Capítulo 9 - Você está livre
Os olhos de Deirdre não focaram e não reagiram à luz.

A médica apertou os lábios, com uma pontada de pena. Diante de uma mulher cujo rosto estava em uma ruína irreversível, a doutora teve dificuldade em encontrar palavras.

― Olá? ― Deirdre perguntou ― você ainda está aí? ― ela estendeu a mão, procurando contato, mas recuou, como se um pensamento terrível passasse em sua mente. Sua voz tremia, quando disse ― onde estão as luzes? Está tão escuro aqui! Eu não consigo ver nada! Acenda as luzes! ―

Em desespero, Deirdre jogou o cobertor para longe e pulou da cama, derrubando o carrinho do hospital. Com um barulho alto metálico e vidro se espatifando, a mulher foi ao chão.

― Calma! ― a médica alertou, enquanto ela se adiantava para ajudar ― tem cacos de vidro pelo chão e carrinhos de procedimento. É um grande perigo andar sem ver nada, certo? ―

― Carrinhos? Onde? ― Deirdre perguntou, segurando o choro ― por que não posso vê-los? Está escuro como breu aqui, certo? Houve um corte de energia? Vou ver de novo, assim que as luzes voltarem, certo? ―

Os olhos da médica ficaram vermelhos, mas ela fez o possível para confortar Deirdre:

― Fique calma. Deixe-me verificar seus olhos, por um segundo, está bem? Pode ser apenas um caso de cegueira temporária, isso pode acontecer quando os nervos ópticos estão sob pressão. É curável, desde que tratemos a tempo, então não tenha medo. ―

Os lábios de Deirdre tremiam. "Não tenha medo? É a única coisa que me resta!” Ela tinha passado por um inferno e todos os tipos de atribulações, por dois meses. Tinha perdido o bebê e agora estava cega. O desespero pesava sobre ela:

― Por favor! ― ela disse, com a voz áspera e irregular, como se tivesse que forçar as palavras para fora de sua garganta ― por favor, ajude-me a ver de novo... eu já... perdi tanto... ―

A médica fazia o possível para não se emocionar, mas um peso se acumulava em seu peito. A instalação em que elas estavam não tinha os equipamentos necessários para um tratamento adequado.

― Vou relatar isso ao meu supervisor. Farei o possível para garantir que eles a levem a um hospital de verdade, para tratamento imediato! ― a médica declarou, com firmeza. ― por favor, espere aqui! ―

Com uma última palmada encorajadora nas costas de Deirdre, a médica saiu para falar com os policiais.

Sozinha, Deirdre estremeceu. Sem querer acreditar, pressionou os dedos contra a barriga e tateou, a procura de algum vestígio, mas estava vazia. A vida que crescia ali tinha ido embora. A vontade implacável de Brendan finalmente tinha vencido.

Mesmo que a criança não devesse existir, ela nunca imaginou que sua vida terminaria assim. Ela tinha sido obediente e feito exatamente o que lhe fora exigido. Tinha até mesmo perdido toda a dignidade, no processo. Ela havia sacrificado tudo. Por quê? Por que Brendan não podia tratá-la nem com um pingo de gentileza? Por que ele teve que jogar o coração dela no chão e esmagá-lo com as botas, daquele jeito?!

Deirdre envolveu-se com os braços e soluçou. Em meio ao barulho áspero de sua respiração difícil, ela ouviu algo fora da sala. Parecia uma discussão.

Andando com cuidado, desviando dos objetos e, eventualmente cortando os pés em pequenos cacos de vidro, procurou a maçaneta. Ela abriu a porta e os sons ficaram claros.

― Por que não vamos enviar uma paciente doente para um hospital especial?! Ela está em estado crítico e é a única maneira de salvá-la! Escute! Nossa inação vai arruinar os olhos de uma jovem, para o resto da vida! ―

― Mercedes Jones, você pode parar de ser tão ingênua? Você realmente acha que ela entrou nesse estado sozinha? Era para acontecer! Foi porque aquele homem quis assim! De que outra forma tudo isso poderia ter acontecido? Você já esqueceu quanto tempo levou para a fúria pública diminuir? Se alguma notícia sobre Charlene vazar, estaremos alimentando as mesmas chamas, novamente! Você não entendeu? ―

― Eu sei, mas... não podemos fazer isso em segredo? ―

― Não ― reverberou a voz do homem ― esse é o desejo do Senhor Brighthall. Quem o ofender vai acabar como ela. ―

"Este é o desejo do Senhor Brighthall.” "Quem o ofender vai acabar como ela." As palavras do homem ecoaram na mente de Deirdre. Toda a dor e tristeza que poderiam ter brotado em seu peito surgiram. A escuridão sem limites que a envolvia, se tornou uma luz, em comparação com o desespero brutal que destruía seu coração.

Mais uma vez, ela caiu no chão e chorou:

― Eu me arrependo de ter salvado você, Brendan. Por que eu te salvei?! Achei que você honraria sua promessa. Achei que me veria como alguém precioso, alguém que merecia ser amado. Mas, eu não salvei um homem naquele dia. Eu salvei o Diabo. ―

― Senhorita McKinney! ― Mercedes gritou. Alarmada, ela correu para ela.

Os lábios de Deirdre tremeram:

― Um telefone... ―

― O quê? ―

Lágrimas rolaram dos olhos cegos de Deirdre:

― Por favor, me empreste seu celular ― ela implorou ― eu preciso ligar para ele... ligar para Brendan... para que eu possa perguntar a ele... como? Como ele pode ser tão cruel comigo? Por que ele me odeia tanto?! O que diabos eu fiz?! ―

Mesmo com as lágrimas devastando seu rosto, seus olhos permaneceram opacos e sem vida. Tudo o que restava em seu rosto pálido era o desânimo. Ela odiava o quão injusta a vida tinha sido. Ela detestava Brendan até os ossos.

Então, ela ouviu o homem que havia falado antes:

― Você matou alguém em um atropelamento! Você deveria estar grata por não ter sido linchada! ― ele zombou ― não acredito que você está gritando 'o que eu fiz?' como se não tivesse feito nada. O que a pessoa que você assassinou fez? ―

― Conrado! ― Mercedes sibilou. Ela lançou um olhar para ele e enfiou o celular na mão de Deirdre ― eu sinto muito por não poder ajudar mais. Receio que isso seja tudo o que posso fazer. Senhorita McKinney? Esta pode ser sua única esperança. ―

Deirdre acariciou o telefone, sentindo-se perdida.

― Deus, me desculpe! Você não pode ver ― disse Mercedes, apressadamente ― eu ajudo. Qual é o número dele? ―

Deirdre era capaz de recitar o número de Brendan, pois o sabia de cor. Mas, aquela era a primeira vez que dizia em voz alta e isso doeu, como ser esfaqueada no peito, cada vez que falava um número.

A ligação foi completada e Deirdre levou o telefone ao ouvido.

A voz de Brendan era fria:

― Quem é? ―

Outra voz, tímida, feminina e fingida, o chamou, quase instantaneamente:

― Bren, e quanto a este? Esse véu de noiva é simplesmente lindo, né? É uma combinação perfeita para o seu terno! Nós vamos ficar tão lindos na nossa foto! ―

A expressão de Deirdre congelou e uma última lagrima riscou sua bochecha, enquanto ela passava pelo inferno, Brendan e Charlene tiravam fotos de casamento, com entusiasmo.

― É incrível ― ele respondeu com um elogio. Charlene riu. Então, ela suspirou um pouco triste:

― Eu ainda acho que joguei pesado com a Deirdre, sabe? Não acredito que ela ainda está cumprindo pena no meu lugar. A culpa é minha, Bren. Eu não deveria ter dirigido daquele jeito.

― Não mencione o nome dela ― Brendan zombou. Sua marca registrada de impaciência estava de volta ― hoje é um dia para comemorar e não vou deixar que ela estrague isso. O que há para falar, afinal? Ela já está na prisão. ―

O coração de Deirdre estava frio, como uma pilha de cinzas.

Era verdade. Ele nunca tinha se importado se ela estava morta, viva ou qualquer coisa nesse meio. De que outra forma ele poderia ter ordenado que as pessoas arruinassem seu rosto e matassem a única coisa que a fazia ter vontade de viver?

Ele não se importaria se ela tivesse ficado cega. Ele não daria a mínima se ela estivesse morta, porque seria apenas mais um de seus desejos sendo atendido.

Deirdre desligou e passou o telefone, com a tela preta, em inatividade, de volta para Mercedes. A médica ficou um pouco confusa pensando em por que ela não tinha falado nada. A única resposta que ela via era a mudança da mulher diante de seus olhos. Parecia que a tristeza tinha sumido de suas feições. Foi como se o desespero se esvaísse, escapando por seus poros, deixando a mulher completamente entorpecida.

Mercedes estava sem palavras.

Um pouco depois, Deirdre finalmente falou:

― Por favor, me leve de volta para minha cela. ―

― Voltar para a cela? ― Mercedes repetiu seu pedido, parecendo atordoada ― mas... seus olhos! ―

Deirdre lançou-lhe o sorriso mais melancólico que a médica já tinha visto:

― Está tudo bem. Não preciso deles. ―

Aquele era seu castigo por se apaixonar pelo Diabo. Ela estava cega há anos, só não sabia disso ainda. Foi a cegueira que a fez amar aquele monstro por seis anos e viver com ele por dois.

Tudo começou no momento em que ela colocou esses olhos amaldiçoados nele.

― Aceito minha punição, Brendan. Não devo mais nada a você. ―

Seis meses depois, em um complexo prisional, um guarda abriu a porta de uma das celas.

Não havia luz, mas era possível distinguir a forma de uma mulher encolhida em um canto. Um fedor repugnante empesteava o ambiente. O som da porta se abrindo fez com que a cabeça se inclinasse ligeiramente, exibindo um rosto cheio de cicatrizes e um par de olhos leitosos. O guarda franziu a testa, com repulsa:

― Charlene McKinney? Saia. Você está livre. ―
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