Capítulo 2

A casa era enorme e linda, com um jardim imenso, e silenciosa, parecia ainda mais fria diante da vulnerabilidade de Marvila. Ele desceu do carro, pegou a mochila dela e a conduziu até a entrada, sem tocar em seu corpo, mas com um cuidado que não se via há muito tempo em seus gestos.

Enquanto Dom andava um pouco desnorteado, sem jeito, procurando uma manta, Marvila observava o ambiente com olhos cautelosos. Era a primeira vez em meses que se sentia minimamente segura, mesmo sem saber se podia confiar naquele homem.

Ela vinha de longe. Estava fugindo do ex-namorado, um homem alcoólatra e violento, que transformava cada noite em um campo de batalha e que, depois de preso, ainda era um fantasma na memória. As marcas em seu corpo já haviam desaparecido, mas as da alma ainda sangravam em silêncio.

Ela não tinha família a quem recorrer: órfã, fora criada pela avó, a única que lhe deu colo de verdade. A mãe falecera quando ela era pequena, do pai, nunca teve notícia. Quando descobriu a gravidez, não teve apoio, nem abrigo. Apenas medo. E foi esse medo que a fez fugir, por meses, de cidade em cidade, escondendo o bebê do pai, buscando um lugar onde pudesse dar à luz em paz, com dignidade.

Agora, ali, diante de um estranho que parecia tão sozinho quanto ela, Marvila se permitiu respirar. Ainda tremia, mas não era só pelo frio. Estava nervosa, apreensiva.

Dom, calado e pensativo, subiu as escadas, entrou em seu quarto, viu a pasta com os documentos, ainda estava sobre a cama, agora esquecida. Ele pegou uma manta e voltou para a sala, observou Marvila sentada no sofá, ainda tremendo, com os olhos baixos e os braços em volta da barriga.

Ele se aproximou devagar, sentando-se na poltrona à frente.

— Toma, se aqueça.

— Qual é o seu nome? — perguntou, com a voz baixa, mas firme.

Ela hesitou por um instante, depois respondeu:

— Marvila.

Ele se levantou, curioso.

— Você não mora por aqui? Nunca te vi.

Marvila engoliu seco. Seus olhos se moveram rápido, como se procurassem uma resposta segura.

— Não... Vim pra cá procurando trabalho. Fui roubada... levaram meu dinheiro, meu celular...

Dom não reagiu de imediato. Apenas a observava, como se tentasse decifrar o que havia por trás daquela história, que podia parecer mentira. Antes que pudesse dizer algo, Marvila se curvou repentinamente, apertando os olhos e soltando um gemido contido.

— Está tudo bem? — ele se aproximou, preocupado.

Ela estendeu a mão instintivamente, e Dom segurou com firmeza. A contração passou, mas ela continuou nervosa, respirando rápido.

— São só... contrações de treinamento... eu acho... — disse, tentando se recompor.

— Eu... eu não sei ao certo. Eu abandonei o pré-natal há meses. Não sei quando o bebê vai nascer... Não fiz exames, mal sei se ele, ou ela, é saudável.

A voz dela falhou. As lágrimas vieram sem aviso, escorrendo silenciosas pelas bochechas.

— Eu não tenho ninguém... — confessou, aos prantos.

— Minha avó morreu. Minha mãe já era falecida quando eu era criança, pai, eu nunca tive. E o pai do bebê... eu estou fugindo dele. Ele é violento. Eu só queria um lugar seguro...

— Essa é a verdade, moço, eu juro.

Dom sentiu um nó na garganta. A dor dela, tão crua e exposta, o atingiu como um soco. Ele se aproximou, parou diante dela, segurando sua mão.

— Ei... calma. Você está segura agora — disse, com uma firmeza gentil.

— Eu vou te ajudar, Marvila. Mas primeiro, você precisa se acalmar. E se cuidar.

— Está segura aqui. Eu moro sozinho, mas pode ficar a vontade.

Ela o olhou com olhos marejados, surpresa com a gentileza inesperada.

— Obrigada... — murmurou, constrangida.

— Eu não sou uma pessoa encostada, sempre trabalhei.

Ele apontou para as escadas:

— Vou te levar para o quarto de hóspedes. Lá tem um banheiro. Tome um banho quente, vai te fazer bem. Enquanto isso, eu preparo algo pra você comer.

— Eu sei que estar grávida não é fácil.

Marvila assentiu, ainda tímida, e se levantou com cuidado. Dom a conduziu até o quarto, andando próximo, sendo protetor; abriu a porta e acendeu a luz. O quarto era rústico, mas acolhedor. Ela entrou devagar, olhando em volta como quem não acreditava estar ali. Tinha uma cama de casal, televisão, aparelho de som, janelas grandes que levavam à varanda. Ela colocou a mochila na cama.

— Se precisar de algo, me chame. Dom é meu nome. — disse ele, antes de fechar a porta.

Marvila ficou parada por um momento, olhando para o espelho do guarda-roupa. Tocou a barriga com carinho e medo.

— Você ainda não pode nascer, ok. Espere mais um pouco. Por favor.

O bebê estava quieto, ela foi para o banheiro, trancou a porta e tirou as roupas. Ficou encantada com a banheira e se arriscou a tentar usar, entrou antes mesmo de encher, ficou se deliciando na água pelando, sentindo os ombros finalmente cederem.

O banho quente parecia um alívio distante, mas ela sabia que precisava aceitar a ajuda. Por ela. E pelo bebê.

Enquanto isso, Dom foi para a cozinha, pensativo. Algo dentro dele havia mudado. E ele sabia que aquele encontro não era por acaso. Ainda mais, ela estando grávida. Ele pensou em redenção.

Na cozinha, Dom abriu os armários e a geladeira, encontrando tudo meio vazio.

Fez arroz, fritou dois avós. Era o que tinha. Cozinhou em silêncio, concentrado, como se aquele gesto simples fosse uma forma de organizar os próprios pensamentos.

Ele arrumou a bandeja com cuidado: colocou a comida, um copo de água, talheres limpos. Subiu as escadas e parou diante da porta do quarto de hóspedes. Bateu levemente.

— Marvila... preparei algo pra você comer — disse, com a voz baixa, mas firme.

— Pode abrir? Por favor?

Marvila estava deitada e usando um vestido amarelo de alças, simples. Os cabelos estavam úmidos, loiros e soltos, e seus olhos, embora cansados, pareciam menos assustados. Ela abriu a porta devagar.

Dom a observou por um instante, curioso. Havia algo nela que o desconcertava, uma mistura de fragilidade e força que ele não sabia como decifrar. Estar grávida era o principal.

— Você gostaria de ir ao médico? Tem um hospital aqui. — perguntou, entrando no quarto e colocando a bandeja sobre a pequena mesa com duas cadeiras.

Marvila se aproximou devagar, apreensiva. Sentou-se com cuidado, olhando para a comida como se não soubesse se podia aceitar.

— Não é necessário... — respondeu, evitando o olhar dele.

— Eu estou bem. Só preciso descansar. Vou dormir aqui hoje e... amanhã cedo eu vou embora. Não precisa se preocupar.

Dom franziu a testa, mas não insistiu. Havia algo na forma como ela dizia aquilo, como se estivesse com medo de tudo.

— Coma. Você precisa se alimentar, por dois. — disse, puxando a outra cadeira e sentando-se à frente dela.

Marvila pegou o garfo com mãos trêmulas, agradecendo com um aceno tímido.

— Obrigada... por tudo isso. Eu não esperava... ninguém parar por mim.

— Isso é coisa de interior.

Dom não respondeu de imediato. Apenas sorriu e concordou, e a observou como se tentasse entender o que a vida havia feito com ela e por que, naquele dia, ela havia cruzado seu caminho. Justamente quando ele ia desistir.

Marvila começou a comer devagar, como se cada garfada exigisse esforço. A refeição estava simples, mas, para ela, era mais do que comida: era conforto. Dom ficou olhando para as próprias mãos, os dedos entrelaçados, como se buscasse respostas nas linhas da pele.

O silêncio entre eles era desconfortável. Era como se ambos soubessem que havia coisas demais que não deviam ser ditas.

— O pai do bebê... — Dom disse, sem levantar os olhos.

— O que houve?

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