Enquanto eu ainda processava tudo, a mãe de Rafaela veio marchando até mim, seu rosto contorcido de raiva.
— Mirabel! Seu sobrinho jogou suco na minha filha! Se não fosse Orfeu colocando ele no lugar, a família Nunes não deixaria isso barato!
Orfeu rapidamente tentou se justificar:
— Mirabel, eu só queria acalmar a situação. Se não disciplinasse Eurico, a família dela faria algo pior.
— Eu peguei leve, eu juro. Ele não se machucou de verdade.
Engoli a fúria.
Meus olhos ardiam de raiva ao encará-lo.
Eurico tinha o rosto inchado, os lábios cortados, o sangue ainda escorrendo pelo queixo.
Isso era pegar leve?
Orfeu percebeu minha revolta e desviou o olhar, ciente da própria culpa.
Voltei-me para Sra. Nunes, meu tom carregado de ironia.
— Que engraçado, Sra. Nunes.
— Há meia hora, sua filha estava prestes a se jogar do alto do prédio.
— Foi por minha causa que ela está viva.
Dei um passo à frente, ignorando a dor na barriga.
— Se formos colocar na balança, sou a salvadora da sua filha.
— Meu sobrinho veio à cerimônia para celebrar meu casamento…
— E encontrou outra mulher no meu lugar.
— Achando que sua tia foi humilhada, ele se exaltou e jogou uma taça de vinho.
Parei por um instante, deixando o silêncio pesar no ambiente.
— Então me diga, Sra. Nunes…
— Será que, como salvadora da sua filha, eu posso pedir que deixemos esse pequeno incidente para lá?
O rosto de Sra. Nunes escureceu na hora.
Ela queria retrucar, mas sentiu o peso dos olhares ao redor.
E assim, limitou-se a soltar um resmungo e virar o rosto.
Segurada por Eurico, finalmente me levantei.
Orfeu me observava preocupado.
— Mirabel, você está pálida.
Eu o ignorei completamente.
Agarrei o braço de Eurico e sussurrei:
— Liga para uma ambulância. Agora.
Eurico não hesitou.
Pegou o celular e discou imediatamente.
O pânico começou a se espalhar pelo salão.
— Mas o quê? — Orfeu se aproximou, confuso.
— Por que uma ambulância? Eu só te empurrei um pouco!
Rafaela riu de canto, sarcástica.
— Ah, entendi…
— Está tentando usar isso para fazer Orfeu se sentir culpado, não é?
Orfeu franziu o cenho, hesitante.
— É isso mesmo, Mirabel?
— Você sabe que eu detesto esse tipo de joguinho.
Senti Eurico enrijecer ao meu lado, pronto para atacar Orfeu.
Mas segurei seu pulso.
Não valia a pena.
Apenas respirei fundo e sussurrei:
— Me leve para a porta.
Eurico não hesitou, me segurando enquanto eu pressionava a barriga, tentando conter a dor crescente.
Cada passo era um esforço.
Cada movimento um lembrete do que estava acontecendo comigo.
Mas continuei andando.
Uma voz gritou do meio da multidão:
— Srta. Rafaela desmaiou!
Orfeu imediatamente se virou.
Seu olhar antes preocupado comigo… desapareceu.
Ele correu até Rafaela, segurando-a nos braços como se fosse feita de vidro.
— Levem-na para o hospital! Agora!
Olhei para Orfeu.
Para aquele que me destruiu.
E, enquanto ele desaparecia na multidão carregando Rafaela nos braços, meu coração se contraiu.
A dor dentro de mim era insuportável.
Não só a dor física…
Mesmo nos nossos momentos mais felizes, ele sempre escolheu Rafaela.
Se eu tivesse enxergado isso antes, será que teria evitado o destino cruel da minha vida passada?
Eurico segurou minha mão com força, seu olhar cheio de tristeza e raiva.
— Não fique assim, tia. Eu sempre vou estar ao seu lado.
Seu toque era quente, reconfortante.
Olhei para ele e sorri, apesar da dor.
— Não se preocupe, Eurico. Eu não estou triste.
Mas ele não acreditou.
Seu rosto se contorceu de raiva.
— Quando eu crescer, nunca mais vou deixar ninguém te machucar!
Chegamos à entrada do hotel.
A ambulância já estava ali, pois o hospital não ficava longe.
Mas antes que eu pudesse sequer me aproximar, uma mulher surgiu correndo.
— Doutor! Salvem minha filha, por favor! Ela desmaiou!
Antes que eu pudesse reagir, fui empurrada com força para o lado.
Se não fosse por Eurico me segurando, teria caído feio.
Minha paciência chegou ao fim.
Levantei o olhar, furiosa, pronta para gritar…
E então o vi.
Orfeu.
Saindo do hotel, carregando Rafaela nos braços.
Seus olhos cruzaram com os meus, mas não havia culpa.
Nenhum remorso.
— Mirabel, você só caiu no chão.
Sua voz era fria.
— Mas Rafaela desmaiou.
— Ela precisa da ambulância mais do que você.
— Vou pedir para o motorista te levar para casa, assim você pode descansar.
O absurdo daquelas palavras me atingiu como um tapa.
Minha barriga doía cada vez mais.
A dor não era normal.
Eu sabia que precisava de ajuda médica.
E sabia que Rafaela estava fingindo.
Sacudi a cabeça, lutando contra as ondas de dor.
— Não.
Minha voz tremeu, mas me mantive firme.
— Não posso ceder a ambulância. Eu preciso ir ao hospital!
Foi então que Sra. Nunes avançou contra mim.
Sem aviso, sua mão atravessou o ar e atingiu meu rosto com força.
A bofetada ressoou no silêncio.
— Sua vagabunda! — Ela cuspiu, furiosa.
— Quem você pensa que é para competir com minha filha?!
Eurico, feroz de raiva, tentou revidar.
Mas antes que pudesse chegar perto, os seguranças o seguraram e o jogaram no chão.
Caí ao lado dele, o impacto enviando uma onda de dor insuportável pelo meu corpo.
Minha visão escureceu por um instante.
O bebê…
Apoiando-me no chão, busquei o olhar de Orfeu.
Pedi ajuda.
Mas ele…
Ele desviou os olhos.
Seus ombros tensionaram.
Então, disse, sua voz cheia de frieza e desprezo:
— Sra. Nunes só está preocupada com Rafaela.
— E, Mirabel… estamos falando de uma vida.
— Não é hora para brigas mesquinhas.
Meu coração se estilhaçou.
Os olhares ao nosso redor eram cheios de julgamento.
Sussurros cortavam o ar.
— Acho que ela só fingiu ser boazinha.
— No final, só queria atenção.
— Primeiro cedeu o noivo, agora quer chamar a ambulância de volta?
Orfeu passou por mim sem hesitar, carregando Rafaela nos braços.
Subiu na ambulância sem sequer olhar para trás.
Antes que a porta se fechasse, ele se virou brevemente.
Me encarou.
E então, com aquele tom hipócrita e cheio de falsa piedade, disse:
— Mirabel, você sempre foi uma mulher bondosa. Tenho certeza de que vai entender minha escolha, não é?
E não esperou pela minha resposta.
Apenas entrou na ambulância e partiu.
Fiquei ali, vendo as luzes vermelhas desaparecerem.
Meus olhos queimavam.
Minha garganta doía.
E então, tudo desabou.
— ORFEU, SEU MALDITO!
Minha voz ecoou pela rua.
No instante seguinte, um grito atravessou o silêncio.
— Meu Deus! Olhem as pernas dela!
Uma mulher apontava para mim, horrorizada.
Olhei para baixo…
E então vi.
Sangue.
Muito sangue.