Capítulo V

Milena Bianco.

   — Mi, você não tem algo para contar pra gente? — Henrique chama a minha atenção, me retirando de meus devaneios, enquanto permaneço perdida, olhando para o teto. 

   — O que? — pergunto, mas sabendo muito bem onde meu amigo quer chegar. 

   — O que será né, Milena? O que será? — Anna ironiza, deixando um leve, porém doído, tapa em minha testa. 

   — É lógico que nós estamos querendo saber o que a Clara queria com você hoje na hora da saída... você não contou nem pra mim que estava lá perto com você. — Alexia dá de ombros. — Ou você está pensando em não contar pra gente em, senhorita Milena Bianco?

   — É lógico que eu vou contar, né? — me sento, passando a escorar minhas costas no sofá. — Só não disse nada por mensagem porque sabia que iríamos nos ver hoje. — dessa vez, quem dá de ombros sou eu. 

   — Então fala logo, criatura! — Valentina diz, impaciente. Curiosos? Nenhum pouco. — Vamos, Milena! Vai matar a gente de curiosidade! 

   — Calma, galera. Então, eu disse que a Clara tem um filho e que isso me pegou meio de surpresa, né? — pergunto e meus amigos concordam, me encarando como se estivesse assistindo algum filme de suspense. — Então, o garoto é uma graça e, segundo ela, gostou muito de mim... eu também gostei muito dele, faz umas duas semanas que ele me viu pela primeira vez e já me chama de “tia Mi”. — sorrio, me lembrando do apelido que Heitor me colocou. — Enfim, o que aconteceu é que ela me chamou para sair com eles amanhã à tarde, só isso. 

Chega à ser engraçada a expressão dos meus amigos, todos eles ficam em silêncio por alguns segundos, apenas me olhando, boquiabertos. Meu Deus, como são bobos! 

   — E você vai, né? — Henrique é o primeiro a perguntar.

   — Lógico! — tomo um pouco da minha cerveja. — Acha que eu perderia a chance? Ainda nem fui e já estou achando tudo surreal! Imagina uma tarde inteirinha ao lado de Clara e melhor, fora do colégio?!

As próximas horas se passam comigo ouvindo piadinhas bobas vindas de meus amigos, mas eu não me importo com nenhuma delas. Meu humor se encontra tão bom que, nem as coisas mais bestas ditas hoje, me farão parar de sorrir feito uma idiota e imaginar a tarde perfeita que terei amanhã ao lado de Clara e Heitor. 

A verdade é que quando Clara me convidou para o passeio com ela e seu filho, eu senti meu coração bater com tanta força, porque eu, simplesmente não esperava aquilo, em minha cabeça só ecoava a palavra "sim", mas minha voz simplesmente não saía. Eu travei e acho que ficaram bem explícitos os efeitos que essa mulher me causa. Céus,  onde e quando eu iria imaginar que isso um dia iria acontecer? Em que momento iria passar pela minha minha mente que, Clara Herrera, a mulher mais linda e mais maravilhosa que eu conheço (mamãe que não me ouça!) iria me convidar para um programa com seu adorável filho, que por acaso, quase me faz querer apertá-lo à todo instante por ser tão fofo?

   — Gente, está tudo muito bom, o papo está legal, mas já deu a minha hora. — Henrique se levanta. — Milena, depois conta para a gente como foi seu encontro com a professora Herrera. 

   — Não é um encontro, Rick. — rebato, sem graça. 

   — Nós vamos aproveitar que o Rick está indo e vamos embora também, precisamos levantar cedo para ajudar o papai na loja amanhã. — Anna se levanta, puxando a irmã que está sentada ao seu lado. — Mi, não se esqueça, amanhã nós iremos querer saber todos os detalhes, ok? 

— Ah, e vê se não dá muito na cara que você é completamente rendida por ela, tá bom? Segura sua onda, se não ainda vai assustar a mulher. — Cecília diz, também se levantando. — No mais, boa sorte e aproveita a tarde, amiga.

   — Obrigada Ceci. Tchauzinho, meninas. E Rick, cuida delas no caminho, beleza? — o único garoto entre nós acena concordando. — Pode deixar que depois eu conto tudo para vocês. 

Henrique, Anna, Valentina e Cecília se vão, ficando apenas eu e Alexia, que se levanta e me estende a mão para que eu faça o mesmo. Minha amiga me ajuda a juntar a pequena bagunça que restou na sala da minha casa e em seguida, subimos para o meu quarto, já é bem tarde e eu estou começando a sentir o sono chegar. Pego meu pijama de estampa da Mulher Maravilha, que aliás, é o meu preferido e deixo Alexia escolher algo para se vestir

   — Só não vai imaginar que eu sou a professora Herrera e me agarrar aqui na cama de madrugada viu, Milena? — Alexia se joga na cama, abraçando um dos meus travesseiros. 

   — Eu deveria te colocar pra dormir no chão, Alexia!  — reviro os olhos. — Chega pra lá, larga de ser espaçosa, garota!  — a empurro. 

Ainda ficamos acordadas, conversando por quase mais uma hora, até realmente sermos vencidas pelo cansaço e Alexia ser a primeira à pegar no sono, acontecendo o mesmo comigo logo em seguida. 

(. . .)

Acordar sem o tilintar irritante do despertador deveria ser considerado a oitava maravilha do mundo. De verdade, isso contribui em cem por cento para a elevação do meu humor, quer dizer, sem contar que hoje eu tenho um motivo a mais para estar com o humor lá nas alturas, né? Não apenas de bom, mas com um ótimo, maravilhoso, excelente humor. Finalmente, é sábado. E sábado é o dia em que vou ter uma tarde maravilhosa ao lado de Clara Herrera e seu adorável garoto, Heitor.

   — Sua cama é tão gostosa, Milena. — ouço a voz sonolenta de Alexia, interrompendo meus pensamentos. — Se você não gostasse da professora Herrera, eu poderia até pensar em tentar te seduzir só pra dormir nessa maravilha aqui sempre. — diz, ainda de olhos fechados, abrindo seus braços, ocupando quase a cama toda. 

   — Ai como você é espaçosa, Alexia! Sua boba. — me levanto, esticando meu corpo de maneira preguiçosa.  — Uau, nem acredito que já são dez e meia!

   — Dez e meia?! — Alexia, finalmente, abre os olhos. — Meu Deus! E eu ainda estou morrendo de sono! Dormiria por mais umas três horas, tranquilamente. 

   — Dez e trinta e dois, na verdade. — falo, enquanto me encaminho ao banheiro. — Alexia, você parece ter nascido grudada em uma cama e em um travesseiro, nunca vi gostar de dormir assim, garota.  

Depois de fazermos nossas higienes matinais e trocarmos de roupa, eu e Alexia deixamos meu quarto e vamos para a sala, onde encontro minha mãe brincando com Phellipe que, assim que me vê, se anima, engatinhando em minha direção. Sorrio boba, o pegando em meu colo, me aproximando de Estella. 

   — Bom dia, meninas. — minha mãe sorri, se levantando do sofá e deixa um beijo na bochecha de cada uma de nós. 

   — Bom dia, mamãe. Bom dia, meu pirralho. — brinco com os cabelos de Phellipe que, a esse momento, já quer trocar de colo, estendendo os braços para Alexia. 

   — Bom dia, tia Estella. — Alexia sorri. — Ei Lipe, você está crescendo muito rápido, sabia disso? — enche o menino de beijos, o apertando num abraço. — Quem é o rapazinho mais lindo desse mundo, em? — ergue meu irmãozinho no ar, lhe arrancando algumas risadas. 

   — Vão lá tomar café da manhã, andem. — minha mãe diz, nos empurrando delicadamente rumo à cozinha. — Alexia, você fica para almoçar com a gente?

   — Infelizmente não, tia. Preciso ajudar a vovó no restaurante. — nos sentamos à mesa. 

Eu e Alexia tomamos nosso café da manhã e logo depois, após uma ligação da avó, minha amiga vai embora. Assim que nos despedimos, eu volto para o meu quarto, afim de ajeitar a pequena bagunça que há no mesmo. A verdade é que, eu não quero ficar parada, pois assim, o tempo parece correr mais de vagar e a cada minuto que passa, eu me sinto mais ansiosa e nervosa para meu compromisso da tarde. Ok, eu sei que não é um encontro, ou algo do tipo, tenho consciência disso, mas é ela, Clara Herrera e qualquer coisa que tenha essa mulher no meio, tem tudo para me desestabilizar, de um jeito bom, é claro. 

(. . .)

Mesmo com as horas passando arrastadas, finalmente a tarde chega e, enfim, chega também, o momento de começar a me arrumar. Começo pelo banho e, querendo ou não, enquanto estou debaixo do chuveiro, minha mente começa a voar longe, criando cenas bobas em minha mente, planejando coisas que eu sei muito bem, que estão longe de acontecer. Céus, por mais que eu nunca tenha parado a minha vida em função desse sentimento que eu tenho nutrido por Clara, principalmente desses tempos para cá, eu tenho pensado muito nessa mulher e juro, queria apenas uma chance de ficar próxima à ela, de mostrar o que eu sinto. 

Porém, em contrapartida à todos esses meus pensamentos que teimam em me fazer crer que nós podemos sim estar nos aproximando, mesmo que pouco, eu sinto que, de maneira alguma isso faz sentido. Clara nunca se envolveria com um aluno e quem dirá, com uma aluna e sem contar o fato que, provavelmente, ela me vê como uma criança, ou sei lá, algo do tipo. Deus, eu só queria aquela morena para mim! Será que é pedir demais?

Balançando a cabeça em negativa, procurando me livrar do excesso de pensamentos, volto à focar minha atenção em meu banho, sem pensar em nada que me auto-sabote. Depois disso, não demoro mais que quinze minutos para sair do banheiro e estar de volta ao meu quarto, partindo para uma difícil missão, na minha opinião, a mais complicada delas, eu diria: escolher o que vestir. 

Socorro! 

Fico encarando minhas roupas, na esperança de que alguma delas se destaque voluntariamente e me tire dessa cruel dúvida. Mas, como isso não acontece, escolho uma blusa de alças finas, na cor de creme, uma calça jeans e para terminar de compor, calço meus adorados All Star e por fim, deixo meus cabelos soltos para secarem naturalmente. E agora, depois de, finalmente, estar pronta, tenho a leve sensação de que vou explodir de tão ansiosa que estou. 

   — Vai sair, minha filha? — mamãe pergunta quando eu apareço na sala. 

   — Vou dar uma volta com uma amiga... — sorrio meio nervosa por ter ficado tão ansiosa que, simplesmente, esqueci de falar sobre o passeio com a minha mãe. — posso? A gente vai apenas no parque, nada demais, eu juro. 

   — Pode sim, mas da próxima vez, lembre de me avisar antes, ok? — aceno de maneira positiva. — Juízo, em?! Não demora, te quero em casa antes do jantar. — manda um beijo no ar. 

   — Pode deixar. Tchauzinho, mãe. Até logo. — mando um beijo de volta. 

O parque não é tão longe, no máximo meia hora de caminhada e por isso decido ir andando mesmo, bom que tento, de alguma forma, dissipar um pouco esse nervosismo que insiste em fazer minhas mãos suarem e meu coração bater no ritmo de uma escola de samba. Sem muita demora, na companhia de meus fones de ouvido, tocando minha playlist preferida, logo chego ao local. Me sento em um banco e fico a espera de Clara e Heitor.

Exatamente quatro minutos depois, vejo o carro de Clara sendo estacionado do outro lado da rua. No mesmo segundo, eu me ajeito no banco e nem disfarço a minha cara de boba quando a morena se aproxima. Meu Deus, como essa mulher, a cada dia, consegue parecer ainda mais linda?

Meus pensamentos são interrompidos ao sentir Heitor abraçando as minhas pernas. Me abaixo, ficando de sua altura. 

   — Olá garoto! — brinco com seus cabelos e recebo um estralado beijo na bochecha. — Oi, professora... quer dizer, oi Clara. — me levanto e lanço um sorriso à mulher, que logo retribui. 

   — Tia Mi! Você veio mesmo! — fala de forma animada. 

   — É lógico! Acha mesmo que eu perderia uma tarde legal dessas? —  pergunto e o garotinho acena de forma negativa, enquanto pula de um lado pro outro. Quanta energia! 

   — Oi, Milena. — a morena diz, chamando minha atenção.  — Heitor ficou muito feliz quando soube que você iria nos acompanhar em nosso passeio. 

   — E eu fiquei muito feliz com o convite. — sorrio, sentindo minhas bochechas corarem. — Então, onde nós vamos? 

   — A gente vai passear e brincar no parque e depois vai tomar sorvete. — é Heitor quem me responde, falando de sua forma infantil e extremamente adorável. — Heitor quer brincar lá no parquinho de madeira!

Heitor corre em direção ao parquinho, que fica bem perto de onde estamos. O garotinho sobe no escorregador e logo chama a nossa atenção. E é impossível não sentir vontade de morder essa criaturinha que consegue chegar ao extremo da fofura, fazendo com que eu me segure para não apertá-lo entre nossas brincadeiras. Assim que me aproximo, o pequeno sai do outro lado do escorregador. Sorri de forma sapeca e sai correndo mais uma vez.

   — Ah, então você quer que eu pegue você?!? — pergunto e o garotinho concorda, apenas acenando, enquanto corre em minha frente. — Então eu vou pegar o Heitor! — falo um pouco mais alto, tendo como resposta uma gostosa gargalhada. 

Corro atrás do menino que, enquanto se acaba em risadas e se esquiva de meus braços. Depois de alguns minutos nessa mesma brincadeira, correndo para lá e para cá, eu consigo pegá-lo, fazendo cócegas em sua barriga. Não vi que Clara havia se aproximado, e é quando olho para cima, que meu coração quase transborda ao ver o sorriso radiante que está presente em seu rosto. 

Heitor logo se dispersa e corre rumo à outro brinquedo do parque e eu me sento em um dos bancos, onde alguns segundos depois, tenho Clara sentada ao meu lado. 

   — Ele adorou você. — a morena diz, sem tirar sua atenção de onde o menino brinca.

   — Eu também gostei muito dele. Heitor é um poço de fofura. — sorrio, o olhando também. 

   — Ele me disse que você tem um irmão, qual a idade dele? — passa a me olhar, voltando sua atenção à mim. 

   — Phellipe tem um ano e meio. — digo, retirando o celular do bolso de minha calça jeans. 

   — Que lindo! — diz quando mostro a foto de Phellipe na tela de bloqueio do meu celular. — Vocês se parecem muito. — completa, se ajeitando no banco. — E então,  você está gostando de trabalhar lá na livraria? 

Pelo visto Clara Herrera também gosta de colocar três assuntos de uma vez em uma única conversa, é isso?

   — Sim, muito! — guardo o celular novamente. — Sempre gostei de livros e para mim, trabalhar assim, tão pertinho deles e poder trocar informações sobre eles com as pessoas é muito bom... além do ambiente da livraria ser bem aconchegante e seu pai ser um amor de pessoa. 

   — Eu também gosto muito de livros, ler é um dos meus passatempos preferidos. — o sorriso dessa mulher ainda vai me fazer explodir. Socorro! — Fui praticamente criada naquela livraria, é lógico que era diferente, tudo mais simples... mas assim como Heitor gosta muito, eu adorava ir lá passar as tardes com meu pai. 

   — Imagino, lá tem uma energia muito gostosa, até quando está movimentado, transpassa ser um lugar bem calmo. — ela concorda, acenando. — Qual tipo de livro a senhora gosta?

   — Para de me chamar de senhora, Milena! — fala e eu posso sentir minhas bochechas esquentarem. — Mas, voltando à sua pergunta, eu gosto de ler quase de tudo. Mas, para mim, nada se compara a um romance bem água com açúcar, daqueles bem melosos, sabe? 

   — Sério?!? — não escondo meu espanto com a informação. 

   — Sim! — me olha com uma falsa expressão indignada, cruzando seus braços na altura do peito. — Não vai me dizer que eu não tenho cara de quem gosta desse tipo de livro!?

   — Se eu disser que realmente não parece, vai ficar brava comigo? — brinco, vendo a mulher me olhar, agora de um jeito sério. 

   — Sim, e muito!  — estreita os olhos e eu me seguro para não rir. — Por trás desse batom vermelho aqui e dessa carinha séria, pode ter certeza que há uma pessoa que se derrete toda por um romance bem clichê. — aponta para seu próprio rosto e eu acabo me desmanchando num sorriso, quase mesmo sem perceber. 

Meu Deus! Meu Deus! Meu Deus! Eu quero essa mulher para mim! Eu não tenho o mínimo de condições, não são nem meia hora aqui e eu já sinto que meu coração pode explodir em mil pedacinhos, à qualquer momento. 

   — Mamãe, mamãe, mamãe! — Heitor se aproxima correndo. — Vem brincar comigo, vem!  

Assim que Clara se levanta, Heitor se encarrega de me puxar também e então, seguimos o garotinho que corre empolgado pela grama verde, vez ou outra, se escondendo atrás de alguma árvore. O pequeno Heitor parece não se cansar, ficamos por quase uma hora brincando com o menino, o auxiliando no parquinho, ou de olho, enquanto ele se diverte com alguma outra criança. E eu, apesar de no início, quase ter dado um treco quando recebi o convite de Clara, agora sinto que tudo vai muito além disso, muito além de uma simples tarde com a crush dos sonhos, é simplesmente maravilhoso poder ver esse lado de Clara tão de pertinho e mais ainda, dessa forma em que ela está fazendo com que eu me sinta tão à vontade com ela e com Heitor. E sem contar que, ver esse amor que exala da relação dela e do filho, consegue deixar meu coração tão quentinho, me dá um sentimento tão bom. E poder conhecer essa Clara Herrera que vai além dos portões do colégio, me causa uma sensação tão boa, tão gostosa, que eu não sei nem explicar. Só sei dizer que é lindo!

   — Tia Mi, não está me escutando, né? — sinto Heitor puxando a barra de minha blusa, chamando minha atenção. 

   — Senhorita Milena Bianco e sua cabecinha no mundo da Lua. — Clara brinca, tocando meu ombro. 

   — Desculpa... — sorrio sem graça. — eu perdi alguma coisa? 

   — Agora a gente vai tomar sorvete! — aponta rumo ao shopping, que fica do outro lado da rua. 

Heitor anda na nossa frente, ora pulando, ora mostrando alguma coisa na rua. Logo chegamos em nosso destino, a sorveteria fica no primeiro andar mesmo e assim que nos aproximamos do local, o pequeno corre para fazer o seu pedido. Eu e Clara chegamos logo depois e o acompanhamos até a mesa que ele mesmo escolhe.

    — Mamãe, a tia Mi pode ir lá em casa? — Heitor pergunta, após alguns minutos em silêncio se deliciando com seu sorvete. 

Eu e Clara nos entreolhamos e ela sorri de canto. Eu poderia simplesmente aceitar. Nossa, seria lindo, ótimo, maravilhoso poder conhecer a casa de Clara e, consequentemente, mais um pouquinho dela. Mas eu não quero ser invasiva, e além de tudo, aqui dentro de mim, eu sei que essa tarde já será o suficiente para que eu me iluda por, pelo menos, mais um mês. 

  — Um outro dia a gente combina, garoto. — sorrio. — Assim vocês vão acabar enjoando da minha cara. — brinco, vendo a morena acenar de forma negativa, enquanto pega uma colherada de seu sorvete.

   — Não diga isso, Milena! Você é uma ótima companhia. — Meu Deus! Será que você pode falar isso de novo, por favor? — Mas sim, podemos combinar outro dia. Pode ser, Heitor?  — o menino concorda.

   — Não demora então, mamãe! — a criança com a boca lambuzada de sorvete de chocolate, levanta o indicador e diz de forma séria. — Ela precisa conhecer a minha super coleção de super heróis. E eu quero mostrar pra ela a nossa casa na árvore! — sussurra essa última frase, como se contasse um segredo. — Tia Mi, você sabia que eu tenho uma casa na árvore? — pergunta, voltando a me olhar. 

   — Sério?! — ele concorda várias vezes, me fazendo sorrir. — Que legal! Eu sempre tive vontade de ter uma casa na árvore!

   — Lá é muito legal! — conta, empolgado. — Fica lá no alto e foi minha mamãe e meu papai que mandaram fazer pra mim. — sorri para Clara, mas logo em seguida, volta sua atenção à mim. — Você conhece o meu papai? 

   — Sim, eu conheço. — olho para Clara que se ajeita em sua cadeira, parece um pouco desconfortável. — Mas e então, você já vai pra escolinha, não vai? Me conta, você gosta? Tem muitos amiguinhos lá? 

Ouço a professora Herrera suspirar profundamente e, de relance, vejo ela fechar seus olhos, enquanto joga seus cabelos para trás, respirando fundo mais uma vez. Depois, ela olha para mim e me lança um pequeno sorriso de canto, como se dissesse um "obrigada" e, em resposta, eu apenas sorrio, acenando levemente a cabeça e volto minha atenção para Heitor.

   — Eu tenho muitos amiguinhos e gosto da escolinha. Lá eu brinco muito, e canto, e desenho, e a gente pinta também... — Heitor fala mais com gestos do que com a boca e isso chega a ser até meio engraçado. — E você tia Mi, brinca muito lá na sua escolinha? — eu quero muito morder esse garoto, alguém me segura!

   — Ah, bem que eu queria, Heitor... — ouço uma risada vinda de Clara. — mas lá é um pouquinho diferente. 

A conversa transcorre de forma bem agradável e dura por mais de meia hora, até que em determinado momento, o garotinho sai de seu lugar e se aninha no colo de Clara. Com o passar dos minutos, e em conjunto com os afagos que recebe em seus cabelos, parece lutar para manter seus olhinhos abertos e não demora muito para que pegue no sono, se aconchegando ainda mais no colo da mãe que sorri, deixando um carinhoso beijo no topo de sua cabeça.

   — Acho que a bateria de alguém acabou... — digo baixinho e ela volta à olhá-lo, passando a mão delicadamente por seu rosto. 

   — Há quanto tempo ele não se divertia assim. — suspira, voltando à me olhar, enquanto apoia sua cabeça levemente sobre a do filho. — Bom... desde minha separação com Juan Carlos, ele anda meio desanimado, cabisbaixo. Sente saudades, falta da convivência com o pai. — olha para o menino que a esse momento, já parece num sono pesado, aconchegado em seu colo.

   — Imagino que, realmente, seja muito difícil pra ele. — ela concorda, acenando. — Mas eu tenho certeza que com esse amor, com todo esse carinho que exala de vocês, ele logo irá compreender essas mudanças que estão acontecendo. Durante essa tarde, foram diversa as vezes em que eu quase explodi de amor, vendo o quanto os olhinhos dele brilham olhando para você... é lindo de ver.

   — Obrigada. — ah, se essa mulher continuar sorrindo desse jeito para mim, eu não sei se vou sobreviver até o fim desse passeio! — Bom, acho que como o astro principal do passeio dormiu, é melhor a gente ir, né?

Concordo e, com um pouco de dificuldade, Clara se levanta. Eu me ofereço para carregar Heitor até o carro já que, criança quando dorme, parece ter o dobro do peso. Sorrio boba quando o pego em meu colo e o pequeno me abraça pelo pescoço, se aconchegando em mim, chegando até a dar um pequeno suspiro. Submersas em um silêncio confortável, caminhamos de volta até as proximidades do parque, onde Clara havia deixado o seu carro. Ajudo a colocar Heitor na cadeirinha e me viro, afim de me despedir da mulher. 

   — Vamos, eu te deixo na sua casa. — se encosta no carro. — E nem adianta negar, eu faço questão. 

   — Certo, tá bom. — levanto as mãos em rendição e ela sorri, indicando que eu entre no carro. 

Voltamos ao silêncio e assim é feito o percurso até minha casa, mas não é um silêncio chato e nem constrangedor, é até bem agradável. Durante os quase quinze minutos que levamos para chegar, fico na tentativa de não encarar Clara de uma forma que ela pense que eu sou alguma maluca, ou algo do semelhante. Mas gente, digo com tranquilidade, essa mulher é uma coisa de outro mundo. Que energia boa! Que sorriso! Que risada gostosa. Olha, eu não sei o que aconteceu para que ela e Juan Carlos se separarem, porém, eu acho que ele não seria idiota o suficiente para trair Clara, ou fazer algo do tipo, né? Ou será que seria?

   — Bom, chegamos, Milena! — ela me olha, ao parar o carro. 

   — Muito obrigada, Clara. — sorrio. — Foi uma tarde maravilhosa, eu curti muito. Fiquei muito feliz com o seu convite e de Heitor. 

   — Eu quem agradeço e tenho certeza que Heitor amou a sua companhia, as brincadeiras, toda atenção que você deu à ele... e eu gostei muito também, obrigada!

De repente, quando ela termina de falar, os nossos olhares se encontram e ficamos nos encarando por alguns segundos e, durante esse tempo, eu sinto àquelas conhecidas borboletas no estômago. E por mais que, aqui dentro de mim, tenha uma sensação estranha ao fazê-lo, sei que permaneceria desse mesmo modo por sucessivas horas, sem ao menosTt reclamar. Não sei o que está havendo, mas se posso dizer uma coisa, é o quanto esse olhar intenso de Clara me desestabiliza. Aliás, todo o meu corpo e, principalmente, a minha mente, então há um ponto de entrar em colapso, já que, é a primeira vez que acontece algo assim, digo, nessa intensidade. As orbes castanhas de Clara se desviam das minhas e posso ver um sorriso de canto se formar em seus lábios. Suspiro de forma profunda, me praguejando mentalmente por, provavelmente, estar fazendo um grande papel de idiota. Uma idiota, totalmente iludida, que nunca irá ser notada pela professora pela qual é totalmente encantada. 

    — Então eu... eu vou indo. — digo, após mais alguns segundos de silêncio. — Até mais. 

   — Até mais! Tenha um ótimo restinho de fim de semana. 

Para piorar minha situação, conseguindo me deixar ainda mais confusa e boba, Clara se aproxima e deixa um beijo em minha bochecha. Dentro do carro, ainda tento esconder meu sorriso, mas ao deixar o veículo, sinto brotar em meu rosto um sorriso que chega a ser maior que o do coringa. Me viro e ainda vejo o carro de Clara sumir no fim da rua. Sem dúvidas, foi uma tarde incrível. 

(. . .)

No fim do dia, eu e meus amigos trocamos algumas mensagens. Claro, todos estão sendo corroídos pela curiosidade de saber como foi minha tarde com Clara e Heitor e quase noventa por cento das mensagens do grupo que temos, são as teorias malucas que suas cabecinhas criativas fazem, imaginando o motivo da minha demora em responder durante a tarde. Porém, como ótima amiga que sou, vou deixá-los mais curiosos ainda e irei contar tudo só quando a segunda-feira chegar. 

“Amiguinhos do meu coração, segunda eu conto tudo o que vocês quiserem, mas não se animem muito, não houve nada demais, só o que posso dizer é que foi uma tarde maravilhosa. Aguentem a curiosidade, amo vocês!” - MB

O som das notificações, chegando uma atrás da outra, me faz rir e eu imagino meus amigos me xingando de todos os nomes possíveis e impossíveis. Deixo o celular em minha cama e sigo para o meu banho. Depois do banho, já no início da noite, eu, meus pais e meus irmãos jantamos juntos e por fim, e terminamos o nosso sábado em um sessão de filmes de terror, que são os nossos preferidos. 

(. . .) 

Após um domingo regado a muita preguiça e horas e horas de Orange is The New Black, a segunda logo bate a porta, trazendo com ela, a chegada de uma semana novinha em folha. Assim que o despertador toca, eu me sento em minha cama e fico na tentativa de tomar coragem para o meu banho matinal. Sim, coragem! Porque com o frio que está fazendo hoje, é bem perigoso que a água do chuveiro caia em forma de cristais de gelo. Como não dá para fugir, logo após arrumar a minha cama, começo a me preparar para mais um dia no colégio. Depois de, enfim, tomar meu banho e estar bem agasalhada, vou para a cozinha, onde encontro meu pai e minha mãe conversando animadamente.

   — Bom dia, gente! — deixo minha mochila em uma das cadeiras vazias. 

   — Bom dia, minha princesa! — papai me cumprimenta com um beijo no rosto. — O dia amanheceu bem chuvoso, quer uma carona? Se quiser, eu já estou saindo... tenho uma reunião logo agora e não posso me atrasar. 

   — Bom dia, querida! — minha mãe se levanta e passa por mim, deixando um beijo em meus cabelos, logo seguindo rumo aos quartos. — Vai comendo no caminho, mas não fica sem café da manhã, ok?

— Pode deixar, mamãe. — me encaminho até um dos armários, pegando uma vasilha pequena para colocar algumas coisas para o meu café. 

Pego meu copo térmico e encho de café, me despeço da minha mãe, que está no quarto de Phellipe, o trocando e aproveito para deixar um beijo em meu irmão, por fim, sigo ao encontro de meu pai, que a esse passo já me espera em seu carro. Nosso caminho é feito de forma bem animada. Meu pai é um cara que, por mais que não demonstre sempre, é extremamente divertido. O dono das piadas mais sem graça, mas que ao mesmo tempo me arrancam as melhores gargalhadas do mundo, além de ter a voz mais desafinada dessa cidade e as dancinhas mais estranhas que eu já vi. 

Num dado momento do percurso, a chuva engrossa e, por mais que Otávio seja um cara de extrema prudência no trânsito, tudo o que vem à seguir, acontece de repente, em questão de segundos. Ouço o som do carro derrapando e por fim, bater com força em algum lugar, com o impacto, começo à sentir tudo rodar, rodar e rodar. A última coisa que eu me lembro é de ouvir a voz, os gritos de meu pai e após isso, tudo escurece. 

Não sei exatamente quanto tempo se passa até o momento em que eu acordo num lugar em que, pela cor e pelo excesso de luz e branco, eu posso julgar ser um hospital. Ainda demoro alguns segundos para me acostumar com a luz, o que faz com que eu porque meus olhos por repetidas vezes, enquanto sinto uma dorzinha chata em minha cabeça. E por falar em dor, assim que mexo o braço direito, sinto uma dor latejante e é impossível segurar um suspiro acompanhado de um pequeno gemido de dor. 

   — Milena! Que bom que você acordou, meu amor!  — minha mãe se levanta e, com poucos passos, se aproxima da cama onde estou deitada. — Como você está se sentindo, em?! Vou chamar um médico, só um minuto! 

   — Eu acho que estou bem... e o papai? — um leve desespero começa a tomar conta de mim, ao me lembrar do momento exato do acidente e pensar no que pode ter acontecido com o meu pai. — Mãe, cadê o meu pai?! O que aconteceu com ele, mãe? Fala pra mim! — digo, à olhando de maneira assustada, enquanto ela está próxima a porta.

   — Seu pai está bem, teve apenas alguns arranhões. — se aproxima novamente, tocando meu rosto. — O médico está vindo, fica calma. 

Segundos depois um médico aparece na porta, o homem pede licença entra no quarto e se aproxima, sorrindo gentilmente. 

   — Que bom que acordou, senhorita Bianco. — diz, encarando a prancheta em suas mãos. — Então, me diga, como você está se sentindo, mocinha?

   — Meu braço direito está doendo muito, tipo, muito mesmo... só de me mexer eu vi estrelas. E a minha cabeça está doendo um pouquinho, principalmente quando foco meus olhos em algum lugar. 

— Hum, entendi... vamos ver se você consegue mexer esse braço. — tenta levantar meu braço, mas uma pontada forte, faz com que eu solte um grito. — Ótimo, eu vou te m****r pra um raio-x e depois a enfermeira vai fazer um curativo nesses ferimentos aqui, ok? — aponta para os machucados em meu rosto e em uma de minhas mãos. — Você também irá fazer mais alguns exames para ver se a pancada que você teve na cabeça vai te causar algum trauma, ou algo semelhante.

Assim, durante as horas seguintes eu passo me submetendo aos mais variados tipos de exames. Resultado, o que eu já previa, desde o momento em que acordei com essa dor horrível no braço direito, o mesmo está quebrado. Ótimo! Será que posso falar que isso não pode ficar pior? Quando, mais de uma hora depois, volto para o quarto, devido ao cansaço e à alguns medicamentos que me aplicaram, não demora muito para que eu acabe pegando no sono. 

Um tempo, acho que horas mais tarde, acordo, agora já sentindo menos dores. Ainda bem! Olho para o lado e vejo meu pai, parece nem concentrado, lendo algo em uma revista. 

   — Pai? — ele levanta e se aproxima rapidamente. — O senhor está bem?

   — Sim, só tive um corte bobo. — aponta para um curativo em seu rosto. — Mas e você, como está, minha princesa?

   — Tirando essa belezinha aqui, acho que estou bem. — aponto para o gesso no braço. — Como aquilo tudo aconteceu? Foi tão rápido...

   — A pista estava molhada, escorregadia... eu acabei derrapando com o carro, ele rodou algumas vezes e o seu lado bateu em uma cabine telefônica. — diz, e eu posso perceber um tom chateado em sua voz. — Eu sempre tomo tanto cuidado, me desculpa, Milena. 

   — Que isso, papai.... — me ajeito na cama, ficando meio sentada. — o senhor não teve culpa alguma sobre o acontecido, o importante é que não nos machucamos muito, não é verdade?. Estava chovendo muito e olha só, eu estou bem. — faço carinho em seu rosto, vendo um sorriso fraco brotar em seus lábios. 

   — Te amo, minha menina. — deixa um beijo em minha testa. 

   — Também te amo, Sr. Otávio Bianco. — sorrio. 

Fico tentando me distrair, vendo algumas coisas no celular até o cair da noite. Já nas primeiras horas nesse quarto de hospital, eu começo a me sentir bem entediada. Por mais que minha mãe, vez ou outra, puxe algum assunto, converse e eu ache legal, começo a ficar cansada de ter que permanecer deitada e sem poder me mexer. Logo eu, Milena Bianco, que não consigo ficar quieta por muito tempo.

   — Olá, boa noite! Como a senhorita está se sentindo? — o simpático médico bate à porta e se aproxima.

   — Entediada! Muito entediada. — digo e ele ri — Quando vou poder ir embora daqui? 

   — Infelizmente eu ainda preciso de você aqui por mais um tempinho. Como havia dito mais cedo, preciso de mais alguns resultados para saber se a pancada na cabeça não vai te afetar em nada. 

   — De quantos dias esse tempinho seria? Ah, e falando em exames, doutor, há a possibilidade de eu ter ficado com uns parafusos à menos nesse acidente? 

   — Até depois de amanhã, no mínimo, vai depender dos resultados. — solto um longo suspiro e olho para minha mãe que sorri compreensiva. — Olha, de antemão, eu não sei te responder sobre isso, foi uma batida e tanto, a senhorita teve sorte de estar usando o cinto de segurança. E eu só quero te liberar, quando tiver certeza que está, pelo menos, setenta por cento bem, apenas com o braço para melhora. 

— Ah, entendi... isso não foi nem um pouquinho animador, mas muito obrigada mesmo assim, doutor. — sorrio fraco, me afundando na cama. 

   — Vai passar rapidinho, você vai ver... —  o homem diz antes de deixar o quarto. 

Após inúmeros argumentos para convencer mamãe de que eu estou bem, a mesma acaba dormindo. Já eu, passo boa parte da madrugada acordada, assistindo algumas coisas no celular e o meu sono só aparece quando no relógio já se passa das três da manhã. Ótimo! Nem preciso falar o mal humor que acordei no outro dia, né?! Uma enfermeira aparece para checar como eu estou e logo em seguida, alguns minutos depois, uma outra moça traz o meu café da manhã. E como eu não havia comido quase nada no dia anterior, hoje a fome de cinco leões parece estar habitando em mim.

   — Meu amor, eu preciso dar um pulinho lá em casa, para levar o Lipe para a creche. Tudo bem? — minha mãe pergunta.

   — Lógico, mamãe. Dá um beijo no meu pirralho por mim. — digo, enquanto me sento na cama. 

   — Logo, logo eu estou de volta, ok? — eu concordo, recebendo um carinhoso beijo na testa. — Te amo, tchau. 

   — Também te amo. — mando um beijo no ar, quando ela já está próxima à porta. — Tchauzinho. 

Quando minha mãe está saindo pela porta, esbarra com meu pai, os dois dão um selinho e Otávio entra no quarto. 

   — Bom dia, filhota! — deixa um beijo em minha testa. — Como você está se sentindo?

   — Com muita vontade de ir para casa. — digo e ele ri. — E o senhor? Dormiu com o Lipe?

   — Sim, eu deixei ele uns minutinhos com a Sr. Judy, nossa vizinha. Sua mãe vai pegá-lo agora e levar para a creche. 

Ficamos conversando, até meu pai também precisar se despedir. Novamente, sem nada para me distrair, e como não tive uma boa noite de sono, acabo adormecendo de novo. Acordo algumas horas mais tarde, com uma enfermeira me chamando para trocar o curativo do pequeno ferimento em minha testa. Logo depois que ela sai, ouço algumas batidas na porta e no instante seguinte, o rosto de Alexia aparece pela fresta entreaberta da mesma. 

   — Alê! Entra aí, amiga! — digo e ela entra, deixando a porta aberta atrás de si. — Uau, todos vocês vieram!?! — me espanto ao ver meus amigos em volta da minha cama. 

   — Lógico né, Milena?! Tá achando que somos que tipo de amigos, em?! — Anna diz.

   — Como você está, loirinha? — Henrique pergunta. 

   — Eu tô bem, e ficaria melhor ainda se vocês me ajudassem a fugir daqui! Por favorzinho, amigos!

Nossa conversa dura por quase quarenta minutos, entre os mais variados assuntos, meus amigos me contam sobre os dois dias de aula que perdi e ficamos conversando mais algumas trivialidades, até o momento em que uma enfermeira aparece e diz que o horário deles acabou. Lá vou eu voltar para o mais profundo tédio, de novo. 

   — Nós já vamos indo então, Milena. — Cecília diz, deixando um beijo em minha bochecha. — Melhoras, espero que você saia logo daqui. Se cuida! 

Um a um, meus amigos vão se despedindo de mim. Anna, Valentina e Cecília saem, afim passarem no banheiro antes de irem embora, ficando no quarto, apenas Alexia e Henrique. 

   — A professora Herrera perguntou por você hoje... — Alexia conta e na hora, um sorriso se escancara em meu rosto. 

   — Sério? — sinto meu coração acelerar mais ainda, no momento em que eles concorda. — Meu Deus! Não acredito! 

   — Pois pode acreditar. Acabamos contando que você sofreu um acidente e se tiver como, pasme mais ainda, a preocupação dela ficou visível naquele rostinho que você tanto gosta.  — Henrique sorri e logo depois, dá de ombros, olhando rumo à porta. — Bom, nós temos que ir agora. Fica bem logo, viu? — me abraça, ainda que meio sem jeito, pelo gesso em meu braço e pela posição em que estou na cama.  

   — Se o movimento lá no restaurante estiver mais baixo à noite, eu volto mais tarde, tá bom? — Alexia faz o mesmo que Henrique. — Tchauzinho, melhoras. 

Assim que meus amigos saem do quarto, o meu almoço chega. E olha, nada contra a comida do hospital, mas com toda a certeza do mundo, eu prefiro a da minha mãe. Aliás, tudo o que eu queria nesse momento, era estar na minha casa, no meu quarto, na minha cama.  Depois de amanhã chega logo, pelo amor de Deus. Apesar de que eu já imagino que em casa não será muito diferente do tratamento daqui. 

No início da tarde, com o tédio batendo lá nas alturas, dou início a leitura de um livro que minha mãe me trouxe hoje de manhã. E por falar na minha mãe, nesse momento eu estou sozinha, pois a mesma foi até em casa pegar roupas e algumas outras coisas necessárias para a minha estadia por aqui. Mesmo com a minha atenção presa em minha leitura, ora ou outra, eu posso sentir um sorriso bobo se formar em meus lábios ao me lembrar que Clara perguntou por mim. Fico entretida por um bom tempo, até ouvir mais algumas batidas na porta, me viro, afim de olhar quem é e então, na fresta entreaberta, tenho a visão do rosto que eu menos esperava ver por aqui. 

   — Professora Herrera! — acho que minha expressão assustada ficou mais que evidente. — Heitor! — o pequeno passa correndo pelo pequeno espaço ao lado da mãe e logo está próximo à cama. — Que surpresa boa, cara! — assim que eu me ajeito na cama, me sentando, eu e o garoto nos cumprimentamos tocando nossas mãos. 

   — Foi praticamente impossível segurar esse menino quando ele soube que você estava no hospital. — a mulher sorri de canto, entrando no quarto. — Bom, os seus amigos me contaram e eu acabei comentando com ele... espero que não se importe.

— De forma alguma, professora Herrera! Quer dizer, estou muito feliz que vocês tenham vindo. De verdade. Muito obrigada! — eu tenho a certeza que o meu sorriso está tão grande, que pode ser visto à quilômetros de distancia. 

   — Tia Mi,  por que você tá aqui? — Heitor pergunta, ao se sentar na beira da cama. 

   — Um pequeno acidente de carro com o meu pai. — falo e vejo seus pequenos olhinhos se arregalarem. 

   — E como você está? — Clara pergunta. — E o seu pai? 

   — Papai está bem, só teve alguns arranhões e eu quebrei o braço, tive alguns arranhões também e vou ficar até amanhã para saber se não houve nada pela pancada na cabeça. 

   — Meu pai lhe mandou estimas de melhoras. — a morena fala, cruzando seus braços contra o peito e sorrindo.

   — Por favor, diga a ele que agradeço. — retribuo o sorriso. — E então, o que eu perdi no colégio? 

   — Bom, acho que nada que depois você não consiga alcançar seus colegas.— ela dá de ombros. — É uma garota esperta, não vão ser alguns dias que irão te atrapalhar. — dá uma piscadinha e eu quase preciso chamar um médico, devido à velocidade em que meu coração bate. —  Aliás, vai ficar quanto tempo de repouso? 

   — Ainda não sei, mas sinceramente, espero que seja por pouco tempo. Estou aqui desde ontem, mas já não aguento mais ter que ficar parada, nessa cama. Já basta o braço engessado que irá me atrapalhar por um bom tempo... 

   — Tia Mi, o meu aniversário tá chegando!  — Heitor diz, chamando a minha atenção. — Você vai na minha festinha, não vai?

   — Sério? Quantos anos você vai fazer? — me ajeito na cama, e tento engolir um gemido de dor ao me virar de mal jeito.

    — Cinco! — me mostra com as mãos, falando de forma animada. 

    — Cinco? — concorda, acenando diversas vezes. — Uau, você já está um verdadeiro rapaz! — brinco. — Um homenzinho. 

A nossa conversa dura por quase meia hora, Clara passa a maior parte do tempo nos observando e poucas vezes diz alguma coisa. Mas só de ver o modo como ela sorri, olhando a nossa interação e, principalmente, só de ter Clara Herrera me visitando no hospital, por mais que eu imagine que seja por um pedido de Heitor, me faz ganhar o dia e ficar sorrindo feito uma idiota sem ao menos perceber. 

   — Heitor, meu amor, agora nós temos que ir mesmo. — Clara diz, após Heitor me abraçar, se despedindo pela quinta vez. — A Milena precisa descansar.

   — Mas eu não quero deixar ela aqui quebrada, mamãe!  — esse garoto ainda me mata de tanta fofura. — Ela tá dodói, mamãe, vamos ficar aqui... — pede manhoso, ainda abraçado à mim.

   — Mas ela precisa descansar, Heitor. — olho para o menino que faz um biquinho adorável. — Não é com esse jeitinho que você vai me ganhar, Sr. Heitor Herrera. — Clara tenta soar séria, mas é notável que também está se derretendo com a forma que Heitor está. 

    — Amanhã eu saio daqui, garoto. — digo, chamando sua atenção para mim. — E quando eu estiver melhor, a gente se vê. Pode ser? — pergunto e ele pensa por alguns segundos, colocando a mãozinha sob o queixo. 

    — Aí você vai na minha casa? — pergunta, e o brilho de seus olhinhos me faz sorrir boba. Olho para Clara que concorda. 

    — Sim, e vou conhecer a sua coleção de super heróis e a sua casa na árvore, tá bom?— estico o braço bom batendo na mão do garoto, fazendo um high-five. — Combinado? 

    — Combinado! — sorri, me abraçando novamente, dessa vez, um pouco mais apertado. — Tchau, tia Mi. Fica boa logo! 

   — Pode deixar, que logo, logo eu estou boa. — deixo um beijo em seus cabelos. — Tchau, pequeno. Obrigada por ter vindo. 

O menino desce da cama em um pulo e Clara se aproxima, segurando uma de suas mãos. Fito os olhos castanhos da morena que agora tem um leve sorriso em seus lábios.

   — Muito obrigada pela visita, professora Herrera. 

   — Fora do colégio, apenas Clara, por favor e não precisa agradecer, Milena. Melhoras, mocinha e se cuida! 

Quase chego à fechar meus olhos ao sentir o leve aroma do perfume de Clara quando ela se aproxima de mim. A mulher deixa um beijo em minha bochecha, sorri, se vira e sai. E eu? Bom, eu fico aqui, sentadinha na cama, literalmente paralisada, enquanto ainda sinto o sorriso completamente bobo em meu rosto. É bastante informação para essa cabecinha de vento aqui processar, mas de uma coisa, eu tenho absoluta certeza, não há uma parte do meu corpo, que não queria explodir de alegria, após ter Clara Herrera assim, ser uma forma tão diferente, como tem acontecido nesses últimos dias. 

Emanuelle Oliveira

Espero que gostem e tenham boa leitura! <3

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