por hoje, podem entrar. — A professora respondeu com carranca.

David e Jéssica entraram, cada um tomando seu assento, enquanto a professora aguardava que se acomodassem para dar um recado à turma.

— Estou deixando o casalzinho entrar porque tenho um comunicado muito importante para a turma e precisava que todos estivessem em sala de aula:

 Não fiquem dando mole na rua ou mesmo no pátio da escola. Este bairro não é muito seguro. Recebi a notícia de que os pais de uma aluna vieram comunicar à diretora que sua filha está desaparecida há muitos dias e esteve aqui nas imediações da escola. Então, todo cuidado é pouco. Procurem não andar sozinhos; saiam em grupos para irem para casa.

— Professora, essa aluna é a Luciele? — Charles perguntou, apavorado.

— Não estou autorizada a dar nomes, mas estou passando um recado importante. Por favor, Charles, apenas siga as instruções. — A professora respondeu, impaciente.

— Tá certo. Obrigado, e desculpe atrapalhar.

— Bom, agora vamos continuar a aula. — A professora se virou para o quadro e começou a passar a matéria.

Nessas alturas, meu cérebro já não absorvia mais nenhuma informação. "Minha querida Luci havia sido sequestrada?"

Meu coração não cabia no peito, pulava descompassado, sem me deixar pensar. Não consegui absorver a matéria e tampouco refletir sobre qualquer outra coisa.

 — Então é por isso que ela não visualizou nem respondeu minhas mensagens? — pensei, atordoado. Tudo faz sentido agora, mas, ao mesmo tempo, não faz sentido nenhum.

“Onde está você, Luci?”

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