PROBLEMAS

— Me perdoa por ter perdido o espetáculo. — disse Aaron adentrando à sala da presidência. Puxou uma cadeira e sentou-se nela. — Mas me conte: como foi?

     Saymon repousou o olhar em cima dele. Parecia gostar daquilo, de vê-lo rastejando em estratégias baixas e ineficazes.

— Bem. Digo, foi como tinha que ser. 

    Aaron estreitou o olhar. 

— Não entendi! Pode ser um pouco menos implícito?

— Estou querendo dizer que a conversa fluiu. Adam é estreitamente ligado aos negócios, tudo paira sobre isso. — Saymon suspirou com um ar de frustração. — E você?

— Que tem eu? — indagou o rapaz.

— Aonde estava?

— Ah, sim. Reunido com fornecedores— respondeu pegando a maleta e tirando alguns papéis. — Leia, veja se concorda e assina. 

    Mais papéis. Sua vida girava em torno da leitura, da interpretação e do ranço. Não imaginava que lidar com negócios seria a coisa mais chata do mundo. Apanhou o maço de papel e colocou em cima de sua mesa. Leria mais tarde, agora haviam outros assuntos a serem tratados e com extrema urgência.

— Falou com seu amigo de faculdade? — Saymon desejou saber, mais por curiosidade do que por profissionalismo.

    Aaron balançou a cabeça em negação.

— Ainda não tive essa honra. Porém, assim que nos vermos, irei trocar uma ideia.

    Ele levantou da cadeira rapidamente. 

— Vai aonde assim tão depressa?

     Aaron certificou o horário no relógio de pulso e viu que estava atrasado para o almoço com os japoneses.

— Em mais uma reunião. Dessa vez irei tratar de orçamento com os asiáticos. Vem comigo?

— Não, não. Mas leve a Raven, após ela me repassa.

— Tudo bem então. Até mais.

     Aaron despediu-se dele, saindo às pressas da sala.

     Sozinho, Saymon ocupou o tempo lendo aqueles papéis. Eram respectivos os gastos daquele mês, o quanto havia entrado e saindo de seus cofres. Tudo em ordem, sem embargo. Aaron era um excelente diretor financeiro, contava com um grupo profissional e o qual não media esforços para arrecadar milhões e economizar o máximo possível. 

    Almoçou na cantina e aproveitou para trocar ideia com Petrus, já que nem eram tão próximos.

— Seu sobrinho é um cara genial. Gostei da forma como ele impulsiona as pessoas a gostar daquilo que elas odeiam— asseverou com muita paciência, pois digerir aquelas palavras falsas e enganosas cortavam a alma. — Além do mais, tem uma boa referência: você.

    Petrus amava quando seu ego um tanto avançado era cogitado em assuntos como aquele. Lapidara muito bem o novo Adam; ele não parecia mais tão fraco como tantos tiveram a lisura de vê-lo frequentando lugares baixos e dando aula de incompetência absurda a meros empresários. O Adam, aquele cujo nome significava uma avalanche de conquistas, tinha se tornado não apenas o filho perfeito e que nunca tivera, mas a chave mestre a fim de resolver todos os seus problemas. Sorriu. Além do mais, Adam Becker seria seu passaporte rumo à cadeira presidencial.

— Meu sobrinho é uma pessoa de muitas qualidades, Saymon. — garantiu. E o rapaz não tinha ideia do quanto isso o afetaria num futuro próximo— Ele sempre desejou alcançar lugares maiores do que tinha. A ambição, claro, é muito bem vinda ao homem. Não acha?

     Saymon garfou um pedaço do frango assado no molho de tomate e comeu. Mastigou durante alguns segundos, apenas para não ser tão apressado. Costumava medir suas falas, antes mesmo que elas fossem ditas.

— Como diz o Aaron: um homem sem ambição, não é homem, mas metade daquilo que já viveu. 

— Ele está correto, Stein— desembuchou Petrus, tomando um gole do suco natural— Adam, meu sobrinho, sempre fala que a ambição do homem é inesgotável. Quanto mais temos, mais desejamos. É um prazer, um prazer maravilhoso.

    Por mais que meia dúzia de palavras fosse o bastante, Saymon sentiu algo muito estranho naquelas. Era um homem cauteloso, o qual gostava de deixar os amigos perto, e os inimigos, mais próximos ainda. E não sabia, mas tinha ideia do quão importante era manter Petrus ao seu lado, mesmo o odiando intensamente.

— Tem razão. E que tal jantar na minha casa no final de semana? — ele perguntou esperançoso, não deixaria o momento escapar de suas mãos. — Vou adorar à sua presença, da vossa mulher e do seu adorável sobrinho.

    Petrus sorriu. Concordaria, claro, pois manter relações amigáveis com Saymon Stein, estava na lista de prioridades.

— É uma ótima ideia. Assim sua mãe conhece melhor o lapidador de jóias rústicas.

     O tom sarcástico não passara despercebido. Petrus usava o conhecimento reduzido de seus inimigos a fim de atormentá-los, afinal de contas, era um homem provido de inteligência e sabedoria, costumava usar aquilo a fim de se manter intacto. Era como uma camuflagem.

— Pedirei para minha mãe organizar tudo. — ele ajustou os detalhes. — Quero estudar o currículo do Adam, peça para ele trazer pela manhã, por favor.

     A fome passou após aquele pedido. A garganta secou e Petrus pode jurar para si que estava vermelho e nervoso. Mas sorriu, pois um sorriso, por mais simples que fosse, acalmava pessoas até nos piores momentos.

— Vou me encarregar disso.

— Que bom. Meu horário estourou— comunicou limpando os lábios e levantando-se— Vou aguardar pelos papéis que lhe pedi há alguns dias. Já que está se afastando da empresa, é melhor ficar a par de tudo. Leve para mim o número da advocacia afiliada a Mallmann, preciso conversar com seus superiores. 

     A atitude não havia sido premeditada. Tentou colocar aquele equívoco para trás e adiar a entrega dos documentos, mas Saymon Stein, parecia começar a gostar dos negócios. Petrus tinha de agir depressa.

— Entregarei meus documentos breve, fique despreocupado. Quanto aos meus superiores, eu mesmo irei contestar minha saída definitiva do grupo Mallmann. — Petrus foi esperto. Era uma presa difícil de cair no primeiro bote. — Ah, terei de ir para casa agora, meu sobrinho precisa estar confortável. Com sua licença.

      Postura de advogado e o viu sair apressado da cantina.

   Às duas da tarde, como combinado, Raven fora até à sala da presidência repassar os últimos ajustes postos na agenda diária. Sentada na poltrona à frente, contara tudo ao chefe. Saymon adorava a forma de como ela conseguia transmitir aquilo calmamente, sem haver interrupções ou gaguejos.

     Raven Schumacher, era uma jovem adorável. Começou a trabalhar aos vinte anos para a empresa do pai, foi altamente paga a fim de fazer o melhor trabalho. Cinco anos depois, a garota parecia ter ainda mais experiência.

— E é isso, Sr. Stein.

— Excelente, senhorita. Cada vez mais disposta a trabalhar incansavelmente pela Mallmann. — ele a elogiou. 

— Faço apenas o meu trabalho, Sr. Stein. Agora se me der licença, irei terminar sua agenda prioritária de amanhã e logo trago para o senhor.

     Saymon a liberou em seguida.

  Ele voltou ao trabalho. Atendeu algumas ligações, fechamento de contrato com novos fornecedores e empresas pequenas, parceiras na causa Stein. Às seis da tarde, concluira tudo e finalmente é liberado para ir descansar. 

    Odiava voltar à mansão de seus pais e o ar estava carregado demais para respirar. Era como um castigo, uma penitência à qual estava obrigado a carregar pelos dias de sua vida.

     Sem carro e com motorista particular, ele retornou a Rose Ruschel. Perdera o direito de dirigir anos atrás, quando fora pego alcoolizado no volante. Foi a maior vergonha para Herbert e Angelina, os quais pensaram bastante em internar o filho numa clínica. Amável, no entanto, Angelina foi contrária. Ele se arrependia profundamente daquele dia, quiçá, o único momento de fraqueza.

    Heitor estacionou o carro próximo ao jardim da mansão Stein. Aquilo mais parecia um hotel do que uma casa, ainda que sua família fosse minoria. Morava ele, a mãe e o pai, agora apenas os dois. Saiu do carro e agradeceu ao motorista. Caminhou a passos firmes e abriu a enorme porta de madeira avermelhada, encontrando uma sala um tanto cheia para o meio da semana.

Seus primos mais próximos por parte de mãe, estavam agasalhados nos sofás, cadeiras e poltronas. Pareciam conversar assuntos paralelos, até o notarem ali e o silêncio tomar conta do ambiente.

— Por favor, continuem. Não será por mim que irão parar de conversar. — discorreu aproximando-se do grupo familiar. — Para deixá-los mais confortáveis, irei ao meu quarto tomar uma boa ducha.

    Seus olhos de um azul quase cinzento, repousaram sobre Benjamin, seu primo mais novo, e este desviara o olhar para o nada.

— Por que não fica conosco, filho? — Angelina perguntou. Ele olhou em torno e sua presença parecia ferir alguns egos elevados. 

— Porque estou cansado e preciso tomar um banho.

     Saymon tentou ser o mais cordial possível. Errava muito com aquelas pessoas mas não conseguia pedir desculpas; o passado o atormentava demais, quase diariamente se não ocupasse tanto a mente com o trabalho. 

    Tratou de ir para o quarto. Jogou a maleta sobre a cama e começou a tirar a roupa, deixando-as dentro de um cesto para serem lavadas no final de semana, quando Claire levava-as até a lavanderia. Apanhou a toalha e pôs em volta da cintura, entrando no banheiro e trancando o boxe.

    Ligou o chuveiro e deixou que aquela água fria também lavasse sua alma e trouxesse outra menos densa. Tomando banho, encarou-se no pequeno espelho e sentiu uma leve mudança. Seu rosto havia mudado. 

   Balançou a cabeça e saiu do box, encarando Benjamin o esperando.

— Que susto, Ben! Quer me matar do coração? — ele perguntou.

   Benjamin analisou a figura na sua frente. O tivera visto durante muitas vezes naquela forma... atraente e nada amigável.

— Desculpa. Precisava usar o banheiro.

— E por que o meu? 

— O da sala estava ocupado.

— Tá, tá. Agora sai. Quero ficar sozinho. — Benjamin não moveu um músculo. — Tô falando com você, Ben. 

— Só me responda uma pergunta... — o garoto deu um passo à frente. — Aquela vez que saímos, não sentiu nada por mim?

— Aquilo foi um erro. Eu estava bêbado.

— Um erro? 

     Saymon assentiu.

— Agora se puder me deixar sozinho, vou agradecer. — ele apontou à saída do banheiro. Benjamin estarreceu, mal podia acreditar no que havia acabado de ouvir. — Anda garoto, suma da minha frente.

     Benjamin abandonou o banheiro e posteriormente a casa de Saymon também. Ele tinha feito dezenove anos há poucos dias, mas já haviam transado uma vez, quando dormiram juntos na casa de Evelyn, irmã de Ben. O evento casualmente irresponsável, interrompeu uma linda amizade que ambos cultivaram durante anos. 

    Benjamin recusou-se a deixar explícito qualquer forma de sentimento, mas diferente de Saymon, este era inexperiente e fácil de ser controlado. O erro de ambos, custou mais que laços e dignidade, custou emoções e noites sem dormir.

    Saymon ouviu o barulho da porta fechada com força e ódio. E suspirando fundo, passou as mãos no rosto, apressando-se em sair do banheiro. Vivia uma constante luta, à qual aos poucos se rendia. De um lado havia sua mãe, a bela e ambiciosa Angelina, do outro, seu pai, com Alzheimer e que mal lembrava-se dele e, por fim, os estorvos alimentados diariamente por seus incontáveis fracassos. Por isso adorava uma diversão, mas naquela noite resolveu priorizar a saúde mental.

    Não descendo para jantar e sentar junto de seus primos, preferiu continuar deitado e pensando e quanto mais pensava, mais à figura de Adam vinha na lembrança. Era um rapaz muito bonito, no entanto, misterioso. O semblante de quem costumava aprontar sempre; a fala de alguém experiente e ao mesmo tempo, preocupado e medroso. Como seria desvendar aquele terrível mistério? Não sabia. Não sabia absolutamente nada sobre Adam Becker. 

    Frustrado por haver pensado demais, dormiu cedo e acordou às sete da manhã com a mesma rotina miserável de sempre. Acostumou-se aquilo nos últimos cinco meses: dormir, acordar, e trabalhar. E repetia-se no dia seguinte e assim por diante. Quando terminaria? Quando iria se permitir a viver intensamente como nos últimos tempos?

    De terno e gravata, ele desceu e tomou café rapidamente, mal olhou nos olhos de Claire ou de sua mãe. Tomara uma distância nos últimos dias, e seria assim até quando quisesse. 

   O seu motorista, àquela altura, o esperava dentro do automóvel. 

— Bom dia, Sr. Stein. Como tem passado?

— Muito bem. Temos como ir embora depressa?

     O homem de meia idade assentiu, sabia o quão escuro era seu patrão, à pergunta sem resposta já fazia parte do quotidiano.

    Às sete da manhã, avançaram para a Mallmann Enterprise, ali próximo, a uns dez minutos de Rose Ruschel.

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