POV Sophia Sinclair
A venda apertava meus olhos. A respiração vinha curta. O chão sob meus pés era liso, gelado. As mãos atadas atrás do corpo queimavam.
— Solta... por favor... — sussurrei, desesperada.
Passos. Risadas.
— A patricinha tá apavorada — disse um, rindo.
— E com razão — outro respondeu. — Essa menina vale fácil uns cinquenta mil no mercado europeu.
Meu estômago revirou.
— Cinquenta? Tá maluco? Essa aqui é nível leilão em Dubai. Daria o triplo só pela pele limpa.
— E se a gente se divertisse antes?
O silêncio foi pior que qualquer resposta. Um deles se aproximou.
— Encosta em mim e eu grito — ameacei.
— Acha que alguém vai ouvir?
Um dedo encostou na minha bochecha. E foi ali que eu quebrei.
— NÃO! NÃO ENCOSTA EM MIM! NÃO FAZ ISSO! — gritei, minha voz rasgando a garganta.
As lágrimas escorriam. Eu tremia inteira.
Então, tudo parou. Um estrondo. Um corpo arremessado.
— Eu avisei que era pra só assustar.
A voz veio fria. Mortal. Matthias Kane.
— Você encostou nela?
Silêncio mortal.
— Eu perguntei uma vez.
— Só... só uma provocação... não fiz nada...
Outro golpe. Um grito.
— Ninguém encosta no que é meu.
O veneno na voz dele queimava mais que qualquer faca.
— Soltem as mãos dela. — Em segundos, as cordas caíram. — Tire a venda.
A luz me cegou. E então eu vi.
Matthias Kane.
— Você...? — sussurrei. — Foi você?
— Sim.
— Você me sequestrou?
Ele cruzou os braços.
— Eu te dei ordens, Sophia. Você escolheu ignorar.
— Então me jogar num pesadelo era a solução? — gritei.
Ele se aproximou. Parou a centímetros.
— Você acha que o mundo é gentil porque cresceu olhando Manhattan do alto.
— Você me aterrorizou, Matthias! — As lágrimas voltaram. — Eu achei que ia morrer, ser vendida, ser…
O olhar dele oscilou. Culpa, raiva, dor. Mas não recuou.
— Se eu não tivesse chegado, alguém teria feito isso de verdade. Você acha que pode andar livre, ignorar ordens, rir na cara de quem move a cidade?
Ele se inclinou. A boca perto demais.
— Seu pai me pediu uma única coisa. E até agora, eu cumpri.
Eu franzi o cenho, confusa. Mas antes que pudesse perguntar, ele sussurrou.
— Da próxima vez que me ignorar… o castigo não será tão gentil.
Eu quis socar. Gritar. Mas não fiz.
Ele olhou o homem ferido no chão.
— Levem esse verme. Nunca mais encostem em nada meu.
Então, virou pra mim.
— A partir de agora, Sophia… você não mora mais em Manhattan. Você mora sob minha vontade.
Eu soube. O inferno tinha endereço. E eu acabava de me mudar pra dentro dele. Mas mesmo com o corpo tremendo, eu não consegui calar.
— Você é um monstro — cuspi, minha voz falhando. — Um monstro disfarçado de salvador.
Ele não respondeu. Só me olhou, os olhos cinzentos queimando com algo que eu não sabia nomear.
— Você acha que me protegeu? — continuei, rindo, mas o riso saiu quebrado. — Você me quebrou, Matthias. Você me deixou com medo de respirar.
Ele deu um passo, depois outro. Parou tão perto que eu podia sentir o cheiro metálico do sangue na mão dele.
— Olha para mim — ordenou, a voz baixa.
Eu mantive os olhos no chão, tremendo.
— Sophia. — Mais firme, mais fundo, como uma lâmina cortando ar. — Olha. Para. Mim.
Levantei o rosto, contra a vontade. Ele segurou meu queixo com firmeza, mas sem machucar.
— Eu sou o monstro que você precisa para continuar viva. — A voz era baixa, mortal. — Não ouse esquecer isso.
As lágrimas desceram. Eu tremi inteira, sentindo o peito se fechar.
— Eu te odeio. — Minha voz saiu tão pequena que parecia uma criança perdida. — Eu te odeio com cada célula do meu corpo.
Ele aproximou a testa da minha. O toque era quente, intenso, quase humano.
— Melhor assim. O ódio mantém você alerta. O amor… mata.
Eu prendi a respiração. Por um segundo, eu achei que ele fosse me beijar. Eu achei que finalmente quebraríamos tudo. Mas não. Ele se afastou. Devagar. Quase com dor.
Ele virou de costas, a mão manchada de sangue pendendo ao lado do corpo.
— Preparem o quarto dela. Quero segurança dobrada. — A voz ecoou pela sala, fria como gelo.
Ele parou na porta.
— Sophia… — falou, sem olhar pra trás. — Da próxima vez que desafiar uma ordem, não vai sobrar nada de você pra eu salvar.
E então, desapareceu.
POV Matthias Kane
A porta fechou. O silêncio caiu como um caixão. Eu apoiei a mão no corrimão do corredor. A mesma mão ainda suja com o sangue do verme que ousou tocá-la. Odiava sentir. Odiava querer. Odiava… ela.
Ela era caos. Luz demais. Barulho demais. Vida demais. E eu? Eu era o fim de tudo.
"Seu pai me pediu uma única coisa, Matthias. Proteja minha filha. Mas não a toque. Não a queira." A promessa soava na minha cabeça como um mantra quebrado. Eu a quebrei. Já quebrei, mesmo sem encostar nela. Porque cada olhar, cada palavra, cada vez que penso em rasgar aquelas regras e fazer dela o meu maior erro… eu já traí, faz um ano que Sophia despertou algo em mim...
Ela acha que me odeia. Ela não sabe. Eu odeio a mim mesmo o dobro.
Meu punho se fechou. A ferida latejou. A lembrança da pele dela, do cheiro, do medo nos olhos. Eu deveria odiar o medo. Mas eu odiei o quanto aquilo me fez querer puxá-la para mim, limpar cada lágrima… e ao mesmo tempo, marcá-la como minha. Eu voltei pro quarto. Parei na porta. O cheiro dela estava no corredor, impregnado como veneno.
"Proteja-a. Não a toque. Não a queira." Mas eu queria. Eu queria. Eu queria tanto que doía mais do que qualquer bala já entrou no meu corpo.
Fechei os olhos. Respirei fundo.