UM BEBÊ PARA O VIÚVO
UM BEBÊ PARA O VIÚVO
Por: Gianna Carolino
1. Beira-Mar

Caminho pela areia úmida da praia, deixando as pegadas se apagarem rapidamente sob meus pés. O sol está se pondo lentamente no horizonte, pintando o céu com tons suaves de laranja e rosa. Enquanto a brisa do mar acaricia meu rosto, tento deixar que sua tranquilidade penetre em minha alma conflituosa. 

Acabei de sair do meu estágio em enfermagem neonatal, um mundo onde a fragilidade da vida e a esperança se entrelaçam de maneira linda. Enquanto cuidava dos recém-nascidos na unidade de cuidados intensivos, não pude deixar de refletir sobre minha própria vida e as incertezas que a cercam

As ondas quebram suavemente na costa, uma melodia suave que acompanha meus pensamentos tumultuados. Meu pai sempre foi uma figura complicada, suas escolhas imprudentes nos deixaram atolados em dívidas e preocupações. Agora, após sua morte, essas preocupações se tornaram ainda piores.

A brisa marinha tenta me tranquilizar, mas é difícil encontrar paz em meio ao caos que se desenrola diante de mim. A bolsa estágio mal cobre minhas despesas básicas, e as contas continuam a se acumular. 

O curso técnico que tanto me esforço para manter, está com duas mensalidades atrasadas, é provável que eu perca a possibilidade de renovar a matrícula daqui há um mês, o que consequentemente resultará na perda do estágio. Minha rotina já é exaustiva, com o curso técnico pela manhã, o estágio à tarde e os freelancers de bar girl ou garçonete em eventos noturnos para a elite.

E, no meio de tudo isso, sinto-me perdida. Meu sonho sempre foi ser enfermeira, mas nunca tive tempo para estudar e mesmo se passasse na universisade, por ser integral, não daria certo. Sempre estava correndo atrás do meu pai, cuidando dele quando caía bêbado na rua, gastando minhas economias em remédios e dívidas que surgiam.

Cheguei a pensar em largar tudo e buscar um trabalho efetivo, mas nem isso estou conseguindo. Não sei mais o que fazer. Estou presa em um ciclo interminável de lutas e decepções, sem vislumbre de uma saída.

Eu tenho que dar um jeito na minha vida, mas como faria isso? Enquanto as lágrimas se misturam com a brisa do mar, prometo a mim mesma que não desistirei. Mesmo quando tudo parece perdido, continuarei lutando. Como? confesso que não sei.

🧜🏾‍♀️

Ao chegar em casa, sou recebida pelo barulho ensurdecedor da vizinhança agitada. Os latidos dos cachorros, o som estridente das buzinas e as vozes exaltadas ecoam pelas ruas estreitas, como se cada casa fosse um palco para o caos urbano. Suspiro profundamente, preparando-me mentalmente para mais uma noite tumultuada.

No entanto, ao me aproximar da minha casa, meu coração afunda ao avistar Helena, sentada na calçada como uma sentinela indesejada. Seus olhos frios encontram os meus e um sorriso de escárnio se forma em seus lábios.

Helena é uma mulher de meia-idade, uma figura sinistra que se entrelaçou com a vida caótica do meu pai. Ela e tantas outras, envolvidas em casos amorosos com ele, compartilharam noites de bebedeira e confusão. Agora, ela se recusa a aceitar a realidade e insiste em perturbar minha paz, reivindicando uma parte da casa como se tivesse algum direito sobre ela.

Sinto a irritação borbulhar dentro de mim enquanto me aproximo dela. Já não aguento mais essa mulher, com suas exigências sem sentido e sua presença intrusiva. 

— Helena — , chamo sua atenção, minha voz carregada de firmeza. — O que você está fazendo aqui novamente?

Ela me encara com desafio, seus olhos faiscando com uma mistura de arrogância e ciniscmo. — Oh, enfermeirinha mediocre, você sabe muito bem por que estou aqui. Eu quero o que é meu por direito. Metade desta casa pertence a mim, e não vou descansar até conseguir o que é meu!

Reviro os olhos, minha paciência se esgotando diante da sua persistência.  

—  Você sabe muito bem que não tem nenhum direito sobre esta casa —  , retruco, lutando para manter a calma.  —  Você e meu pai eram apenas dois estranhos que se afogavam em suas próprias misérias. Não venha aqui com suas exigências absurdas.

Helena se ergue da calçada com uma postura de desafio. Seu rosto está marcado por linhas de expressão profundas, testemunhas silenciosas de uma vida de excessos. Os olhos azuis são envoltos por uma sombra escura de lápis de olho preto

Ela quase sempre tem um cigarro entrelaçado entre os dedos. Os fios de cabelo curtos e desgrenhados, uma mistura de tons loiros desbotados, castanhos e grisalhos, caem desordenadamente ao redor de seu rosto.

Um vestido vermelho, curto e provocante, que deixa pouco para a imaginação. Os decotes profundos revelam mais do que escondem, enquanto as alças finas parecem prestes a ceder sob o peso do busto volumoso. Seus saltos altos, também vermelhos, batem no chão irregular da calçada com um som abafado.

—  Se você não vender essa casa e dividir comigo, Barbara — , ela diz com um tom ameaçador, —  eu vou me mudar para cá em breve e levar esse assunto para a justiça. Tenho muitas testemunhas que podem confirmar o meu relacionamento com o seu pai.

Seus lábios se curvam em um sorriso malicioso, como se estivesse desfrutando da agonia que está causando. É uma ameaça velada, uma forma de chantagem emocional destinada a me fazer ceder às suas exigências descabidas. Mas eu sei que não posso deixar que ela manipule a situação dessa maneira.

Meu pai se foi há apenas seis meses, e se antes eu não tinha paz, quem dirá agora. Helena só foi um caso passageiro, um capítulo sombrio na vida tumultuada do meu pai. Ele nunca assumiu compromisso com ninguém, e eu mesma só a tinha visto nos bares locais, nunca fui apresentada a ela oficialmente ou a qualquer outra. 

Observo-a afastar-se, sua silhueta desaparecendo na escuridão da noite. Suspiro profundamente, o peso da sua presença ainda pairando no ar.

🧜🏾‍♀️

Precisava me recompor rapidamente para o evento de lançamento de carros naquela noite. Após um banho revigorante, Vesti rapidamente o uniforme para o evento: uma calça preta que abraçava minhas pernas e uma camisa branca de botão com alças de ombro que seguravam firmemente na calça, dando um toque de elegância ao conjunto. Prendi meu longo cabelo cacheado em um rabo de cavalo alto, deixando duas mechas soltas na frente para enquadrar meu rosto.

Optei por uma maquiagem básica, apenas o suficiente para rninguém no evento reclamar que eu estava sem. Embora não ganhasse muito como freelancer, cada pequeno trabalho era uma ajuda bem-vinda para minhas despesas crescentes. 

Com um último olhar no espelho para garantir que estava apresentável, peguei minha bolsa e me preparei para enfrentar mais uma noite. Saí de casa e peguei o ônibus que me levou para a outra parte da cidade,

Sentada na janela do ônibus, observei a paisagem mudar gradualmente, as ruas estreitas e movimentadas dando lugar a avenidas largas ladeadas por árvores imponentes e prédios suntuosas. Era um mundo distante do meu, um mundo de luxo e privilégios que parecia existir em uma realidade paralela à minha própria.

Enquanto o ônibus avançava pelas ruas iluminadas pelo brilho das lojas de grife e dos carros reluzentes, uma sensação de determinação cresceu dentro de mim. Eu era forte, eu tinha que ser. Era isso que eu me repetia enquanto o ônibus seguia seu caminho, rumo ao mundo desconhecido que me aguardava.

Já havia passado muitas coisas pela minha cabeça nessas noites. Recebi propostas, como o "book rosa", por exemplo, e sempre recusei. Mas até quando? Eu poderia viver com isso? Minha vida estava desmoronando a cada dia, e talvez aquela noite fosse diferente. Talvez fosse hora de reconsiderar minhas escolhas, de questionar até que ponto eu estava disposta a ir para sobreviver neste mundo implacável. A incerteza pairava no ar, misturada com a tentação de soluções fáceis e o medo do desconhecido.

Mas uma coisa era certa: eu tinha que sair daquela merda.

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