O celular de Peter vibrou, quebrando o silêncio do quarto. Cansado da madrugada intensa com a amante, ele atendeu sem entusiasmo.
— Bom dia, senhor… alimentou seu vício? A voz do outro lado veio cortante: — Bom dia? Você me fez perder tempo e dinheiro, Peter. Sua namorada não estava na minha cama como combinado. Eu acabei dormindo de tanto esperar. Peter gelou. — Como, assim… — Chega. Não existe mais promoção. A ligação foi encerrada sem espaço para resposta. Peter ficou parado, atônito, até que a raiva explodiu. Atirou o celular contra a parede. — Maldita… — rosnou, os olhos queimando de ódio. — Maldita, você arruinou tudo! Quinze dias depois… O tempo parecia arrastar-se. Olívia andava inquieta, sentindo no coração um vazio difícil de explicar. As mensagens que enviava para Peter permaneciam sem resposta. As ligações iam direto para a caixa postal. Na primeira semana, tentou justificar: “Deve estar ocupado, muito trabalho…”. Na segunda, o silêncio começou a pesar. O amor que acreditava sólido parecia desmoronar a cada dia. Foi ao ligar para a sogra, numa tentativa desesperada de ouvir notícias, que recebeu a informação que a deixou sem chão. — Ele foi resolver problemas de outra agência, querida. Ficará em outro estado durante alguns dias. — A voz da mulher soava indiferente. — Ele não contou pra você? Olívia sentiu o coração despencar. A garganta apertou, mas ela disfarçou a dor. — Ah… sim. Claro. Ele havia comentado por alto… — mentiu, tentando soar natural. — Esqueci! Mas quando desligou, as lágrimas escorreram silenciosas. Naquele dia, fechou-se em sua sala na empresa, tentando se concentrar nos relatórios. O som da chuva fina contra a janela parecia ecoar seu estado de espírito. Foi quando a porta se abriu de repente. Victor entrou, o rosto pálido, o olhar desesperado. — Liv, precisamos conversar. — A voz dele tremia. Olívia levantou de imediato. — Qual foi a merda da vez, Victor? Ele fechou a porta atrás de si, apoiando-se na mesa como se o chão fosse desabar. — Eu… eu fiz uma besteira, Liv. — As palavras saíam rápidas, atropeladas. — Entrei em um jogo pesado… perdi uma aposta alta… coloquei a empresa como garantia e… e perdi. Os olhos de Olívia se arregalaram. — O quê? — a voz dela ecoou na sala. — Você enlouqueceu, Victor? A empresa é tudo que temos! — Eu tinha certeza que ia ganhar, mas deu errado. — Ele passava as mãos pelos cabelos, suando frio. — Para recuperar os documentos, peguei dinheiro emprestado com agiotas. Agora eles estão me ameaçando… ameaçando a nós. Olívia levou a mão à boca, incrédula. — Você é um inconsequente Victor — falou nervosa. Victor continuou, a voz falhando: — Eles disseram que, se eu não pagar logo, vão atrás da família. Você está em perigo, Liv. Nosso pai… nossa mãe… todos. — Papai… — Ela sentiu o coração apertar. — Você sabe o que pode acontecer se ele descobrir. O coração dele não aguenta mais um choque desses! Victor assentiu, lágrimas nos olhos. — Eu sei! E é isso que me apavora. Ele não pode descobrir. A raiva de Olívia explodiu. — Quando você vai criar responsabilidade, Victor? — gritou, a voz embargada. — Você é o mais velho! Eu já estou cansada de cobrir seus buracos, de limpar suas sujeiras! Sempre eu tendo que resolver! Ele abaixou a cabeça, envergonhado. — Eu… eu sei. Eu errei… — Errou? — Ela bateu na mesa com força. — Errou é pouco! — Aproximou-se, encarando-o de perto. — Quanto é essa maldita dívida? Victor hesitou, a voz baixa como se tivesse medo de pronunciar a quantia. — Com os juros… quinhentos mil dólares. O mundo pareceu girar ao redor dela. Olívia recuou um passo, em choque. — Meio milhão? — O tom de incredulidade beirava o desespero. — Dessa vez eu acabo com você, Victor! Sem pensar, a palma da mão dela estalou contra o rosto dele. — Você foi longe demais com esse vício. Como vamos conseguir este dinheiro?! — As lágrimas já escorriam. — Não temos esse valor em caixa. Qualquer movimentação maior, papai vai perceber. E você sabe o que isso significa! Victor a olhava com os olhos marejados, a marca vermelha no rosto ardendo mais pelo peso da vergonha do que pela dor. — Eu não pensei… eu tinha certeza… que iria ganhar… — Esse é o problema! — gritou ela. — Você nunca pensa! Só age, e quem paga sou eu, somos todos nós! Por um instante, o silêncio pesado caiu entre eles. Olívia respirava ofegante, a mente girando. Apesar da raiva, apesar do choque, havia uma verdade que queimava dentro dela: amava o irmão. Mais do que tudo. Fechou os olhos, tentando conter as lágrimas. — Eu vou resolver isso. — murmurou, quase para si mesma. — Como? — Victor ergueu os olhos, a voz embargada. — Não existe saída, Liv. Foi então que uma lembrança atravessou sua mente como um sopro gelado. O cartão. O cartão deixado na mesa de cabeceira. O gesto que, para ela, havia sido prova de amor de Peter. Seu coração acelerou. — Já sei o que fazer. — disse, firme. — Peter que me perdoe. Victor a observou, confuso. — O quê? — Essa é a última vez que te ajudo. Entendeu? — respondeu, a voz fria, decidida. — Você vai me prometer uma coisa, Victor. Vai jurar que nunca mais vai jogar, que vai se tratar. Ele assentiu, desesperado. — Eu juro, Liv. Eu juro pela nossa mãe. Olívia respirou fundo e encarou o irmão. — A noite, você vai me levar nesse agiota. A noite estava pesada quando chegaram ao endereço indicado. Era um armazém abandonado na periferia, onde o cheiro de ferrugem e gasolina se misturava ao som distante de motos. Dois homens grandes, com tatuagens pelo corpo, guardavam a entrada. Os olhares eram ameaçadores. Olívia segurou firme a mão do irmão e entrou. O coração dela parecia querer pular do peito, mas manteve a cabeça erguida. Lá dentro, sentado atrás de uma mesa, estava o chefão dos agiotas. Um homem de olhar frio, cigarro aceso entre os dedos, que observava os dois com a calma de um predador. — Então… — disse ele, soltando a fumaça devagar. — O pequeno apostador trouxe a irmã para resolver a cagada. Victor tremeu, mas Olívia se adiantou, firme. — Eu vim pagar a dívida. Um sorriso torto surgiu nos lábios do homem. — Meio milhão não é pouca coisa, boneca. Tem certeza de que tem como bancar? Olívia abriu a bolsa, tirou o cartão preto e o colocou sobre a mesa. — Passe o cartão. O agiota ergueu as sobrancelhas, surpreso. Puxou a maquininha, inseriu o cartão. Quando a transação foi confirmada, riu baixo. — Impressionante. Uma moça tão bonita… e tão generosa. — Disse, inclinando-se e entregando o cartão. — Seu irmão tem sorte de ter você. Olívia não respondeu. Pegou o cartão, segurou o braço de Victor e puxou-o para fora, o coração em disparada. Lá fora, o vento frio da noite a envolveu, mas não acalmou sua alma. Ela acreditava ter feito o certo. Salvar o irmão, proteger a família, evitar a tragédia. O que não sabia era que, ao usar aquele cartão, havia aberto a porta para consequências que mudariam seu destino para sempre.