Um crime durante uma festa à fantasia assola um grupo de estudantes. O culpado está à espreita e cabe a Sara e Cássia, duas alunas de jornalismo, investigarem o caso, ajudando a Polícia a levar o responsável à justiça.
Leer másSexta-Feira
Aquela tarde não podia estar mais agitada no 14º DP de Pinheiros. O delegado Marcondes de Sá acomodava o corpanzil em sua cadeira quando viu as novas testemunhas adentrarem sua sala. O investigador Noronha os acompanhou até a mesa, esperou que se sentassem e em seguida saiu, ajeitando o aviador acima do nariz. Marcondes viu à sua frente um senhor grisalho aparentando uns quarenta e poucos anos. Estava muito bem trajado de terno Armani preto, camisa Hugo Boss branca e sem gravata. Seu olhar incisivo marcava o rosto ovalado. Seus olhos verdes pareciam escanear cada centímetro quadrado da mesa, onde pilhas indisciplinadas de relatórios brigavam por espaço com um porta-retratos velho, uma luminária, um telefone sem fio e uma caneca fumegante de café. Ao lado do homem estava uma moça caucasiana de cabelos castanhos e olheiras evidentes no rosto enrubescido. Seu tronco e seus membros tremiam quase como se ela não os pudesse conter.
- A moça aceita uma água?
Ela assustou-se com o tom de voz ríspido do delegado. Seus olhos não o encararam um só momento desde que havia se sentado diante dele na mesa. Um ventilador barulhento movimentava-se acima de suas cabeças.
- Minha filha está sob forte estresse. – Falou o homem de cabelos grisalhos, envolvendo os ombros da garota - Tivemos que medicá-la com um calmante para trazê-la aqui. Se o senhor puder ser breve com o depoimento todos nós agradeceremos.
- Farei o possível. – Respondeu Marcondes, com tom irônico. – O senhor deve ser Marco Aurélio Telles de Mendonça, pai da senhorita Regiane Telles de Mendonça. – E indicou a moça ao lado dele, no que o homem assentiu. – Sua filha estava presente na cena de um crime que aconteceu em sua residência ontem à noite por volta das 22:00 horas. Onde o senhor e sua esposa estavam nesse horário?
Marco soltou a filha brevemente e voltou-se para o delegado à sua frente:
- Eu estava em um jantar de negócios próximo ao Trianon-MASP. Tínhamos uma reserva em um hotel da região e passaríamos a noite lá. Voltamos imediatamente quando Regiane nos ligou desesperada.
- Entendo. – Suspirou. - O senhor estava ciente que sua filha daria uma festa em sua casa no mesmo horário?
- Sim, estava. Ela pediu autorização uma semana antes e minha esposa e eu concedemos.
- A ideia do open-bar foi dela?
- Sim. Ela já é maior de idade não vi problema em autorizar uma festa com bebida liberada. Minha única ressalva foi com relação a mobília da casa. Não queria ver nada quebrado ou fora do lugar no dia seguinte. – E mais uma vez os olhos de Marco pareceram condenar a bagunça sobre a mesa do delegado, que não se importou.
- Sua casa costuma ter um segurança particular 24 horas por dia. Onde ele estava no momento da festa?
- Seguindo ordens de Regiane. Ele ficou de prontidão dentro da sala de controle, vigiando as câmeras pelas telas de monitoramento. A sala fica próximo da entrada principal e ele foi para lá para ficar de olho, caso acontecesse algum acidente.
- O que acabou não resolvendo muito! – Ironizou o delegado.
Em seguida o homem buscou pacientemente um envelope pardo na gaveta à sua direita e o pousou sobre a superfície de mogno. Deu um gole no café que cheirava bem, pousou a caneca estampada com o símbolo da Polícia Civil sobre um papel manchado, abriu o envelope e tirou de dentro algumas fotografias. Naquele momento, uma batida na porta anunciou a chegada de um estagiário administrativo da Polícia ao depoimento. Tão logo o rapaz magro, de roupas amarfanhadas, tomou seu lugar diante de um computador no canto da sala, a voz de Marcondes fez-se ouvir novamente:
- Agora que meu estagiário retornou do café, podemos dar início ao depoimento da senhorita Regiane. – Ele apanhou as fotos e escolheu uma, colocando-a sobre a mesa, à vista da garota. – Você reconhece a pessoa da foto?
Um rapaz caucasiano de olhos estáticos, barba por fazer e rosto pálido aparecia na foto. Ele estava no chão da despensa onde um dos empregados da festa da noite anterior tinham-no encontrado caído, morto.
- Conheço... Conheço sim! – Regiane deu uma olhada breve na foto, mas aquilo bastou para reconhecê-lo.
- Ele era um dos convidados da sua festa? – Marcondes retirava da mesma gaveta uma lista de nomes digitados com várias anotações de caneta vermelha por cima. – Como ele se chamava?
- Jonathan. Jonathan Braga. E sim, eu o convidei para a festa. – Sua voz era trêmula. Deu outra olhada na pele esbranquiçada de Jonathan ali na foto. Seu coração acelerou dentro do peito.
- A festa era à fantasia, correto? – Marcondes dava uma olhada na lista que tinha em mãos, procurando algo. – Aqui diz que o rapaz Jonathan estava fantasiado de havaiano. É possível confirmar isso com esta outra foto. – E Marcondes pegou de baixo da pilha de fotos, diante de Regiane, uma que mostrava o rapaz morto de corpo inteiro, largado no chão com uma perfuração no plexo. – O investigador Noronha, que foi até a sua casa pela madrugada, relatou que foi você mesma quem entregou a ele a lista de convidados da festa, mas que não sabia com detalhes quem estava fantasiado de que. Está correto?
Ela anuiu, olhando para o próprio colo.
- O investigador Noronha também relatou que oficialmente a festa era para 50 convidados, mas que tinha uma média de 80 pessoas na casa na hora do crime. A senhorita confirma?
Novamente Regiane anuiu, mordiscando o lábio inferior e apertando forte as mãos entrelaçadas sobre o colo.
- Isso nos dá uma média de umas trinta pessoas aproximadamente que esta lista aqui não identifica. – E Marcondes levantou o papel com os 50 convidados oficiais digitados com o tipo de fantasia que usavam e as características físicas, idade e curso da faculdade riscadas de caneta vermelha por cima. – O Noronha tentou fazer um levantamento das pessoas que você relatou como convidados oficiais. Todo mundo nessa lista já foi intimado a depor, mas faltam 30 nomes. A senhorita conseguiria lembrar de cabeça quem eram essas pessoas?
Marco Aurélio incomodou-se com a pergunta do delegado e subiu o tom:
- Isso é absurdo! Ninguém se lembraria de cabeça de 30 pessoas andando para lá e para cá dentro da própria casa. Em condições normais minha filha não seria capaz de lembrar, imagine à base de remédio e em estado de choque pela morte do amigo!
- Entendo sua preocupação, senhor, mas eu preciso fazer esse tipo de pergunta. – Irritou-se Marcondes - Houve um assassinato nas dependências da sua casa. Havia cerca de 80 pessoas lá dentro no momento do crime e 30 delas não foram identificadas. Ou eu tento afunilar essa lista o mais breve possível ou teremos um crime sem solução na mesa. Qual o senhor prefere?
O homem sentiu-se acuado.
- Volto a perguntar. Há alguma chance de a senhorita lembrar quem eram essas 30 pessoas que não tinham sido listadas previamente?
Regiane limpou as lágrimas que rolavam de seus olhos discretamente com os polegares. Em seguida balançou a cabeça negativamente.
- Antes de você, colhemos o depoimento do DJ, dos quatro garçons, dos bartenders, da recepcionista da festa e de seu assistente pessoal. Todos foram contratados pela mesma agência de eventos e todos negaram qualquer participação no crime, exceto o rapaz que encontrou o corpo de Jonathan Braga na despensa. O que ele estava fazendo próximo à cozinha nessa hora? – O estagiário digitava em seu teclado palavra por palavra do depoimento, registrando-o. Os olhos de Marcondes fixaram-se contemplativos no rosto avermelhado da menina.
- Não sei bem. A Ju me contou...
- "Ju"? Que "Ju"? – Interrompeu Marcondes.
- A Ju... Juliana, a hostess... Que estava encarregada da recepção... Ela me contou depois que o garçom tinha ido buscar mais gelo para as bebidas e que ela mesma pediu para que ele fosse buscar na despensa, ao lado da cozinha.
- Antes disso, onde ele estava?
- Não sei dizer. Eu estava dançando com meus amigos no jardim da casa a essa hora. O garçom saiu de dentro da casa e foi logo falar para a Ju... Juliana... Que tinha encontrado o John... – Regiane desabou a chorar novamente.
As perguntas eram apenas para comparar com aquilo que o próprio garçom e a hostess já tinham contado a ele em depoimento mais cedo. Até aquele momento, Marcondes não tinha encontrado nenhuma incongruência no caso, comparando tudo que já tinha sido dito. O delegado permitiu uma pausa até que Regiane se acalmasse. Vinte minutos depois o interrogatório recomeçou.
- Preciso que se concentre na imagem que vou lhe mostrar, Regiane.
Ela anuiu e o aguardou encontrar a foto em meio à pilha.
- O que você está vendo aqui? – Ele dedilhou com seu indicador levemente a foto sobre a mesa.
- Uma... Uma espada suja de sangue?
Ela não sabia dizer ao certo.
- Essa é a arma usada no crime. Você sabe quem entrou na casa com essa espada?
Regiane segurou a foto em suas mãos e o papel tremulava. Enquanto ela analisava a imagem da lâmina prateada embebida em sangue, Marcondes dirigiu outra questão a seu pai:
- O senhor guardava alguma arma branca desse tipo dentro de casa?
- Não. – Ele fora enfático - A única arma que guardo em casa é uma pistola Glock 9mm, mas está bem escondida em meu cofre, em meu escritório no segundo andar.
Marcondes anotou em um bloco a informação. Em seguida seus olhos voltaram para Regiane.
- E então?
- Não tenho certeza.
Marcondes a sentiu insegura, e então colocou a lista dos nomes dos presentes sobre a mesa.
- Seu pai acabou de confirmar que não havia nenhum tipo de arma branca parecida com a da foto dentro de casa, logo, podemos supor que a arma foi trazida por um dos convidados. Quem poderia ter entrado com esse objeto na festa e perambulado com ele por lá antes de desferir o golpe fatal em Jonathan?
O silêncio na sala só era quebrado pelo girar ruidoso das pás do ventilador de teto e das teclas digitadas pelo estagiário. Os olhos de Regiane agora percorriam a lista de nomes e as marcações em vermelho feitas pelo investigador Noronha na madrugada após o crime. A garota lia nome por nome observando as anotações. Sua mente trabalhava o mais rápido que conseguia, tentando vencer a sonolência causada pelo calmante. Ela tentava relacionar os trajes com a arma do crime. Nenhuma fantasia deveria ter uma espada como adorno. Nenhuma, exceto a do Zorro.
Fazia duas semanas que a apelação do advogado Murilo Bonato para que o Juiz concedesse o Habeas Corpus a seu cliente havia sido negada e Guilherme acabou condenado em primeira instância a uma pena inicial de 18 anos pelo assassinato de Jonathan Braga. Embora não tivesse havido o flagrante, as provas apresentadas pela acusação eram bastante expressivas e o Juiz acabou entendendo que, nesse caso, não podia haver prisão domiciliar e que o condenado devia cumprir pena em um presídio do estado. Como faltavam vagas na principal penitenciária da capital, ele aguardaria 6 meses num Centro de Detenção Provisória, para onde seria transferido. Bonato poderia pedir recurso dentro de um ano e outro julgamento poderia ser agendado. Guilherme foi preparado para a transferência naquela tarde e o próprio investigador Noronha fez questão de acompanhá-lo no trajeto do 14º DP até o CDP de Pinheiros, onde o rapaz passaria os próximos 6 meses. A viatura que levava Guilherme estava
Quinta-FeiraA missa de sétimo dia rezada em homenagem à Jonathan reuniu boa parte da família do rapaz na Paróquia Nossa Senhora do Monte Serrate. Parentes dos Braga tinham vindo de muitas partes do Brasil para confortar os pais do estudante, incluindo alguns primos da Bahia, dois tios do Amapá e os avós paternos, que moravam em Minas Gerais. Sara e Cássia se juntaram aos amigos de faculdade ao final da cerimônia, que durou cerca de uma hora. A maioria ainda estava bem triste com tudo que tinha acontecido, se solidarizando com a dor da família, mas já havia aqueles que entendiam que a vida devia continuar e saíam a contar piadas e dando gargalhadas ainda próximo da igreja.Sara teve a oportunidade de trocar algumas palavras com o pai de Jonathan, próximo ao fim da missa. O homem era alto, possuía ombros largos e um peitoral estufado. Os cabelos castanhos j&
A corregedora-chefe chegou à delegacia por volta das 08:00 e a poeira ainda não tinha baixado em frente ao DP. Helicópteros das principais redes de televisão do país sobrevoavam a delegacia em busca de imagens exclusivas e os jornalistas brigavam por notícias frescas acerca da identidade do verdadeiro criminoso do caso que tinha abalado a Alta Sociedade paulista. Sara e Cássia estavam no lugar mais privilegiado que podiam estar naquele momento e trataram de aproveitar de sua vantagem sobre os colegas de profissão lá fora, anotando e registrando tudo que podiam. Era como se os atarefados policiais e funcionários do DP tivessem esquecido as duas ali e enquanto Marcondes segurava uma nova bronca da representante da Corregedoria da Polícia Civil ali presente, as duas trataram de agir. Cássia fora até o balcão e procurou se enturmar com a perita papiloscopista Maria de Fátima e com o escrivão Lopes, tirando deles informações valiosas que pretendia usar em seu artigo. Com uma boa
Eram seis da manhã e naquele momento parecia que toda a imprensa de São Paulo estava diante do 14º DP. Um amontoado de repórteres, cinegrafistas e fotógrafos formava uma verdadeira muralha humana diante do prédio, impossibilitando o tráfego de veículos da avenida e atrapalhando os transeuntes que costumavam passar por aquela calçada. Coberturas ao vivo eram feitas para os jornais televisivos matutinos e quase toda a imprensa escrita já se acotovelava com os colegas em busca de um furo.Sara e Cássia estavam sentadas na mesma longarina da outra vez em que estiveram juntas na delegacia e esperavam ansiosas pelo depoimento de Guilherme. O advogado da família Ribeiro havia chegado ao local por volta das 4:00 e não havia mais saído de dentro da sala do delegado. A morena estivera em cólicas em casa à espera de notícias, mas quando Sara deu-lhe o sinal verde, alegand
Terça-feira Não fora fácil para o delegado Marcondes no meio da noite conseguir um mandado de prisão preventiva para o agora principal suspeito do crime na mansão Telles de Mendonça. De volta ao 14º DP, ele acionou o Ministério Público com a denúncia do homicídio e ficou a aguardar que o Juiz liberasse o tal documento que lhe daria plenos poderes para prender Guilherme Ribeiro. Embora ele soubesse que demoraria, ele impacientou-se sentado em sua cadeira, tendo que aguardar o fim de noite inteiro por um retorno. Toda sua equipe estava em alerta. Noronha e Carvalho estavam de prontidão em frente à casa do suspeito em Moema, dispostos a não o deixar escapar. Lopes e Maria de Fátima tinham retornado para a delegacia para ajudar como pudessem e até o policial Medeiros estava pronto para atender ao chamado do delegado. Sara tomava um café servido por Maria de Fátima na longarina de espera, no saguão de entrada, quando viu um carcereiro conduzir o esquálido
Sara queria a companhia da amiga naquele momento, mas a encontrou adormecida no sofá da sala, cansada depois da ação do dia. Protetora, apanhou um cobertor no quarto e cobriu a amiga ressonante. Parou diante do mural de evidências que as duas haviam começado a montar na parede, no lugar do quadro de fotos que tinha ali. Notou que as pistas sempre estiveram nítidas à sua frente, mas elas não tinham olhado com atenção. Decidiu sair de casa sozinha. Apanhou apressada algumas imagens que tinha enviado para a impressora via bluetooth, jogou tudo em uma pasta, colocou a mochila nas costas e saiu.Ela não tinha certeza o horário de saída, mas aguardou pacientemente em frente à delegacia. Seu relógio de pulso marcava 21:30. Parecia tarde para alguém terminar o expediente e se ele já tivesse ido embora, teria que aguardar até o dia seguinte. “
Último capítulo