5. Demônio

Uma semana havia se passado desde minha última conversa com Diego. Ele havia prometido retornar com notícias, mas até agora, o silêncio era ensurdecedor. Eu entendia que ele provavelmente estivesse tentando falar com Henrique Montebello, mas a falta de comunicação me deixava inquieta e preocupada. Agora eu só tinha três semanas. 

Eram exatamente 20h30 da noite quando eu estava atrás do balcão preparando drinks como de costume. A atmosfera era mais descontraída aqui, longe da recepção, e eu preferia assim. Meu foco estava nos ingredientes, nas misturas e na arte de criar as bebidas perfeitas para os clientes.

Então, foi quando ela chegou. Melissa. Sua presença sempre foi difícil de ignorar, sua beleza deslumbrante contrastando com a expressão de raiva sutil que ela parecia carregar como uma segunda pele. Seus olhos se encontraram com os meus e eu senti um calafrio percorrer minha espinha.

— Olá, boa noite. Como posso te ajudar? — Cumprimentei-a com um sorriso, tentando ignorar a sensação de desconforto da sua presença

No entanto, ao invés de retribuir o cumprimento, Melissa foi direta ao ponto, pedindo um drink de morango com um tom de desdém em sua voz. Senti-me desconfortável com sua atitude, mas mantive minha compostura enquanto preparava sua bebida.

— Aqui está sua caipirinha de morango. Espero que goste.

Eu me senti como se estivesse sob um microscópio, cada movimento sendo observado e julgado por ela.

— Dá para o gasto. Por que você não está na recepção hoje?

— Bem, este lugar não é exatamente meu. Prefiro ficar por trás do balcão, fazendo os drinks. É onde me sinto mais à vontade.

Um sorriso maldoso brincou nos lábios de Melissa enquanto ela soltava uma risadinha debochada.

— Ah, entendi. Aposto que os homens não acham isso, não é mesmo? Eles preferem que você seja a entrada. — Ela sussurrou com um tom de deboche.

Apertei as mãos em punho, sentindo o calor da raiva subir pelo meu corpo. Respirei fundo, tentando me controlar, mas, embora falasse baixo, minha resposta saiu com firmeza:

— Bom, na vida de cada um, há quem prefira a entrada ao "prato principal". Aposto que o seu noivo concorda com isso, não é mesmo?

Melissa franziu a testa, captando perfeitamente a referência. Seus olhos faiscaram de raiva enquanto ela se levantava da banqueta, enfrentando-me de frente.

— Como ousa insinuar algo assim? Você não sabe de nada sobre mim ou meu noivo! — Ela praticamente cuspiu as palavras.

Eu mantive minha expressão impassível, apesar da vontade de retrucar à altura.

— Tenho outras pessoas para atender agora. Se tiver mais algum pedido, por favor, peça ao meu colega. — E, antes que ela pudesse continuar, virei-me e afastei-me, deixando-a furiosa e sem palavras.

Ninguém próximo notou a breve confusão. Eu estava à flor da pele com todas as malditas coisas que estavam acontecendo ao mesmo tempo.

Do outro lado do balcão, distante de onde Melissa estava, um homem capturou minha atenção. Ele era incrivelmente atraente, com uma aura de sofisticação e mistério. Seus olhos cinzentos pareciam penetrar minha alma, lendo cada pensamento que eu guardava. Seu cabelo e barba grisalhos eram um charme, enquanto seu olhar sério e avaliador transmitia uma autoridade natural.

Meu colega passou por mim e sussurrou que o homem queria ser atendido por mim. Eu engoli em seco, sentindo uma mistura de nervosismo e outra coisa diante da presença magnética daquele desconhecido.

Ele não usava terno, apenas uma camisa social que contornava seus músculos de forma impecável. As mangas estavam dobradas, revelando um relógio luxuoso em seu pulso, provavelmente um Rolex.

— Boa noite, senhor. Em que posso ajudá-lo?

Ele me olhou por um momento, como se estivesse avaliando minhas habilidades. — Qual é a bebida mais forte que você tem esta noite? — , sua voz era firme e controlada, mas havia uma sugestão de curiosidade por trás dela.

— Temos uma seleção de destilados premium, senhor. Posso sugerir um whisky envelhecido ou um conhaque de alta qualidade, dependendo do seu gosto.

Ele assentiu, considerando minhas palavras com interesse. — Quero algo que faça jus ao nome forte, — disse ele, seu olhar nunca vacilando.

— Entendi — respondi, mantendo-me firme diante de seu olhar penetrante. — Posso preparar algo exclusivo para você. Uma mistura especial, talvez?

Ele considerou minha sugestão com interesse, seus olhos cinzentos pareciam buscar algo além das palavras que trocávamos.

— Me supreenda, pode até acrescentar algo a mais.

Eu me vi um pouco acanhada sob sua inspeção minuciosa. Seu silêncio era eloquente, revelando pouco e deixando muito para a imaginação. Havia um toque de perigo em sua presença, uma sensação inebriante de adrenalina que se misturava à curiosidade.

O aroma das especiarias dançava no ar enquanto eu misturava os elementos cuidadosamente escolhidos. O líquido assumia uma tonalidade vibrante, refletindo a mistura de sabores que se combinavam ali.

Optei por uma combinação audaciosa e exótica: um coquetel de pitaya, infundido com um toque de especiarias intensas e um toque sutil de doçura. Acrescentei um toque de limão para equilibrar os sabores e uma dose generosa de um destilado premium para garantir que o coquetel fosse verdadeiramente forte.

Quando finalmente servi o coquetel em uma taça, deslizando-o na direção do homem desconhecido, meu coração batia com antecipação. Seus olhos examinaram a bebida.

Enquanto ele saboreava o drink, seus olhos permaneciam fixos nos meus.

— Este drink parece com você? Exótico, relativamente doce e ainda assim, forte e amargo por dentro? — Seus olhos cinzentos, profundos e penetrantes, me encaravam com uma intensidade intrigante, enquanto suas sobrancelhas se arqueavam ligeiramente.

Um sorriso timido brincou em meus lábios enquanto eu considerava sua pergunta. Era verdade que, apesar das adversidades, eu mantinha uma aura de resiliência, na verdade, eu não tinha muitas opções.

— Bom, senhor. A maioria das pessoas são assim.

— Bom, Barbara, eu não quero saber das outras pessoas, quero saber de você. — disse ele com um tom de autoridade, sua expressão séria e intensa.

Como ele sabia o meu nome? Seria possível que fosse Thiago, meu colega do bar, quem o informou?

— É possível,— comecei, escolhendo minhas palavras com cautela. — Assim como este drink, estou enfrentando uma mistura de sabores na minha vida. Exótica, doce em poucos momentos, amarga em muitos outros, mas sempre forte, bom, nem sempre.

Eu não costumava desabafar com estranhos, mas algo sobre aquele homem me fez abrir meu coração por um instante. E no fundo, eu sabia que jamais deveria ter feito isso.

Com um suspiro cansado, meus lábios formaram uma linha firme enquanto eu reprimia a frustração que fervilhava dentro de mim. — Um homem mesquinho, metido a besta, rico e obcecado em destruir minha vida está brincando comigo,— murmurei, meu tom carregado de desgosto e amargura. As palavras escaparam de meus lábios quase como um desabafo, expressando a revolta que eu sentia em relação à situação em que me encontrava. — Mas vou encontrá-lo. E direi tudo isso na cara dele.

Ouvi uma risada baixa ecoando pelo ar. Meus olhos se estreitaram, surpreendidos por aquela reação inesperada. Eu me senti repentinamente autoconsciente, percebendo que minhas palavras não deveriam ter saido da minha boca.

— Peço desculpas — , murmurei rapidamente, minha voz carregada de constrangimento. — Não era apropriado... eu... só estou com a cabeça cheia. — minha voz vacilou enquanto eu lutava para encontrar as palavras certas para desfazer o momento tenso.

O homem ergueu o copo vazio para os lábios, terminando o restante da bebida.

— Qual é o nome que você dará a essa bebida? — , ele perguntou, sua voz carregada de curiosidade, mas também de um certo desafio.

— Ruína. Assim como a dona dela.

— Ruína é surpreendentemente apropriado— , ele comentou com um tom de aprovação. — Você realmente é uma boa ruína.

Sua observação me pegou de surpresa, e eu não pude deixar de arquear uma sobrancelha, intrigada com sua escolha de palavras. Antes que eu pudesse responder, ele desviou o olhar, olhando para o lado.

— Nesta noite, decidi ver se algo valia a pena neste maldito lugar. — murmurou.

Acompanhei seu olhar, mas ele não olhava para nada e nem ninguém especifico.

Curiosa, não pude deixar de perguntar: — E vale a pena?

Ele virou-se para mim novamente, um brilho misterioso em seus olhos.

— Sim — , respondeu ele, sua voz soando quase como um sussurro. — Estou satisfeito, como se eu fosse um demônio que conseguiu reivindicar a alma de alguém.

Após suas palavras, o homem se levantou e desapareceu na multidão, como se nunca estivesse estado ali. Fiquei ali, observando-o se afastar, enquanto a agitação do bar continuava ao meu redor.

Mesmo enquanto eu continuava a servir os clientes, minha mente vagava para aquele encontro incomum. Eu não podia ignorar a sensação de que havia algo mais nesse homem do que os olhos podiam ver.

Por que aquele homem tinha tomado tanto a minha atenção? Era algo além de sua presença imponente. Havia uma energia magnética ao seu redor, algo que, por mais que eu não quisesse admitir, me atraía de uma maneira inexplicável.

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