Tem um bebê entre nós
Tem um bebê entre nós
Por: Soupandaaa
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— Tô saindo! — grito para meu pai que está na cozinha. Saio antes mesmo de ouvir sua resposta, rumo a mais um dia de serviço.

Trabalho em um mercado bem famoso aqui do Rio de janeiro, consegui esse emprego por meio da popularidade do meu pai. Ele trabalha com administração de empresas e tem uma boa fama.

Minha mãe faleceu quando eu ainda era pequena, para ser sincera não me lembro de muita coisa. Sei apenas o que minha família me contou. Dizem que ela era uma super mãe. Protetora, carinhosa, cuidadosa, alegre e amava estar comigo e meu pai...

Tenho a sensação de que, mesmo depois de 15 anos, ele ainda sofre com a perda repentina dela, que se foi em um acidente de carro. Voltávamos da casa da minha vó quando tudo aconteceu. 

Meu pai perdeu o controle logo depois que outro carro entrou à sua frente. Nosso veículo capotou e, com o impacto, ela foi parar do outro lado do para-brisa. Ela havia acabado de me prender à cadeirinha, não teve tempo de colocar o próprio cinto de segurança. Fiquei com o braço quebrado e meu pai com uma perna no mesmo estado, além do pescoço lesionado, já minha mãe... Não preciso dizer mais nada.

O que me conforta quando penso no assunto é saber que ela não sentiu dor, morreu na hora, conforme disseram os médicos.

— Bom dia, princesa — observo Manuela.

— Bom dia — respondi sorrindo.

— Vamos cuidar que o dia hoje tá naquele pique, fia! — diz ela, saindo do provador.

Manu é minha melhor amiga. Temos a mesma idade e ela é simplesmente louca. Nos conhecemos aqui no trabalho cerca de seis meses atrás, ela entrou depois de mim e nos demos bem de cara. Ela é uma garota sonhadora e trabalhadora. Trabalha demais para ajudar tia Cida e tio João. Filha única, sabe a dificuldade que os pais tiveram e ainda tem para cuidar de tudo, até hoje. 

— Ai amiga, estou morta! — Manu diz sentando-se à minha frente — Ainda bem que hoje é sexta.

— Aff, nem me diga... Amanhã trabalharei de tarde, estará de folga? 

— Estarei, graças a Deus. Trabalho só no domingo até meio dia. — respondeu com um largo sorriso vitorioso no rosto.

— Sortuda...

— Que nada! O domingo é horrível, você sabe... Mas vem cá, e hoje? Baile confirmado? 

— Claro, pra onde mais poderíamos ir? — ri enquanto bebia o resto da vitamina que levara para tomar.

— Realmente... então faremos assim, vou com você na sua casa e depois vamos para minha! — Assinto, concordando. Manu se levanta e deposita um beijo em minha cabeça. — Quero beijar muito na boca hoje! — ri enquanto se afasta, completamente animada.

***

Depois que terminamos o turno, passamos em casa e coloco a roupa que usarei na bolsa e outra extra junto ao meu uniforme, afinal no dia seguinte irei direto da casa de Manu para o trabalho.

— Tenha cuidado — diz meu pai. Ele se aproxima e me dá um beijo na testa — Não beba muito e não aceite drogas — sorrio com sua preocupação carinhosa.

— Tudo bem pai — abraço- o de volta.

— Precisa se preocupar não, tio. Tá comigo, tá com Deus! — Meu pai olha para Manu e depois para mim, uma certa desconfiança passando por sua mente.

— Agora fiquei realmente preocupado — rimos — Se cuidem! 

Saímos e fomos direto para a casa da Manu. O caminho todo minha amiga foi contando para mim e o motorista de aplicativo sobre uma fofoca, a vizinha parecia ter sido pega com o melhor amigo do marido na cama. Entre uma conversa e outra chegamos em nosso destino, não sem antes dar uma bela olhadela na casa vizinha.

— Tia! — abracei dona Cida — Que saudades! — ela me abraçou forte e beijou meu rosto.

— Tu sumiste da minha casa, sua moleca. — Sorri em resposta — Não pensei que você era ingrata assim — disse me olhando torto, me fazendo sorrir ainda mais.

— Oh,Tia. A correria é tanta que mal vejo meu pai... E olha que moramos na mesa casa! 

— Imagino que seja. Observo o cansaço da Manuela diariamente — ela alisa meu cabelo conforme fala— Mas arrume um tempinho para vir me ver mais vezes, mocinha.

— Arrumarei, não se preocupe. 

Ficamos conversando por mais alguns minutos até que o pai de Manu aparece também.

— Oi tio! — abraço-o e ele retribui meu gesto de carinho.

— Olha quem apareceu! 

— Tava dizendo aqui, João... ela sumiu daqui de casa, até pensei termos feito algo errado.

— Longe disso, tia! Vocês são maravilhosos — sorrio para ambos — É porquê chego em casa, tomo banho e começo a estudar para o vestibular

— Fico feliz de observar a força de vontade de vocês. Manuela também tem se empenhado muito. — diz o homem, agora abraçando a filha.

Ficamos um pouco mais na cozinha conversando com eles. Logo o tio saiu e Manu deu um jeito de pegar minha mão e ir para o quarto dela, onde ficamos fofocando mais um pouco. 

Para o passeio da noite Manuela escolheu uma calça moletom preta e um cropped de renda na mesma cor, o look se completou com um tênis branco lindíssimo. Já eu escolhi um short jeans com um cropped preto de alças transpassadas, o tênis também escuro fechou o visual.

Assim que chegamos ao local do baile percebi que o ambiente, mesmo ao ar livre, estava completamente lotado. Som alto, pessoas bebendo, dançando, sorrindo... Sempre admirei a favela, pois o povo é unido como uma família grande e amorosa, é um por todos e todos por um. Ali me sentia confortável, sentimento completamente contrário à imagem passada pela Tv.

Paramos perto de um dos carros de som onde havia um grupo de pessoas, Manu segurou minha mão e me puxou em direção a eles.

— Cheguei rapaziada! — gritou ela, abraçando um por um. Haviam oito rapazes, sorri para eles como cumprimento, não fazia o tipo extrovertida como minha amiga.

— A princesinha apareceu — Luan, primo de Manu disse me abraçando — Se ligue aí, tropa. Essa é Ana Luíza, amiga da minha prima e é como da família, então sugiro que respeitem ela, véi. — Todos olham e sorriem.

— Louco... — digo, ainda sem jeito. Ele me entrega um copo com alguma bebida e me lembro de quando o conheci, em uma das reuniões na casa de Manuela. Um rapaz legal e bem bonito, devo admitir.

— Tia tava perguntando por tu — diz ele.

— Sei, já falei com eles — bebo o gole do líquido e sinto na hora todos os pelos do meu corpo arrepiarem. Vodca.

— Deixa eu te apresentar... — me puxa — Analu, esse é o baiano, ali está o Bigode, Duda, Lelé e o Dan — sorrio educadamente para todos, mas meus olhos pararam no Dan. Que caralho de homem bonito!

Mesmo sentado percebo que ele é alto, seus músculos são evidentes por conta da blusa branca justa ao corpo e seus olhos tão, mas tão penetrantes!

Ele me olha fixo e vejo um sorriso de lado em seus lábios antes de ele beber algo. Todos os sentidos do meu corpo entram em alerta. Sinto que, enquanto a sirene me manda correr, em simultâneo, implora para eu ir até ele para conhece-lo melhor. Contudo, me sento afastada dele, e o rapaz ao meu lado se aproxima.

— Sou Eduardo, porém pode me chamar de Duda — sorrio para ele.

— Analu. 

— Eu sei! Primeira vez em um baile funk?

— Está tão na cara? — ele ri ao concordar — Digamos que isso é muita coisa para mim...

— Você não parece curtir isso, então o que você faz para se divertir um pouco? 

Balanço os ombros:

— Leio — respondo e ele gargalha.

— Parece chato...

— Acredite, não é! — Digo negando com a cabeça, e Duda aproxima-se mais.

— De qualquer forma, veio ao lugar certo. Acredito que o povo da minha comunidade vai lhe mostrar o que é diversão! — ele gesticula com a mão para que eu olhe ao redor.

Vejo meninas dançando ou bebendo, rapazes atrás delas bebem. E enquanto observo, sinto estar sendo observada. Por algum motivo olho diretamente para Dan. Ele me encara de um jeito dominador e atraente, e sinto meus dedos formigarem, mas logo desvio o olhar.

— Amiga, vou ali e já volto... Me espere — diz Manu em meu ouvido e, antes de concordar, ela sai sozinha. Me sinto tentada a levantar e ir atrás dela.

— Ela já volta — diz Luan

— Enquanto isso... — Duda ergue uma garrafa com um lindo sorriso no rosto.

Por um segundo pensei em não aceitar, mas por que não aproveitar? Sorri para ele e estiquei o copo em sua direção. Ficamos por ali, bebi e acabei fumando também, após tanta conversa notei que Manuela ainda não voltara.

— Viu a Manu? — perguntei no ouvindo de Duda para o garoto pudesse me ouvir.

— Vi não, princesinha — respondeu ele tragando o baseado.

— Mas que merda... 

Me levantei e comecei a procurar por ela, mas sem sinal da garota. Notei Luan em um beco beijando uma menina e fui até lá, afinal ele poderia saber onde encontrar sua prima.

— Luan — chamei baixinho — Tu viu a Manu? — ele parou de beijar a garota assim que percebeu minha aproximação. Ela fez uma cara tão feia ao me olhar que me arrependi na hora

— Não véi, vi não — piscou e sorriu — Deve tá por aí... — respondeu e sem demora voltou a beijar a garota, que retribuiu com rapidez.

Era só o que me faltava, Manuela desaparecida e Luan drogado, aos amassos com outra, cagando para mim. Segui pelo caminho que viemos, e a cada passo ficava mais distante da multidão.

Conforme me distancia fui perdendo um pouco a noção do caminho, entrei em um beco um pouco escuro, afinal as casas já estavam com as luzes apagadas. Num lampejo de lucidez peguei meu celular e confirmei serem 3h30 da manhã. Como entraria na casa da Manu sem ela? Eu não tinha a chave, ficaria morta de vergonha se precisasse chamar seus pais e ainda ter de explicar que a vadia da Manuela me largou sozinha.

Começo a sentir o efeito do álcool em meu corpo. Minhas pernas parecem mais pesadas e meus olhos mais cansados do que nunca. A cada passo tenho que me preocupar em como entrar na casa da Manuela e também como manter meus pés firmes.

— Perdida? — olhei para trás e lá estava um homem. Mal vi seu rosto por conta da falta de luz, mas senti o medo crescer em meu peito: — Posso ajudar... — ele sorriu, mas não me senti confortável, em sua voz havia um tom de malícia — Bebeu demais foi, linda? — 

— Estou bem, obrigada — olhei para frente e agarrei meu celular com força.

— Acredito que você não sabe para onde está indo...—

Não respondi. Desbloqueei o aparelho, mas a merda desligou por falta de bateria.

— Venha, eu acho o caminho para você — senti sua mão em meu braço, ele me puxou para si e encarei-o de perto. Seu sorriso estava tão largo e seus olhos tão brilhantes que quase de imediato senti vontade de chorar.

— Por favor, me deixe ir — minha garganta queimou com o pedido.

— Deixarei, não se preocupe... — sorriu me empurrando contra a parede — Só quero me divertir um pouco antes, entende? 

— Não... — minha voz saiu como um sussurro.

Senti suas mãos subindo por minhas pernas e sua boca bem próximo ao meu pescoço. Sabia o que estava preste acontecer. Então empurrei-o e corri, mas não dei mais que dez passo antes que ele me pegasse, jogando meu corpo contra o pedaço de concreto mais uma vez.

— Não, não! — gritei, e ele colocou a mão suja em minha boca, apertando-a.

— Calada ou... — levantou a blusa para que eu pudesse ver a pistola em sua cintura — Ou já sabe, né? — finalizou deixando minha boca livre.

— Por favor, só me de... me deixa ir, não falarei nada a ninguém, prometo! — Imploro.

— Eu sei! — ele sorri — Mas não posso deixar você ir, quero me divertir um pouco — o homem aperta minha coxa esquerda, empurrei-o em reflexo mais uma vez, mas ele me segura com mais força — Você gostará... prometo, boneca.

Sinto as lágrimas queimarem meu rosto, continuei pedindo para que parasse, tudo em vão. Após prender minhas mãos atrás do corpo sinto sua mão indo para minha vulva, então...

— QUE PORRA É ESSA?! — me assusto com o grito. 

O homem, também assustado, me solta tão rápido que sinto minhas pernas quase falharem. Olhei para a direção de onde a voz vem, e reconheço meu salvador na hora. É o Dan, amigo do Luan. Ele me olha e praticamente corro em sua direção.

— Você está bem? — pergunta Dan me olhando toda. 

Nem uma palavra sai da minha boca, envolvo meus braços em meu corpo como se pudesse me proteger com o gesto. 

— Que merda estava fazendo, Ganso? — ele se aproxima do homem que a pouco me tocava sem permissão.

— Nada D-Daniel... Estávamos apenas nos divertindo, não era? — ele me olha e sinto que Daniel me observa esperando por uma resposta, mas apenas abaixo a cabeça.

— Suponho que não... — Daniel chega mais perto do rapaz — Você sabe o que sinto por estupradores, né? Você sabe o que realizamos com caras assim, não é? — Ganso se afasta de supetão.

— Não fiz nada — diz ele erguendo as mãos para o alto — Relaxe aí, comparsa — me assusto quando Daniel desfere um soco no rosto do homem.

— Vaza, filho da puta! — diz com desdém na voz — Não apareça em minha frente ou mato você! — Ganso não diz nada, apenas encara Daniel e depois a mim, antes de sumir por entre as vielas escuras. 

Sento no chão ali mesmo, sem me importar com mais nada, não quando meu corpo ainda está em completo pânico. Não quando ainda sinto as mãos daquele imundo em meu corpo.

— Você tá bem? 

— Não! — as lágrimas começam a cair sem que eu consiga controlar.

Daniel senta-se ao meu lado, mas não me olha. Respiro o mais fundo que consigo.

— Sinto muito por essa merda — falou — Aqui é como qualquer outro lugar. Existem pessoas boas e existem pessoas como Ganso. É revoltante de ver como filhos da puta como ele podem se aproveitar das mulheres. — Passei as mãos no rosto, enxugando as lágrimas que ainda caem — Novamente, sinto muito. Quero que saiba que aqui no morro não aceito esse tipo de merda. Desculpa ter demorado a chegar....

— Você não tem culpa. E... — Olho diretamente em seus olhos — Obrigada por me ajudar, se não fosse você, ele teria... — não consegui terminar a frase.

— Porque não chamou Luan ou até mesmo a Manuela? — Encaro a parede em minha frente.

— Não sei onde ela está. Você tem celular? Poderia me emprestar para ligar para ela? Preciso dela para entrar em casa... — Ele assente, me entregando seu aparelho em seguida, já em chamada. No visor um nome "Tetê"

— Tetê? — pergunto.

— Às vezes chamo ela assim.

Sorrio enquanto aguardado ser atendida, mas a ligação continua caindo na caixa postal. Engulo a raiva que sinto e entrego o celular de volta para ele.

— Puta merda. Desligado. — Encosto na parede atrás de mim.

— Onde você mora? — pergunta Daniel;

— Perto da Barra da Tijuca — ele faz uma careta — Que foi? 

— Não posso levar você lá — diz por fim. — É o seguinte, te

m minha casa. Você pode dormir lá e amanhã cedo vai para a casa da Manu. — encaro seus lindos olhos e ergueu uma das mãos — Eu tô mandando a ideia, mas se quiser dormir na rua, você que sabe... — balança os ombros. 

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