— Você só pode estar louca, Rachel. — esbravejei entrando no meu carro — Videntes? Sério? Vai jogar dinheiro fora!
Rachel revirou os olhos enquanto fechava o cinto. — Se eu contasse antes, você não iria comigo. — Tem toda razão, não iria mesmo. — Nora, sua insensível, você só diz isso porque está prestes a se casar — Ralhou ela — mas eu não. Caramba, eu tenho 27 anos e com nenhum cara rolou conexão. Só pode ter alguma coisa errada. Olhei para a aliança de noivado dourada no meu dedo no mesmo instante que o sol tocava a jóia pelo vidro do carro. Eu vinha tentando não me arrepender de tê-la convidado para ser madrinha no casamento. O convite, inevitavelmente, tocou a num ponto fraco que ela tentava de todas as formas não pensar. Agora deu nisso. — Que conexão, Rachel? — questionei quase rindo, tentando não ficar para trás do sinal vermelho. — Conexão com quem? Você espera que uma cigana te dê conexões? Ela vai esvaziar sua carteira, isso sim. — Ai, cala a boca. — Rachel sorriu, sem um pingo de irritação. — Você fala como se isso fosse fácil. Ah, eu sei. Era mais fácil nevar no deserto que esvaziar a carteira dela. Isso era uma das qualidades herdadas do pai dela. Ao entrar na rua onde o GPS indicava, avistei o movimento de carros e estacionei logo em frente ao lugar. — Vamos logo com isso, não quero passar o resto do horário de almoço enfiada aqui. Rachel me olhou com uma careta e não falou mais nada. Ela apenas apontou para uma entrada estreita entre dois prédios antigos, com uma placa que pendia de ganchos na parede do lado da porta “ Universo da Madame Irna”. Dava pra ver a respiração dela agitada enquanto sorria pra mim como uma criança quando ganha um doce. — É aqui! Rachel, radiante, abriu a porta e um sino tocou acima de nós. O cheiro sufocante de incensos queimando, entupiu minhas narinas. Levei a mão ao rosto numa tentativa de proteger meus pulmões da fumaça. Olhei para Rachel que entrava na frente e não parecia nem um pouco incomodada. O espaço interno do lugar era apertado, com algumas poltronas de veludo e objetos decorativos numa prateleira presa a parede da ante sala. Por falar nisso, as paredes foram revestidas com um tecido púrpura grosso que mais parecia gritar "coviu" Ah, Rachel, você me paga! — Não tem ninguém, vamos embora. Antes que Rachel pudesse tocar na cortina de miçangas à nossa frente, alguém apareceu dentro da sala de atendimento, além das cortinas. Uma velha Cigana de pelo menos cinquenta anos estava de pé a poucos passos de nós. — Entrem, e desliguem os celulares. Não permito que a minha sessão seja interrompida. Que grossa, Sra Irna. Minha amiga irritante, Rachel, mergulhou na sala empurrando a cortina na minha cara. Eu nunca estive numa Cigana que lê cartas antes, mas sabia que ciganos tinham fama de golpistas. Talvez, Rachel, não soubesse. Inclinei um pouco para dentro e dei uma olhada desconfiada na sala de atendimento. — Rachel, eu vou ficar esperando aqui fora. Ela juntou as sobrancelhas e eu sabia pela cara feia que ela fez, que estava brava, mas e daí? Ela nunca vai sossegar até encontrar um namorado. Mas isso já é perda de tempo. Ignorando o olhar insistente de Rachel, me afundei numa das poltronas encostadas na parede. Não havia nada para passar o tempo além de livros, o que era bom porque gosto de ler. Apesar da leitura nada empolgante sobre ervas, o tempo estava se arrastando e minha paciência não durava mais que um minuto. Fui obrigada a deixar o livro onde estava e ir ver através da cortina de miçangas de novo. — Entre logo e sentisse! Engoli o nó em minha garganta. Não tive escolha, fiz o que a Cigana mandou. Entrei na sala e me sentei no banco de couro ao lado de Rachel. — Pode continuar. Não quero atrapalhar. Madame Irna tinha a aparência caricata de uma Cigana Vidente, com argolas douradas penduradas nas orelhas, pulseira extravagantes e seu típico lenço floral sobre o cabelo cheio. O que mais eu esperava? A velha Cigana estava sentada atrás da mesa redonda. Ela tinha espalhado cartas de tarô sobre a toalha de lantejoulas douradas. Aquele deveria ser o belo destino de Rachel. Depois de me encarar friamente por ter atrapalhado a sessão, ela se voltou para Rachel. — Você encontrará alguém que espera por você — começou a falar apontando para uma carta que mostrava dois caminhos divergentes. — Mas ele estará longe, talvez em outro lugar. — Longe? Que tipo de longe? Outra cidade? Outro país? — Rachel perguntou instantaneamente. — O destino não dá pistas. Você o encontrará, e não demora muito para que isso aconteça. — a Cigana disse e começou a juntar as cartas na mesa. — Ah que bom Rachel, já podemos ir. Levantei e peguei em seu braço induzindo a fazer o mesmo. Antes que a velha pudesse recolher todo o baralho nas mãos, uma carta deslizou sozinha dos dedos dela, caindo sobre a mesa virada para cima. Irna franziu a testa, me olhando. — É para você. Minha respiração parou por um momento. — Não. Eu não estou aqui para ver o futuro. Já sei tudo que preciso saber. Obrigada, mas estamos indo, não é mesmo Rachel? Fuzilei minha amiga. — O universo não comete erros. — Irna inclinou-se sobre a carta. — A Torre. Isto é um aviso do universo, Nora. Um ciclo está se encerrando para você e para isso algo terá que acontecer. Sua vida está prestes a mudar drasticamente. Uma reviravolta. E você vai sofrer. Eu ri sem vontade. — Isso é ridículo. Vamos embora, agora. Puxei o antebraço dela mais uma vez até que ela levantou. Rachel olhou para a Cigana ainda sentada com a carta da torre nas mãos e apenas se desculpou. — Sinto muito pela minha amiga.