Mundo ficciónIniciar sesiónA noite caiu rápido sobre a mansão Valmont. As janelas amplas refletiam o brilho da lua, criando sombras longas pelos corredores silenciosos. Luna caminhava atrás de Helena enquanto absorvia cada detalhe: os quadros rígidos, as portas impecavelmente fechadas, o cheiro discreto de madeira encerada.
— Vou explicar as regras — disse a governanta, sem emoção. — O senhor Valmont aprecia organização e limites claros.
Luna assentiu, embora por dentro sentisse que já havia entendido isso desde o primeiro olhar dele.
— Primeira regra: não entre no quarto do senhor Valmont. Nunca. — Helena parou e virou-se, olhando Luna nos olhos. — Ele pode entrar no seu, mas você não entra no dele.
Luna arqueou uma sobrancelha.
— Ele… entra no quarto dos funcionários?
— Ele entra onde quiser — corrigiu Helena, com firmeza. — Esta é a casa dele.
A frase ficou suspensa no ar, pesada.
— Segunda regra: não faça perguntas sobre a senhora Valmont.
O nome pairou, perigoso.
— Entendi.
— Terceira: evite circular pela casa entre meia-noite e seis da manhã. Os corredores são monitorados, e o senhor Valmont detesta surpresas noturnas.
Luna sentiu um arrepio na nuca.
— E Elias? — perguntou. — Ele acorda à noite?
Helena respirou fundo.
— Às vezes. Ele tem pesadelos. Se isso acontecer, você ouvirá. Ele sempre… chama de algum jeito.
— Mesmo sem falar? — Luna perguntou, baixinho.
Helena hesitou.
— Elias tem maneiras de se comunicar — respondeu, enigmática. — Você entenderá.
Caminharam até o refeitório. Uma mesa longa, fria, de mármore. Lugares postos como se esperassem um jantar formal — mas apenas três eram usados.
Um para Adrian.
Luna engoliu em seco, conectando os pontos.
— O jantar será servido em vinte minutos — disse Helena. — Você se senta junto com Elias. O senhor Valmont decide se participa ou não.
— Ele sempre come sozinho? — Luna perguntou.
Helena apenas desviou o olhar.
Quando voltou ao quarto, Luna fechou a porta e respirou fundo. A mansão tinha uma beleza assustadora, quase sufocante. Era o tipo de lugar em que nada se movia sem propósito.
O tipo de lugar onde segredos eram parte da decoração.
Ela abriu a bolsa, tirou suas roupas dobradas, colocou no armário. Separou o caderno onde costumava anotar tudo sobre os pacientes — agora, sobre Elias.
“Primeiro contato emocional: toque espontâneo.
Ela desviou o olhar para a parede fina que dividia o quarto dela do quarto dele.
— Você deve se sentir muito sozinho — murmurou.
O jantar estava prestes a começar quando a campainha suave ecoou pelo andar.
Luna respirou fundo, ajeitou o cabelo preso em coque, e saiu.
Elias já estava sentado à mesa, as mãos pousadas no colo, o olhar fixo no prato vazio.
Quando ela se aproximou, ele respirou rápido, quase imperceptivelmente — mas o suficiente para que Luna percebesse que aquele gesto significava algo.
Ela se sentou ao lado dele.
— Oi — disse, suave. — Hoje você deve estar cansado.
Elias piscou lentamente.
Um gesto minúsculo.
O coração de Luna apertou.
A porta do refeitório se abriu.
Adrian entrou.
Vestia camisa preta, as mangas dobradas. O primeiro botão aberto. O cabelo levemente desarrumado — uma imperfeição que o tornava ainda mais perigoso.
Ele não olhou para o prato.
Olhou direto para o menino.
E depois… para Luna.
O olhar dele pousou por um segundo na pequena inclinação do corpo de Elias, buscando proximidade com ela.
E Luna viu acontecer.
Uma rachadura.
Uma fissura no homem totalmente controlado.
Algo estava mudando ali.
Ele sentou-se na ponta da mesa, de frente para os dois.
O jantar começou.
Luna manteve uma calma natural, não forçada. Conversava com o menino de forma suave, em frases curtas, sem esperar resposta.
Adrian observava tudo.
Observava demais.
— Ele só come assim quando está confortável — disse Adrian, quebrando o silêncio.
Luna olhou para ele.
— Crianças comem quando percebem que não estão sendo pressionadas.
Adrian inclinou levemente a cabeça — um reconhecimento discreto, quase involuntário.
— Você o observou bem — ele disse.
— Eu o senti — respondeu.
Os olhos de Adrian escureceram.
Porque aquela frase…
Então a campainha tocou novamente — um som diferente, mais rápido, mais urgente.
E Elias congelou.
De repente, sua respiração ficou curta.
A mão dele apertou a borda da mesa.
Os olhos arregalaram.
Não era medo comum.
Era lembrança.
E Luna soube — naquele exato segundo — que alguém acabava de entrar naquela mansão.
Alguém que Elias reconhecia.
E Adrian levantou-se tão rápido que a cadeira quase caiu para trás.
— Fique com ele — ordenou.
E saiu com passos duros.
A mansão, antes silenciosa, parecia acordar com um pressentimento.
Luna deslizou a mão até a mão de Elias.
— Está tudo bem. Eu estou aqui.
Mas o menino tremeu.
E Luna entendeu:
O verdadeiro pesadelo daquela casa… acabava de voltar.







