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— Você tem algum outro tipo de qualificação? — pergunto de maneira sugestiva — Em quê mais você é boa?

Ela abre a boca, fechando logo depois por duas vezes. Franze a testa de forma tão sutil que eu não perceberia se não estivesse olhando fixamente para o seu rosto.

— Todas as minhas qualificações estão no meu currículo e as que não estão, eu falei pessoalmente.

— Claro. Mas algumas qualidades não são vistas em um pedaço de papel. Ou mesmo são ditas em entrevista formal. — lhe dou meu melhor sorriso sedutor — Algumas precisam de certa demonstração prática antes de uma contratação.

Sinto um prazer crescer dentro de mim ao ver que ela arregala os olhos, se dando conta do que eu estou falando. Quando fiz esse jogo com a ruiva, ela imediatamente se jogou de joelhos no chão e abriu minha calça. Amber apenas me olha surpresa e se levanta, colocando sua pequena bolsa no ombro antes de me encarar com um semblante sério.

— Bom, senhor Hoffman, minhas qualificações práticas podem ser vistas facilmente quando eu estou trabalhando. — ergo a sobrancelha, mostrando surpresa — Imagino que não na sua empresa após essa entrevista. Acho que não sou o tipo de assistente que o senhor está procurando.

Ela se vira pronta para ir embora e eu deixo que ela chegue até a porta para poder pará-la, sorrindo por encontrar exatamente quem eu queria para o cargo.

— Você começa amanhã, senhorita Hitchcock. — ela se vira pra mim com uma expressão confusa, enquanto eu visto minha máscara de profissional sério — Vejo você às oito em ponto.

Pouco antes de deixar o escritório às cinco em ponto depois de a senhorita Hitchcock sair, meu pai entra sem bater e se encosta na porta com os braços cruzados, bloqueando minha passagem. Termino de guardar alguns papéis de reuniões que eu não participei enquanto estava rodando o mundo, mas que tive que dar uma olhada porque são importantes, e me preparo pra sair.

Ele não sai do caminho e quando vou perguntar o que ele quer, ele resolve falar. Fecho os olhos na mesma hora soltando um suspiro bem longo e frustrado, porque quando Julian Hoffman começa a falar, ele não para nunca.

— Me diga que está tudo de pé para o seu discurso na inauguração de hoje.

— Está, pai. Eu não mudei de ideia.

— Acho bom. Você sabe o que está em jogo aqui, filho. Você ter voltado no fim de semana foi ótimo para acalmar os ânimos da diretoria e dos acionistas, mas se começar a circular o boato de que o presidente da HHE não arca com suas responsabilidades, nossa imagem vai para o buraco outra vez.

Ele não precisa me lembrar disso. Eu sei o que tenho que fazer. Não posso agir como um filho da puta com a filha de um sócio. E não posso deixar que as pessoas pensem que eu sou um moleque imaturo que mistura trabalho e vida pessoal. Mas ainda assim...

— Francamente não sei por que você se importa. Já conseguiu a fusão das empresas e nem está mais aqui. Está muito mais preocupado com a sua candidatura a prefeito do quê com a empresa do vovô.

— Sua empresa, Nicholas. Seu avô se foi. Você tem a maioria das ações agora.

— O jeito que você fala parece que...

— Parece o quê? — ele dá um passo na minha direção — Que eu não sinto falta do meu pai todos os dias desde que ele morreu?

— Eu não disse isso.

— E nem precisou. Acha mesmo que eu não penso nele todos os dias? Sei que nós tínhamos nossas diferenças, mas eu o amava. Ele era meu pai, porra. Você não é o único que sente falta dele.

Não falo nada. Não tenho motivos para achar que meu pai não sofre pela morte do pai dele. Ele com certeza deve ter a consciência menos pesada do que a minha. Se eu não tivesse ido à Miami naquela noite, eu poderia ter ido almoçar com ele e quando o infarto ocorresse, eu estaria por perto para ouvir suas últimas palavras. Não sou pretencioso o bastante para achar que impediria um ataque cardíaco, mas pelo menos ele não estaria sozinho nos seus últimos momentos. Mas ao invés disso, tudo o que eu tive foi uma conversa rápida por telefone. E eu sequer fui ao seu funeral, porque não tive forças de ver o homem mais forte do mundo pra mim, inerte e gelado, esperando pra ser enterrado embaixo dos meus pés.

— Eu sei, papai. — digo com a cabeça baixa — Desculpe.

Quando levanto os olhos, ele está me olhando de maneira estranha e com a insinuação de um sorriso no rosto. Eu o encaro sem saber o motivo desse olhar e mesmo desse sorriso quando me lembro que é porque o chamei de papai. Há quantos anos eu não o chamo assim? Acho que pelo menos uns quatro anos. Ou cinco, sei lá.

Rapidamente desvio os olhos do rosto dele, e limpo a garganta com um pigarro. Em segundos, eu visto minha máscara séria e faço um movimento para sair, mas ele se põe à minha frente novamente e me puxa para um abraço, me deixando de queixo caído e sem saber como reagir com os braços ao lado do corpo. Ele me aperta e dá alguns tapinhas nas minhas costas, mas quando eu me permito levantar os braços para abraçá-lo de volta, ele se afasta olhando para o outro lado.

Saio do escritório com o estômago embrulhado por causa do meu pai ao meu lado e por causa da noite que virá. Ansiedade me invade por conta do discurso e do anúncio que farei. E a situação fica tão desconfortável na lenta descida pelos vinte e cinco andares do prédio que eu preciso me encostar na parede do elevador para não passar mal.

Nos despedimos no estacionamento e eu entro no meu carro. No meu novo apartamento na quinta avenida, algumas quadras mais longe do meu antigo, eu tomo um banho longo e gelado. Estamos no final de maio e o clima na cidade está seco. Não se parece com o verão de Miami, mas é suficiente para me deixar todo suado, transpirando como se estivesse numa sauna.

Quando saio do banheiro, visto meu smoking o mais devagar que eu posso. Não tenho nenhuma pressa em ir ao hall do Regency Hotel onde ocorrerá o evento de inauguração da Fundação Hoffman. Não por causa da inauguração em si, mas pelo anúncio que tenho que fazer. Casamento. Eu farei o anúncio do meu noivado com a Ada.

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