Capítulo IV.

Clara Herrera. 

   — Por que vocês não dão um pulinho lá no pub qualquer dia desses, mamãe? — Kelly pergunta, arrancando uma risada de nossa mãe. 

   — Ah, agradeço muito o convite, porém, não é exatamente o meu estilo de local preferido, minha filha. — Olívia responde, se sentando ao meu lado no sofá. — Aliás,  como estão as coisas por lá? 

   — Ótimas. — minha irmã sorri, orgulhosa. — Desde que abriu, todos os dias está ficando lotado. 

   — Fico feliz por vocês. — meu pai se senta também, e coloca Heitor em seu colo. — Aliás, eu e Heitor vamos dar um pulinho lá qualquer dia desses, não é garoto? — mesmo entretido com um carrinho, o menino sorri e concorda com o avô. 

   — Ah, lógico papai. — o encaro, estreitando os olhos. — Até porque, não sei quem de vocês dois dorme mais cedo, né? — brinco. — Aliás, vou dar o jantar de Heitor antes de ir. — me levanto. 

Hoje, após alguns dias sem aparecer no pub, vou dar um pulo por lá e deixar Heitor com meus pais. 

   — Não precisa, Clarinha.  — mamãe se levanta, em meu encalço. — Não vamos demorar a jantar, pode ir despreocupada. Sabemos de sua rotina de horários com o garoto. 

   — Certo, então acho que vamos indo, né Kelly? — minha irmã concorda, acenando. — Amanhã passo aqui bem cedinho para levar Heitor para a escolinha. Tchau mamãe, qualquer coisa, me liga, tá bom? 

   — Pode deixar, Clara. Tchauzinho, meninas. Amo vocês. — se despede de Kelly e eu, deixando um beijo carinhoso na testa de nós duas. 

Alguns passos depois, eu e minha irmã estamos na sala, onde também nos despedimos de nosso pai que, ainda está no sofá, com Heitor brincando em seu colo.

 — Tchau paizinho, até amanhã. — dou um beijo em sua bochecha e pego Heitor. — Tchau meu amor, nada de dar trabalho e obedeça seus avós, tá bom? Amanhã bem cedinho, a mamãe vem te buscar, certo? —  o pequeno concorda, sorrindo. — Dorme bem, meu príncipe. Te amo. 

   — Tchau papai. — Kelly repete o que eu havia feito há alguns segundos e os dois trocam um abraço rápido. 

— Tchau, minhas meninas. Juízo e se cuidem! Até amanhã. 

Eu e Kelly temos três anos de diferença e quando mamãe se casou com meu pai, já estava grávida dela. Minha irmã sempre soube disso, mas mesmo assim, desde pequena considera Heitor como seu verdadeiro pai. E ele, bom, não preciso nem falar que às vezes, por minha parte, rola até um pequeno ciúmes do quanto esses dois são grudados. Mas o ciúmes  logo passa, já que o coração de Heitor Herrera é tão grande, que seu amor e carinho podem ser divididos com centenas de pessoas, que mesmo assim, ninguém se sentirá recebendo menos. 

   — Tchauzinho mamãe. — Heitor me abraça pelo pescoço. — Eu te amo. — diz, me fazendo sorrir boba. 

   — Também te amo, muito. — o aperto em meus braços, distribuindo vários beijos em seu rosto. 

   — Ah, mas eu também quero um beijo desse rapaz. — Kelly pega o pequeno, fazendo cócegas em sua barriga. — E por favor, fale que me ama também, hum?

   — Te amo, titia. — Heitor diz, após recuperar o fôlego pelas risadas. 

Após, enfim, nos despedirmos saímos rumo ao C&K’s pub. O caminho é tranquilo, eu e minha irmã conversamos aleatoriedades sobre nossas semanas, sobre nossos dias de trabalho e com a cooperação do trânsito, não demoramos à chegar no local que já está aberto e bastante movimentado. Cumprimentamos alguns conhecidos e eu logo me afasto de Kelly e sigo até o bar. Me aproximo do balcão, acenando para um dos barmans. 

   — Uma tequila, por favor. — digo ao rapaz, que logo me atende. 

Fico olhando o movimento das pessoas, indo e vindo, se divertindo ao som da música local, enquanto tomo minha bebida. Peço mais um copo, agradeço o barman e decido dar mais uma volta e admirar o local que eu e minha irmã decoramos com tanto carinho e cuidado. 

   — Eu ouvi muitos elogios sobre o C&K's bar, mas esse lugar está demais. — ouço uma voz feminina e a reconheço antes mesmo de me virar. 

   — Jéssica! Eu não acredito que você está aqui! — abraço a loira, que se pendura em meu pescoço. — Meu Deus, quanto tempo! Que saudades de você! 

   — Eu também estava morrendo de saudades, Clarinha! — se solta do abraço e segura uma de minhas mãos, fazendo com que eu dê uma voltinha. — Você está um espetáculo, mulher! 

   — Ah, mas olha quem fala, né?! — rimos. — Você também está maravilhosa, Jess!  Mas me diga, por que não avisou que estava na cidade? Chegou quando?

   — Fugi de New York e não deu tempo de avisar ninguém. — diz com uma expressão seria ganhando seu rosto, mas logo cai na risada. — Brincadeira. — se senta em um dos bancos próximo ao balcão. — Na verdade, quase isso. — suspira. — Eu e Victória nos separamos... saí de casa e resolvi tirar uns dias da empresa, da cidade...

   — Oh, eu sinto muito, amiga. Quando você me disse que estavam brigando muito, não pensei que fossem chegar à esse extremo. — peço duas bebidas ao barman. — E Jheremy, como está? 

   — Ah, ele está ótimo. — sorri boba. — Tão grande e esperto que nem parece ter apenas três anos. — Espero que eu e Vicky não precisemos de justiça para decidir sobre a vida de nosso pequeno... — suspira triste. 

   — Mas você acha que é uma separação definitiva? Tipo, não há chance de volta?

   — Eu fui uma idiota com ela, Clara. — ingere sua bebida de uma só vez. — Nós brigamos no início da semana passada, eu saí e acabei fazendo uma grande besteira.

   — Não! — digo, a olhando incrédula. — Você não traiu a Victória, né Jéssica?

Minha amiga me olha de um jeito triste. Pelo jeito a resposta é sim e pela forma que à conheço, posso supor que esteja bem arrependida da burrada que fez. Jéssica é a minha melhor amiga desde os tempos da faculdade, enquanto eu buscava minha formação em Biologia, a loirinha se formava em Marketing e desde então, mesmo que de longe, sempre mantemos o contato e apesar de nos vermos pessoalmente, no máximo, duas vezes no ano, temos uma amizade muito bonita que só cresce e se fortifica com o passar do tempo. E além dela ser uma das madrinhas de Heitor e eu também sou madrinha de seu pequeno, Jheremy. 

   — Eu me arrependi, amiga. De verdade. Eu juro que foi coisa de uma noite, apenas. Logo quando vi o que tinha feito, eu contei para a Vicky, fui sincera... e bem, acho que, no fim, foi isso que me ferrou. 

   — Não, o que te ferrou, foram as suas ações, Jéssica. Você foi certa, em ser sincera, contar. E acho que não preciso falar o quanto foi errada em traí-la. Não é levando outra para cama que os seus problemas, nem do seu casamento vão desaparecer. 

   — Eu sei, Clara e estou muito arrependida. Sério mesmo, se pudesse voltar no tempo, nunca na vida, que teria feito isso. — suspira, desviando sei olhar do meu. — Agora, só vou dar um tempo por aqui, esperar a poeira abaixar e a Vicky se acalmar um pouco. Eu amo demais aquela mulher, amo minha família e fui uma estúpida. 

   — Que bom que reconhece isso, mas agora, você precisa assumir isso para ela, né? — me levanto. — Mas, enquanto estiver aqui, vai ficar comigo lá em casa, não vai?

   — Não precisa se incomodar, Clarinha. Eu já estou hospedada em um hotel próximo daqui, está tudo certo. — se levanta também, tocando levemente meu ombro. 

   — De maneira alguma, a gente não se vê há um tempão. — nego com a cabeça e minha amiga sorri, se dando por vencida. — Você vai ficar lá em casa comigo e com seu afilhado, e ponto final, sem discussão. 

   — Ok, Clara. Amanhã eu pego as minhas coisas lá no hotel e vou pra sua casa, tá bom? E por falar nisso, estou louquinha para ver Heitor. Meu Deus, eu quase morro de amores com as fotos que você me manda, que vontade se apertar aquele garoto! 

   — Ele também vai adorar te ver, pergunta de você quase todos os dias. Mas agora vem, a Kelly vai ficar muito feliz em te ver aqui!  — a puxo pela mão e saímos à procura de minha irmã. 

Permanecemos no pub até quase uma da manhã e durante a maior parte do tempo, eu e Kelly aproveitamos para colocar a conversa com Jéssica em dia. Por fim, como eu e minha irmã ainda temos um dia de trabalho pela frente, nos despedimos de Jéssica que, essa noite ainda vai ficar no hotel, mas com a promessa de que, logo após eu sair do colégio, irei buscá-la para que ela passe essa estadia em minha casa. 

(. . .)

   — Hum, se for para preparar um café assim, pode dormir aqui todos os dias, se quiser. — chego na cozinha e vejo Kelly preparando a mesa, enquanto canta alguma música que não identifiquei. — Bom dia, mana. 

   — Bom dia, pirralha. — a ruiva se vira, sorrindo. — Não se acostuma não, em?!  — passa por mim, deixando um beijo em minha bochecha. 

Tomamos nosso café da manhã e depois que eu termino de me arrumar seguimos juntas para a casa de meus pais. Quando chegamos, vejo que meu pequeno já está acordado, à todo vapor correndo pela casa. Assim que me vê, Heitor pula em meu pescoço, me recebendo com um abraço apertado e vários beijos espalhados pelo meu rosto. Ao dar meu horário de sair, me despeço de meus pais e minha irmã e não demora para que eu e Heitor estejamos cruzando as ruas da cidade rumo à sua escolinha. 

   — Mamãe, tô saudades do papai. — Heitor reclama, com a voz manhosa. 

   — Eu sei, meu querido... sei que sente falta do papai. — o olho pelo retrovisor. — Ele está trabalhando muito agora, mas você o verá, tá bom? 

   — Tá bom! — sorri, animado. — quando eu ver ele, a gente vai brincar muito e assistir Bob Esponja igual sempre fazia antes, não vai, mamãe? — pergunta e eu travo, sem saber o que responder. — Mamãe?

— Sim, Heitor. Vocês vão. — suspiro, voltando minha atenção ao trânsito. 

Meu coração se parte ao ouvir Heitor dizer todas essas coisas e fazer todos esses planos, por simplesmente não saber o que se passa na cabeça de Juan Carlos, se ele vai continuar agindo assim, se mantendo afastado do filho, por pura birra e capricho. E fico ainda mais triste de saber que o pequeno tem tanta consideração e tanto amor por uma pessoa que nem sequer teve um pingo de afetividade com seus sentimentos. Não, eu não expliquei tudo para Heitor ainda, acho que ele é muito novo para entender essas coisas por trás da minha separação e de Juan, e saber que não é filho biológico dele, e que provavelmente por isso, o homem, quando se transformou num crápula de primeira, resolveu ignorá-lo e o tratar da maneira que estava fazendo. Sinceramente, não consigo entender o momento certo em que o meu, até então, marido, se transformou num monstro. 

Tento distrair Heitor pelo caminho restante até chegarmos na escolinha, o que não demora mais que quinze minutos. Estaciono o carro e desço com meu pequeno, nos despedimos e logo sigo para o colégio. Após mais um pequeno trajeto, assim que chego, passo por alguns alunos que esperam o sinal bater e sigo para a sala dos professores. Enquanto não dá a hora de ir para a sala, fico conversando com alguns colegas e organizando meus materiais do dia. Assim que dá o primeiro sinal, me encaminho para a minha primeira aula da manhã. 

(...) 

Mais três semanas se passam e por um lado, agradeço aos céus por Juan Carlos ter sumido novamente e, por outro lado, continuo sentindo meu coração se partir mais um pouquinho a cada vez que Heitor pergunta por ele. E o pior é que, em nenhuma das vezes, eu sinto que consigo encontrar algo convincente para lhe responder e uma das coisas que mais me dói é ver os olhinhos tristes do meu menino que não tem a mínima culpa de nada. 

Após terminar minhas aulas do dia e sair do colégio, pego Heitor na escolinha e sigo para casa. Almoçamos juntos e depois, no começo da tarde, nos entregamos à uma agradável maratona de desenhos animados. E quando dou por mim, após, mais ou menos, uma hora eu estou assistindo televisão sozinha e o garotinho dorme serenamente, aconchegado em mim.

De forma cuidadosa, me levanto do sofá e me aproveito a soneca de Heitor para colocar uma ordem na casa. E no fim da tarde, o que era apenas para ser uma simples organização da pequena bagunça presente em alguns cômodos, se transforma em uma mini faxina pela casa toda. Após me deliciar com a casa toda arrumada por alguns minutos, me certifico de que Heitor ainda dorme e decido tomar um banho, para depois, quando ele acordar, levar meu pequeno para um passeio. 

Após um belo banho, visto a roupa que havia separado, um vestido preto, de caimento simples e calço uma sandália rasteira, deixando meus cabelos soltos, secando naturalmente. Já terminando de me arrumar, vejo Heitor entrando em meu quarto, ainda meio trôpego, provavelmente por ter acabado de acordar. 

   — Hum, quem acabou de acordar do seu soninho gostoso? — o pego no colo, beijando seus cabelos. — Que tal tomar um banho, pra depois, a gente passear?

   — Onde vai, mamãe? — pergunta, enquanto parece concentrado mexendo em meus brincos. 

   — Você quem escolhe. — entramos em seu quarto. — Enquanto te ajudo com o banho, você pensa, ok? — ele concorda.

Escolho uma roupa para Heitor e seguimos para o seu banho, entre brincadeiras, músicas e muitas risadas, não demoramos à terminar. 

   — Mamãe, eu já “pensou” onde nós vamos. — fala, enquanto penteio seu cabelo. 

   — Ah, você já pensou? E então, onde nós vamos, meu amor? 

   — Comer McDonald's e depois ir na "livlaria" do vovô. — bate palmas, empolgado. 

   — Livraria, meu bem. — sorrio e corrijo o garotinho que confirma várias vezes, acenando com a cabeça. — Ok, então vamos lanchar e depois ver o vovô na livraria, combinado?

Termino de arrumar Heitor e não demora para que estejamos no meu carro, dando início ao nosso passeio. Como era de se imaginar, quando chegamos no McDonald's o menino se empolga entre o sanduíche, as batatas e o milk shake, enquanto fala e me enche de perguntas sobre vários assuntos. É, o pequeno Heitor Herrera, às vezes, parece uma mini máquina, que só desliga quando dorme e mesmo assim, mesmo dormindo, ainda poder acontecer do garoto falar algumas coisas.

Terminamos nosso lanche, damos uma volta pelo shopping, que é perto de onde estamos e logo em seguida nos encaminhamos para a Empório Literário. Nem preciso falar o tamanho da empolgação de Heitor, sempre que vamos ver meu pai, principalmente quando é na livraria, ele fica nessa euforia toda. Desde o nascimento de meu pequeno, os dois sempre foram muito grudados e agora, com o menino já um pouco mais crescido, um de seus passatempos preferidos é ficar horas com o avô, principalmente na livraria, onde é sempre muito mimado por ele e até pelos funcionários. 

   — Mamãe, eu posso ir avisar o vovô que a gente chegou? — Heitor pergunta quando já nos aproximamos da livraria. 

   — Pode, mas vai com cuidado, tá bom? — solto a mão do garotinho que corre e logo adentra o estabelecimento. 

Entro logo atrás de Heitor que, passa correndo direto para a sala do avô. Sorrio ao ver, pela porta entreaberta, o menino sentado na mesa de meu pai, conversando de maneira animada. 

   — Olá, Milena. — cumprimento a garota, que está de costas e parece concentrada, lendo algo.

   — Ah, oi professora Herrera. — ela se vira, sorrindo. — Boa tarde. Tudo bem? O Sr. Heitor disse que viria, acho que está à sua espera. 

Sorrio, pensando no quanto ela, realmente, estava distraída e parece nem ter visto Heitor passar correndo para a sala de meu pai. 

   — Bem, eu acho que, de qualquer maneira, ele já sabe que cheguei, na verdade, que nós chegamos. — sorrio pela forma meio confusa que ela me olha. — Um pequeno furacão já passou por aqui, mas acho que a senhorita estava com a cabeça no mundo da Lua. 

   — Nossa! — sorri, sem graça ao ver Heitor avô e neto aparecerem na porta. — Realmente, acho que acabei me distraindo um pouquinho.

   — Tudo bem, acontece... e eu já sou acostumada com esse seu jeitinho meio avoado dentro de sala de aula. — sinto Heitor puxando a barra de meu vestido, numa tentativa de chamar minha atenção. 

   — Olha só, que belo rapaz! — Milena se abaixa, ficando da altura do meu filho. — Qual seu nome? 

   — Heitor. — diz e, rapidamente, se esconde atrás de mim. 

   — Que legal, cara!  — a loirinha sorri. — Então você é o neto do Sr. Heitor, não é? 

   — Sim! — o menino sorri, ainda um pouco tímido. — E essa aqui, é a minha mamãe. — aponta para mim. 

   — Verdade? — pergunta e ele concorda, como sempre, balançando a cabeça repetidas vezes. — E você sabia que ela é minha professora? 

   — Mesmo? — pergunta alternando seu olhar entre Milena e eu. 

   — Sim, querido. — sorrio, ao ver uma expressão meio surpresa no rosto do garotinho. — Milena Bianco é minha aluna.  

Aos poucos, Heitor vai se soltando em sua conversa com Milena que, desde o primeiro segundo que o viu, está o tratando da forma mais amável possível. Da porta do pequeno escritório de meu pai, vejo ele me chamando e, aos pouquinhos, vou me afastando e deixando o pequeno em seu momento de descontração com a garota, com quem, já parece estar se dando super bem. 

   — Aceita tomar um café com seu pai? 

   — Lógico que sim, papai. — trocamos um abraço rápido, em cumprimento. — Mas Heitor não irá atrapalhar Milena em seu trabalho? Você conhece seu neto, né? Sabe que quando ele se solta, ninguém o segura. 

    — O movimento está baixo e já estamos quase fechando. Além do mais, os dois parecem estar adorando a conversa, não é mesmo? — aponta para os dois que, ainda permanecem conversando no mesmo lugar. 

Por alguns segundos, fico olhando Heitor conversando com Milena que, ainda está abaixada, prestando atenção em cada palavra do pequeno. Por alguns segundos, perco meu olhar, não apenas na cena, mas na garota, até ouvir uma tosse (bem falsa, por sinal) vinda de meu pai. Disfarço o olhar e o sigo até a sua sala. Assim, eu também me empolgo em uma divertida conversa com papai, até me dar conta que, lá fora, a noite já caiu e eu sequer me dei conta. 

   — Minha nossa, acabei perdendo completamente a noção da hora. — digo, já saindo da sala, acompanhada de meu pai. — Que vergonha, fiz Milena passar de seu horário. Me desculpe, de verdade! — encontro a garota e Heitor sentados no chão, ainda conversando animadamente. 

   — Tudo bem, professora Herrera. — a garota sorri de forma simpática. — Também nem vimos o tempo passar, não é mesmo garoto? 

   — A Milena é muito legal, mamãe! — Heitor sorri largamente e abre os bracinhos, como se demonstrasse o quanto a achou legal e eu acabo sorrindo também. —  Você sabia que agora ela é minha amiga, mamãe? E que ela tem um irmãozinho, que chama Phellipe? E eu pedi pra gente brincar junto... — eu disse que ele é uma mini máquina, não é? 

   — Ah, é mesmo, meu bem? Que bom que se tornaram amigos. — olho para Milena que, por alguns segundos me encara, fazendo com que eu me perca em seus olhos cor de esmeralda por uma pequena fração de tempo. — Novamente me desculpe por fazer exceder seu horário, Milena.

   — Não tem problema nenhum, professora Herrera. — se levanta do chão, pegando sua mochila. 

   — Por favor, fora da escola, sem "professora Herrera". — digo e ela concorda. — Para me retratar, posso te dar uma carona? 

   — Não precisa... 

   — Lógico que precisa, eu faço questão. — me aproximo de meu pai. — Papai, está de carro? Quer que eu te deixe em casa?

    — Não precisa, sua mãe está chegando, querida. Nós vamos ao cinema. — sorri, dando uma piscadinha. 

   — Hum, entendi. — rimos. — Juízo em, Sr. Heitor Herrera. — dou um beijo em sua bochecha, recebendo um leve afago em meus cabelos. — Querido, venha dar tchau para o vovô. 

   — Tchauzinho, vovô! — abraça o avô, deixando um beijo estralado em sua face. — Te amo. 

   — Tchau, meu menino. — dá um beijo carinhoso nos cabelos de Heitor. — Também te amo. Juízo nessa cabecinha e cuida da mamãe, tá bom?

   — Tá bom! — concorda, ao ser colocado novamente no chão. 

Mais um abraço em meu pai e saio com Heitor e Milena e, pela segunda vez na noite, de uma forma quase que automática, eu me pego olhando diretamente para a garota que, agora mostra alguma coisa para Heitor no céu já escuro, tomado pela noite. Mas dessa vez, diferente da primeira, ela parece perceber e também me encara por alguns segundos, desviando seu olhar do meu após um tempo, quando nos aproximamos de meu carro. 

   — Venha Heitor, vamos deixar a Milena na casa dela primeiro, tá bom?

Pergunto o endereço de Milena e seguimos pelas ruas da cidade, à todo momento Heitor faz uma pergunta sobre algum assunto, fazendo com que eu responda e em seguida, que Milena responda também. Pelo que conheço do meu pequeno garoto ele, realmente, gostou muito de Milena, já que, para se soltar e conversar abertamente com alguma pessoa, ele precisa vê-la, pelo menos, umas duas vezes. Chega a ser até estranho ver o quanto essa garota parece ter um jeitinho capaz de cativar à todos tão facilmente. 

   — Bom, está entregue, Milena. — falo, estacionando o carro no endereço que a loira havia falado. 

   — Muito obrigada, profes... — para, quando vê a falsa expressão séria em meu rosto. — Muito obrigada, Clara. — sorrimos. 

   — Tchau, Milena! — Heitor diz, chamando a atenção da garota. — Agora eu vou lá no vovô todos os dia, só pra poder brincar com você. — fala e a garota sorri de uma maneira adorável. 

   — Vou adorar brincar com você, garoto. Tchauzinho, Heitor. — os dois batem as mãos num sonoro high-five. — Tchau, Clara.

   — Tchau, Milena. Até mais. 

Assim que ela some pelo grande portão de sua casa, sigo com Henry o caminho para a nossa. E nem preciso falar que o menino foi o caminho inteiro falando de Emma, né? Realmente, essa loirinha conseguiu cativar meu pequeno em pouco mais de uma hora de conversa. 

(. . .)

   — Bom dia, classe. — digo, ao adentrar na turma da minha terceira aula do dia. 

   — Bom dia! — a maioria responde, em uníssono.

Como sempre faço, dou uma olhada pela sala, no intuito de ver se todos estão presentes. Sim, eu tenho uma ótima memória fotográfica e lembro da fisionomia e nome de boa parte dos meus alunos. Coloco meus materiais sobre a mesa, me sento em minha cadeira e, antes de qualquer coisa, dou início à chamada. 

Sete segundos. Por exatos sete segundos, mais uma vez, meus olhos, se chocam com as duas esmeraldas de Milena Bianco, fazendo com que uma sensação estranha e, de certa forma, inédita percorra todo meu corpo. Quando eu disse seu nome na chamada, a garota respondeu e em seguida, sorriu abertamente. E acho que foi nesse momento que acabei me perdendo por esses breves segundos. Breves, mas que parecem terem conseguido me deixar aérea por boa parte da manhã. E não adianta nem perguntar o porquê, que eu, sinceramente, não sei responder. 

Não, eu não tenho a mania de sair encarando pessoas por aí e também não, não sei dizer o que está acontecendo. A única coisa que eu, Clara Herrera, sei é que nesses últimos dias, desde que Milena Bianco se aproximou de mim, principalmente no dia da minha briga com Henrique, eu tenho percebido o quanto, por trás daquele sorriso adorável e daquele jeito cativante, ela parece ser uma jovem, um ser humano brilhante. Além de poder perceber, o quanto ela e Heitor parecem ter se afeiçoado um ao outro, o que vem acontecendo muito rapidamente por essas duas semanas desde que se conheceram e parece se tornar mais forte à cada visita que nós fazemos a livraria. 

Após essa aula, tive mais duas antes do intervalo. O toque do sinal faz aqueles alunos mais apressados saírem como desesperados, se amontoando nos corredores. Espero o movimento diminuir um pouco, guardo meus materiais na sala dos professores e sigo para o pátio, afim de comprar algo para comer. Antes de chegar no local lotado de alunos, uma idéia passa pela minha cabeça. Idéia essa, que logo acabo descartando. Pego o que queria, e sigo de volta para a sala dos professores. 

Pelos últimos três horários do dia, fico ponderando algo que, há algumas horas atrás,  havia passado em meus pensamentos. Como disse, faz pouco mais de duas semanas que Heitor e Milena se conheceram e, desde então, todas as vezes que eu e meu filho vamos até a livraria, eles juntos protagonizam cenas capazes de aquecer qualquer coração. Sem contar que, em casa, Heitor fala muito da loirinha e conta os dias para vê-la novamente, assim como ela, que também todos os dias que me vê no colégio, se aproxima e pergunta sobre meu filho. E a mamãe coruja aqui, fica toda boba ao ver meu Heitor que, por vezes é tão tímido, conversando abertamente e até brincando com Milena, que também é um poço de doçura e sempre se mostra extremamente educada. 

Mas, pensando aqui comigo, não seria, no mínimo, estranho chamar uma aluna para um programa de final de semana? Ainda mais, levando em conta o fato de que, essa mesma aluna, por vezes, tenha algumas atitudes no mínimo meio "estranhas"? Não, não são ações capazes de colocar medo em alguém, ou algo do tipo. Longe disso. No caso, as atitudes "estranhas" que eu digo, é que, algumas vezes, durante esses dois anos e pouco que tenho dado aula para Milena, já cheguei à flagrar a mesma me olhando de um jeito, digamos, diferente. Diferente e, assumo, chega a ser até meio engraçado às vezes. 

Mas, cá entre nós, quem nunca teve alguma paixonite por algum professor em alguma época de sua vida escolar, não é mesmo? Eu sei que isso acontece, e bastante, ainda mais se tratando dessa fase, onde os hormônios parecem estar à flor da pele e os jovens se encontram numa luta interna de sentimentos e, descobertas de diferentes e novas sensações. Nem preciso falar quantas vezes já recebi cantadas de alguns alunos, e citar aqueles mais "assanhadinhos" que chegam com tudo, pensando que vão conseguir algo e poder espalhar por aí, que conseguiram “pegar" a professora. Quer dizer, a forma com que Milena me olha às vezes, pode até dizer algo, mas acho bem improvável que possa ser isso. 

Suspiro, pensando se, realmente, devo colocar em prática esse pensamento de chamar Milena para um passeio, no sábado, comigo e com Heitor. No final das contas, após muito ponderar, enquanto termino de pegar minhas coisas em meu armário, decido que não será nada demais, apenas algo para agradar meu menino, já que ele mesmo me pediu isso outro dia e como não meço esforços para ver um sorriso naquele rostinho que, ultimamente, anda tão triste por algumas atitudes de uma pessoa sem o mínimo de empatia, penso que não terá problemas em termos uma tarde diferente, com alguém que, mesmo com pouco tempo, ele parece já gostar tanto. 

Quando saio de dentro do colégio, ainda há uma movimentação de alunos no estacionamento e não muito longe do meu carro, encontro a pessoa que procuro. Sem perder Milena de vista, guardo minhas coisas no banco de trás e logo depois, me aproximo dela e de seus amigos que, parecem estar se preparando para irem para casa.

   — Milena? — chamo a garota que está de costas, conversando. — Posso falar com você? Tem um minutinho? — pergunto assim que a garota se vira. 

   — Claro, professora Herrera. — sorri. — Tchau, gente. A gente se fala mais tarde. — se despede de cada um de seus amigos com um abraço rápido e um beijo no rosto. — Alê, me espera? — pergunta para Alexia que concorda, acenando. 

Me afasto um pouco, voltando para perto do meu carro. Me encosto no veículo e fico à sua espera. 

   — Prontinho. — se aproxima. — Tudo bem? Precisa de algo?

   — Na verdade, eu quero te fazer um convite... — me seguro para não rir da expressão de susto que a garota faz no momento em que termino a frase. — É que eu fiquei pensando no quanto Heitor gostou de você. — começo e vejo um sorriso, aos poucos, ir iluminando seu rosto. — E nós andamos tendo alguns problemas que estão o deixando um pouquinho chateado ultimamente. Então, eu queria saber se amanhã você não quer sair com a gente para um passeio? 

   — Sair... sair com você e com Heitor? — pergunta após alguns segundos me olhando com a boca entreaberta. 

   — É só... só se você não for fazer nada. — por alguns segundos, o receio de uma resposta negativa faz com que eu comece a me arrepender do convite. 

   — É lógico que sim, professora Herrera. — dessa vez, um sorriso enorme brota em seus lábios, e é impossível não sorrir também. — Será uma honra passar um tempo com aquele rapazinho... — aperta alguns livros próximos ao corpo. — e com você. — essa última parte sai quase em um sussurro, de tão baixa.

   — Ótimo! — mesmo sem saber o porquê, prefiro fingir não ter ouvido essas últimas palavras de Milena. — Amanhã às três da tarde, no parque perto do shopping, pode ser?

   — Sim, claro! Nos encontramos lá. — suas bochechas levemente coradas, dão um ar gracioso à garota que agora já não me encara. — Muito obrigada pelo convite. 

   — Tenho certeza que será uma tarde muito agradável, Milena. — digo e ela concorda, acenando. — Bom, agora eu tenho que ir. Nos vemos amanhã. — num impulso, me aproximo e deposito um beijo em sua face. 

   — A-até amanhã. 


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