Capítulo 2 — O Diabo que Me Roubou

POV Sophia Sinclair

A venda apertava meus olhos. A respiração vinha curta. O chão sob meus pés era liso, gelado. As mãos atadas atrás do corpo queimavam.

— Solta... por favor... — sussurrei, desesperada.

Passos. Risadas.

— A patricinha tá apavorada — disse um, rindo.

— E com razão — outro respondeu. — Essa menina vale fácil uns cinquenta mil no mercado europeu.

Meu estômago revirou.

— Cinquenta? Tá maluco? Essa aqui é nível leilão em Dubai. Daria o triplo só pela pele limpa.

— E se a gente se divertisse antes?

O silêncio foi pior que qualquer resposta. Um deles se aproximou.

— Encosta em mim e eu grito — ameacei.

— Acha que alguém vai ouvir?

Um dedo encostou na minha bochecha. E foi ali que eu quebrei.

— NÃO! NÃO ENCOSTA EM MIM! NÃO FAZ ISSO! — gritei, minha voz rasgando a garganta.

As lágrimas escorriam. Eu tremia inteira.

Então, tudo parou. Um estrondo. Um corpo arremessado.

— Eu avisei que era pra só assustar.

A voz veio fria. Mortal. Matthias Kane.

— Você encostou nela?

Silêncio mortal.

— Eu perguntei uma vez.

— Só... só uma provocação... não fiz nada...

Outro golpe. Um grito.

— Ninguém encosta no que é meu.

O veneno na voz dele queimava mais que qualquer faca.

— Soltem as mãos dela. — Em segundos, as cordas caíram. — Tire a venda.

A luz me cegou. E então eu vi.

Ele.

Matthias Kane.

Terno escuro, gravata solta, sangue escorrendo da mão.

— Você...? — sussurrei. — Foi você?

— Sim.

— Você me sequestrou?

Ele cruzou os braços.

— Eu te dei ordens, Sophia. Você escolheu ignorar.

— Então me jogar num pesadelo era a solução? — gritei.

Ele se aproximou. Parou a centímetros.

— Você acha que o mundo é gentil porque cresceu olhando Manhattan do alto.

— Você me aterrorizou, Matthias! — As lágrimas voltaram. — Eu achei que ia morrer, ser vendida, ser…

O olhar dele oscilou. Culpa, raiva, dor. Mas não recuou.

— Se eu não tivesse chegado, alguém teria feito isso de verdade. Você acha que pode andar livre, ignorar ordens, rir na cara de quem move a cidade?

Ele se inclinou. A boca perto demais.

— Seu pai me pediu uma única coisa. E até agora, eu cumpri.

Eu franzi o cenho, confusa. Mas antes que pudesse perguntar, ele sussurrou.

— Da próxima vez que me ignorar… o castigo não será tão gentil.

Eu quis socar. Gritar. Mas não fiz.

Porque, no fundo, uma parte doente de mim sabia: ele estava certo.

Ele olhou o homem ferido no chão.

— Levem esse verme. Nunca mais encostem em nada meu.

Então, virou pra mim.

— A partir de agora, Sophia… você não mora mais em Manhattan. Você mora sob minha vontade.

Eu soube. O inferno tinha endereço. E eu acabava de me mudar pra dentro dele. Mas mesmo com o corpo tremendo, eu não consegui calar.

— Você é um monstro — cuspi, minha voz falhando. — Um monstro disfarçado de salvador.

Ele não respondeu. Só me olhou, os olhos cinzentos queimando com algo que eu não sabia nomear.

— Você acha que me protegeu? — continuei, rindo, mas o riso saiu quebrado. — Você me quebrou, Matthias. Você me deixou com medo de respirar.

Ele deu um passo, depois outro. Parou tão perto que eu podia sentir o cheiro metálico do sangue na mão dele.

— Olha para mim — ordenou, a voz baixa.

Eu mantive os olhos no chão, tremendo.

— Sophia. — Mais firme, mais fundo, como uma lâmina cortando ar. — Olha. Para. Mim.

Levantei o rosto, contra a vontade. Ele segurou meu queixo com firmeza, mas sem machucar.

— Eu sou o monstro que você precisa para continuar viva. — A voz era baixa, mortal. — Não ouse esquecer isso.

As lágrimas desceram. Eu tremi inteira, sentindo o peito se fechar.

— Eu te odeio. — Minha voz saiu tão pequena que parecia uma criança perdida. — Eu te odeio com cada célula do meu corpo.

Ele aproximou a testa da minha. O toque era quente, intenso, quase humano.

— Melhor assim. O ódio mantém você alerta. O amor… mata.

Eu prendi a respiração. Por um segundo, eu achei que ele fosse me beijar. Eu achei que finalmente quebraríamos tudo. Mas não. Ele se afastou. Devagar. Quase com dor.

Ele virou de costas, a mão manchada de sangue pendendo ao lado do corpo.

— Preparem o quarto dela. Quero segurança dobrada. — A voz ecoou pela sala, fria como gelo.

Ele parou na porta.

— Sophia… — falou, sem olhar pra trás. — Da próxima vez que desafiar uma ordem, não vai sobrar nada de você pra eu salvar.

E então, desapareceu.

POV Matthias Kane

A porta fechou. O silêncio caiu como um caixão. Eu apoiei a mão no corrimão do corredor. A mesma mão ainda suja com o sangue do verme que ousou tocá-la. Odiava sentir. Odiava querer. Odiava… ela.

Ela era caos. Luz demais. Barulho demais. Vida demais. E eu? Eu era o fim de tudo.

"Seu pai me pediu uma única coisa, Matthias. Proteja minha filha. Mas não a toque. Não a queira." A promessa soava na minha cabeça como um mantra quebrado. Eu a quebrei. Já quebrei, mesmo sem encostar nela. Porque cada olhar, cada palavra, cada vez que penso em rasgar aquelas regras e fazer dela o meu maior erro… eu já traí, faz um ano que Sophia despertou algo em mim...

Ela acha que me odeia. Ela não sabe. Eu odeio a mim mesmo o dobro.

Meu punho se fechou. A ferida latejou. A lembrança da pele dela, do cheiro, do medo nos olhos. Eu deveria odiar o medo. Mas eu odiei o quanto aquilo me fez querer puxá-la para mim, limpar cada lágrima… e ao mesmo tempo, marcá-la como minha. Eu voltei pro quarto. Parei na porta. O cheiro dela estava no corredor, impregnado como veneno.

"Proteja-a. Não a toque. Não a queira." Mas eu queria. Eu queria. Eu queria tanto que doía mais do que qualquer bala já entrou no meu corpo.

Fechei os olhos. Respirei fundo.

Odiava fraquezas.

E ela era a maior de todas.

Continue lendo este livro gratuitamente
Digitalize o código para baixar o App
Explore e leia boas novelas gratuitamente
Acesso gratuito a um vasto número de boas novelas no aplicativo BueNovela. Baixe os livros que você gosta e leia em qualquer lugar e a qualquer hora.
Leia livros gratuitamente no aplicativo
Digitalize o código para ler no App