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Em frente ao espelho, já vestido, olho para o meu próprio reflexo e sorrio tristemente pela minha situação. Não imaginei jamais que voltaria a dar à Ada o título de minha noiva, futura esposa. Na época em que ficamos noivos pela primeira vez, eu teria dado o mundo a ela se me pedisse. Agora, eu gostaria de poder voltar no tempo e desfazer a merda que eu fiz na minha casa em Miami. Eu estaria livre dessa porra toda.

Quando penso nisso, me repreendo mentalmente na mesma hora. Não posso dizer que isso é uma merda. Droga, eu não posso sentir ou mostrar que não quero ter esse bebê. Nenhuma criança merece descobrir que seu pai não o queria durante a gravidez. Essa criança não merece meu desprezo por causa das minhas burradas.

Tudo o que eu tenho que fazer é me casar com a mãe. Dar amor e um bom lar para essa criança é a minha nova meta de vida. Eu já perdi a ambição de ser feliz, mas não quer dizer que eu não possa fazer esse bebê feliz. A Ada é a mãe e eu devo cuidar da honra dela, pois não quero que meu filho cresça achando que sua mãe é uma perdida vagabunda. Também não quero que ela vá embora com o meu filho para Londres. Não quero ser o tipo de pai que ver o filho uma ou dias vezes por ano.

Mas ela está cometendo um erro se acha que eu irei honrar os votos do casamento. Não me permitirei amá-la de novo. Não sou burro o bastante para isso. Amar é um erro que só se comete uma vez. Eu cometi duas. E já estou cansado de errar nesse maldito aspecto.

Desço da minha cobertura com a chave do meu próprio carro em minhas mãos, dispensando o tão bem pago motorista que meu pai contratou para me servir. Gosto de dirigir e não gosto nem um pouco de ser conduzido. Quando entrego a chave ao manobrista do hotel ao chegar, um pânico toma conta de mim de repente. Minha respiração acelera e meu coração martela contra o meu peito. Eu preciso de um trago para suportar a noite pela frente.

Discretamente ponho a mão no bolso do meu smoking e tiro um pacotinho com alguns comprimidos de êxtase suficientes para me deixar bastante anestesiado. Ponho dois na mão e os engulo, jogando a cabeça para trás para facilitar a descida pela falta de líquido. Preciso manter em mente a lembrança de não beber hoje. Com uma longa respiração, ponho meu melhor sorriso e vou para dentro.

Ada e o seu pai, assim como os meus, já estão lá dentro, cumprimentando as pessoas e sorrindo como se todos já fizessem parte de uma grande família feliz. Meu estômago embrulha mais um pouquinho, mas eu deixo pra lá. Daqui a pouco as pílulas irão começar a fazer efeito e tudo ficará bem. Observo o lugar, nem um pouco admirado com o fato de estar tudo impecável. É claro, meu pai não faria nada menos que perfeito para uma noite como essa, assim como o Harold. As mesas estão quase todas lotadas de gente interesseira e que realmente não liga a mínima para o propósito da Fundação, mas vieram aqui para fazer charme, reforçar contatos e ganhar mais dinheiro.

Me aproximo da minha família, fazendo parte da farsa, e sorrio para todos, inclusive para o diretor executivo de uma das empresas com quem eu tenho trabalhado, que está aqui com a esposa. Então lhe dedico uma boa parte do meu tempo, conversando sobre a torre solar e outros projetos da minha empresa, assim como a Fundação Hoffman. Conto-lhe que o intuito da fundação é ajudar e incentivar as artes, a cultura, o lazer e os esportes. Distribuiremos bolsas de estudo e financiaremos atletas de várias modalidades a encontrarem um futuro, além de patrocinar artistas de vários lugares. Apesar de, em certa forma, ser uma conversa maçante, eu prefiro falar sobre qualquer coisa a subir no palco instalado na frente de todos e anunciar o meu terrível casamento com a Ada.

Mas não posso evitar o anúncio por muito tempo. Perto das oito da noite, o mestre de cerimônia me chama ao palco para o meu discurso. Quase posso ver dois coraçõezinhos nos olhos da Ada e eu realmente tenho que fazer um esforço muito grande para não revirar os olhos. Porém, minha máscara quando subo é totalmente condescendente com a situação. Que tipo de noivo amoroso eu seria se anunciasse um noivado com uma cara de quem está indo para uma sessão de castração? Não seria uma boa imagem para mim ou para a empresa. Droga, nem mesmo para ela. Então com um sorriso no rosto e o coração sangrando, eu saúdo a todos. Faço rapidamente meu discurso sobre a Fundação e minhas expectativas, e no fim... anuncio meu casamento.

Como é de praxe, as pessoas se colocam de pé e batem palmas, aparentemente alegres pela notícia. Elas soltam gritinhos e quando a Ada sobe ao meu lado, pedem um beijo do mais novo casal de Nova Iorque. Ainda com a minha máscara de felicidade, eu a seguro pela cintura e lhe dou um beijo casto, mas convincente. Ela agradece a todos pelos aplausos e sorri como se tivesse ganhado na loteria. Por um único e perfeito momento, eu me permito imaginá-la ganhando mesmo e indo embora da minha vida. Mas o momento logo se perde quando percebo que esta é mesmo a minha vida e não há escapatória para mim.

Ada desafiou os médicos de forma audaciosa ao engravidar duas vezes, após perder um ovário no nosso acidente em Mônaco. Não posso dizer que ela não é surpreendente. Tudo o que eu posso fazer é respeitar isso e aceitar passar todos os dias da minha miserável vida ao seu lado, mesmo que isso me mate aos poucos. Tudo por um filho. Como eu poderia não fazer isso se já perdi dois? Um terceiro eu não suportaria. Ninguém nunca vai tirar essa criança de mim e o preço que eu pago é a alma para sempre ao lado de uma pessoa que eu não amo.

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