Grace
O som constante dos aparelhos ligados ao meu corpo me despertou de um torpor profundo. Piscar os olhos várias vezes não adiantou. Eu tentava recordar o que acontecera e como havia chegado àquele quarto de hospital.
O ódio estampado no rosto de Ethan quando ele partira com Lily foi a primeira imagem que veio à minha mente. Movida por um impulso, sentei-me na cama e levei a mão trêmula até a barriga.
Algo estava errado, eu podia sentir cada ausência de movimento.
Meu bebê!
— O que... o que aconteceu com meu bebê?! — Gritei.
Enfermeiras invadiram o quarto em passo apressado e me empurraram para baixo numa tentativa de me manter deitada. Logo médicos surgiram atrás delas e trocaram palavras cujos fragmentos ficaram gravados na minha mente.
— Você teve um aborto espontâneo.
— Foi uma sorte ter sobrevivido.
Uma força avassaladora tomou conta do meu corpo enquanto eu me debatia, consumida por uma vontade cega de destruir tudo à minha volta.
A dor me rasgava por dentro e cada soluço saiu acompanhado de gritos que eu mal reconhecia como meus. Aquelas lágrimas rolavam sem cessar e, por um momento, quis simplesmente desaparecer ali mesmo.
Para conter meus acessos de angústia, alguém aplicou uma injeção e eu senti meus sentidos se dissiparem até mergulhar num mundo de sonhos.
Nesse devaneio, eu estava rodeada por uma felicidade que já não existia. Via meu filho pequeno de olhos verdes correr pelo quintal enquanto sua risada suave iluminava cada canto daquele lugar.
Atrás dele, Ethan sorria com a ternura que eu conhecia antes de Lily se tornar o centro de sua atenção.
Acordei de novo e percebi que tudo aquilo tinha desaparecido.
Permaneceu apenas o teto branco e minha mente exausta envolta num silêncio gélido.
Não tinha mais forças para sentir dor ou raiva. Tinha perdido meu bebê, mas também percebi que perdera a confiança em quem amava.
O homem a quem eu confiara meus sonhos tinha me empurrado, tornando-se responsável pelo acidente que custou a vida do nosso filho.
Mesmo assim, ele optara por salvar Lily antes de mim.
Lembrei dos planos que fizemos juntos durante três anos e recordei a empolgação de segurar o resultado do teste positivo.
Levei Ethan ao nosso restaurante preferido para compartilhar a alegria.
Eu, ele e nosso bebê finalmente formaríamos uma família.
Mas Lily apareceu naquele jantar e mudou tudo. Em vez de proteger meus sentimentos, Ethan cedeu ao prazer de tê-la de volta, como se fosse um alívio, não um conflito, tê-la ao lado dele.
Com clareza dolorosa, entendi que não se tratava de amor.
Ethan Calder era um homem sem coração, capaz de tudo para obter o que desejava.
— Está se sentindo melhor? — Perguntou uma voz grave vinda de um canto do quarto.
Assustada, virei o rosto e encontrei um homem sentado em uma poltrona ao meu lado. Ele trajava um terno preto sob medida que delineava ombros largos e postura imponente. O cabelo castanho-claro reluzia sob a luz suave que entrava pela janela e seus olhos azuis profundos me encaravam com curiosidade. Ele parecia familiar, mas eu não conseguia lembrar de onde o conhecia. Era como se tivesse saído diretamente de uma revista.
— Quem... é o senhor? — Sussurrei.
Já não sentia mais a dor física — como se o corpo tivesse apagado para dar lugar ao vazio. Os médicos haviam dito que minha única sorte era ter sobrevivido com uma concussão, porém com a perda do bebê.
— Você foi atropelada pelo meu carro. — Disse ele num tom entediado.
— Não foi culpa do motorista. — Acrescentou, fitando-me com frieza. — Você surgiu de repente na minha frente e não houve tempo para que ninguém desviasse.
Havia algo de nobre em seu porte, ainda que o olhar sombrio e impassível lembrasse um vilão pronto para julgar minha alma.
Suspirei, exausta.
— E o que o senhor faz aqui então?
— Tristin Roberto. — Ele respondeu e se recostou na poltrona.
Pisquei, confusa.
— Por que está aqui, Sr. Roberto?
— Você teria sangrado até morrer. Ninguém viria te salvar.
Ele fez um gesto com a mão como se explicasse a passagem do tempo.
Tentei sentir dor no peito, mas em vez dela o que me queimava era uma raiva profunda. Cerrei os dentes e desviei o olhar daquele estranho atraente.
— Então foi você quem me salvou? — Sussurrei.
— Você causou uma bela comoção. — Murmurou Tristin.
Minha garganta se apertou ao lembrar do que fiz poucas horas antes.
— Você estava aqui o tempo todo?
— Você me deve. — Disse Tristin em vez de responder.
Ele tinha visto tudo e eu devia ter parecido uma louca tentando me matar.
— Obrigada, Sr. Roberto. — Disse suavemente, virando-me para ele.
Eu percebi o quanto havia sido sortuda por ter sobrevivido — por não ter morrido junto com aquele bebê tão desejado e azarado, pois a partir daquele instante eu faria todos pagarem. Aqueles que me destruíram iriam implorar por misericórdia e eu não pararia até vê-los chorar lágrimas de sangue.
— Seus olhos são perigosos. — Tristin sorriu de lado e a voz ganhou um tom rouco. — Gosto disso.
Meu coração falhou por um instante.
— O quê?
— Não quero sua gratidão. Quando digo que você me deve... — Ele se levantou imponente. O quarto pareceu diminuir de tamanho quando aquele homem de quase dois metros ficou tão perto de mim. — Significa que vou cobrar um favor.
— Como? — Minhas mãos tremiam ao lado do corpo.
Ele se aproximou e apoiou a mão no meu travesseiro antes de se inclinar.
— Você, Srta. Whitlock, vai ter que fazer algo por mim.
Ele parecia prestes a exigir minha alma. O pensamento secou minha boca. Seu perfume caro e masculino dominava o ambiente, abafando o cheiro dos desinfetantes e trazendo um alívio momentâneo.
— O... O quê? — Gaguejei, sentindo meu coração acelerar.
Ele sorriu com um leve vinco na bochecha esquerda, mas não havia nada de inocente naquele gesto. Prendi a respiração quando ele se inclinou ainda mais.
Antes que eu conseguisse dizer qualquer coisa, a porta do quarto do hospital se abriu e um homem rosnou: — O que está acontecendo aqui?!
Os lábios de Tristin se contraíram e seus olhos escureceram. Ele se afastou e ajeitou o paletó com a calma de um predador.
Virei-me para encarar Ethan com fúria e gritei de volta: — O que você pensa que está fazendo aqui?!