Ana Júlia
É domingo e nós recebemos algumas visitas de dos meus amigos de faculdade. Algo que alegrou a dona Rose. Ela sempre foi próxima dos meus poucos amigos. O quarto ficou enfeitado de lindas flores e alguns balões. Suas cores chegaram a dar vida ao lugar. Durante a tarde Mônica ligou e nós tivemos uma conversa um pouco animada, mas foi em uma chamada de vídeo com a minha melhor amiga, que vi minha mãe se descontrair um pouco.
— Ana? — Despertei dos meus pensamentos quando escutei o som da voz fraca me chamar. Me afastei da janela e encontrei os seus olhos cansados. São quase duas da tarde e eu penso que ela dormiu quase que o dia inteiro depois das visitas e da chamada com a Mônica.— Oi, mãe, estou aqui! — digo, forçando um sorriso.— Quero te pedir uma coisa, filha — disse puxando uma respiração pesada. — Mãe, eu prefiro que você descanse um pouco. Você precisa…— Não, Ana. Querida, eu quero te pedir uma coisa. — Forço mais um sorriso para mascarar a dor que estou sentindo nesse momento. Rose começa a falar para mim que ficará tudo bem e eu sei que não é bem assim. Ela diz que sou muito forte e que sabe que vencerei mais esse obstáculo em nossas vidas. Eu só consigo beijar seu rosto pálido e dizer o quanto a amo e o quanto ela é importante para mim. No meu desespero, eu só consigo pensar que não sei o que farei sem ela em minha vida. Essa é uma pergunta que tenho repetido para mim por vários dias. Ainda não. Não quero pensar nisso agora. Nesse momento eu só quero aproveitar cada momento ao seu lado.— Promete que seguirá em frente, filha? Promete que você nunca irá desistir dos nossos planos? — pede puxando uma respiração cansada. Como posso prometer-lhe algo assim? Tudo o que fiz até agora foi para ela, por ela. — Promete, Ana? — insiste.— Prometo, mãe! — sussurro. — Agora pare de falar e descanse, por favor! — peço. Ela assente, fechando os seus olhos em seguida. A noite uma enfermeira entra no quarto e inicia alguns procedimentos de cuidados. Ela verifica o soro, aplica uma injeção e observa as máquinas e antes de sair do quarto, escreve algo em uma prancheta ao pé da cama, me lança um meio sorriso e sai. Continuo no cantinho da janela olhando as luzes da cidade cheia de vida.— Ana? — Ela me chama com um som fraco e eu vou imediatamente para perto da cama. Acomodo-me na poltrona ao seu lado e seguro a sua mão com carinho. — Preciso te contar uma coisa, filha — Ela diz com um pouco de dificuldade. Eu só queria que ela se poupasse, que descansasse… mas sinto que dessa vez eu preciso ouvi-la. — Quando conheci o seu pai… eu tinha dezessete anos. Ele era o filho do patrão do meu pai… e eu me apaixonei por ele… sabia que não devia, mas aconteceu… — Sua voz se arrastava, mas ela falava entre uma respiração e outra. Eu não entendi o motivo de Rose querer falar disso agora. Durante anos eu sempre quis saber sobre ele, mas ela sempre evitava falar sobre assunto. E agora isso? — Edgar Fassini foi o meu primeiro e o meu último também… engravidei de você… não sei, acredito que em nossa primeira vez… Ana… eu nunca tive a chance de falar você para ele… eu nunca tive a chance… — Engulo em seco. O que ela está me dizendo?— Eu estava disposta a contar-lhe, porém, quando cheguei em sua casa… fui impedida de me aproximar… eu não pude contar, Ana… eu não pude… me perdoe, filha!Eu só consigo olhar o rosto arrependido de minha mãe. Por que nunca me falou nada? O tempo todo eu sempre acreditei que fora abandonada ainda em seu ventre. Não sei o como me sinto agora, não é revolta e nem estou com raiva. Rose Falcão fez muito por mim, e eu sabia que essa atitude sua, fora mais uma forma de me proteger. Mas, de quê, ou de quem? Fico preocupada por ela estar respirando com mais dificuldade ainda, então seguro a sua mão que está segurando a máscara de oxigênio e a levo ao seu rosto.— Melhor parar de falar, mãe. — Tento convencê-la, mas ela faz um não com a cabeça.— Não, Ana… eu preciso falar — insiste, e eu temo muito por isso. — Ele… ele não sabe sobre da sua existência, filha. Quando os meus pais descobriram sobre a minha gravidez… eles me mandaram embora da fazenda e eu não o vi mais desde então.— O que está me dizendo, mãe? — pergunto com a voz embargada. Sinto-me sem chão. Como assim o meu pai não sabe da minha existência? De repente tenho um pai, ou não. Sinto o seu aperto firme em minha mão, então desperto procurando os seus olhos.— Promete que não desistirá, Ana? Promete… que voltará para faculdade… que vencerá… por mim… por nós duas. — insiste nessa promessa, e com lágrimas nos olhos, mais uma vez prometo para a minha mãe. Sim, eu seguirei com a minha vida e eu vencerei por ela. Por nós duas.— Eu prometo, mãe! — Uma lágrima solitária desce pelo meu rosto. Ela me lança um sorriso fraco e lentamente, seus olhos cansados vão se fechando. Noto que estão ficando sem foco e a sua mão fica inerte e sem forças em seguida. Olho para o seu rosto pálido e imediatamente, fico preocupada.— Me perdoe, Ana! — sussurra quase sem forças. — Não procure seu pai… isso não é bom, filha… — As máquinas começam a fazer um som alto e ritmado. Nervosa, eu olho para o monitor com a minha visão embaçada pelas lágrimas que a inundaram imediatamente.— Não, não, não, não! Por favor, não mãe! Não faça isso comigo, por favor! Não me deixe, por favor! — peço quando vejo apenas uma linha reta no monitor. Abraço o seu corpo sem vida em cima da cama e começo, na esperança de que ela volte para mim. — Acorda, mãe! Abre os olhos, para mim, não faz isso comigo! Mãe, por favor, não me deixa! Abre os olhos para mim — insisto, mas ela não faz. — Eu preciso de você, mãe — sussurro desistindo da luta e deixo a minha cabeça cair sobre o seu corpo, enquanto me entrego ao meu pranto dolorido. O desespero me consome, tira as minhas forças e compre o meu peito. Sinto alguém segurar os meus ombros e me tirar de perto da minha mãe e de dentro do quarto. Doutor Vilela e alguns enfermeiros logo invadem o quarto. Do lado de fora os vejo tentando reanimá-la, mas nada acontece. Um dos médicos me olha, fazendo um gesto lento e negativo com a cabeça e aquilo me destruiu por dentro. Acabou com o resquício de esperança que eu ainda tinha dentro de mim. Sem forças, eu me deixo cair sentada no banco atrás de mim e faço a única coisa que eu consigo fazer agora. Choro por horas a fio e quando já estou mais calma, e me sinto capaz, pego o meu celular na bolsa e ligo para Mônica. Já é madrugada e ela deve estar dormindo, pois, seu celular chama e chama, e ela só atende no último toque.