- Não entendi, resolveu devolver a carta ao meu caixa? - Ronan estava novamente ao lado do freezer de vidro do açougue e estendia a carta para Bento. A mesma que ele amassara e jogara no cesto de lixo.
- Chegou outra? - Perguntou, incrédulo. Sorte que aquele horário, o mercado e o açougue estavam quase vazios.
- Me parece a mesma.
Bento pegou a carta. O mesmo lacre, ainda intacto, não estava amassado.
- Pode me render aqui, um pouco?
- Está tudo bem?
- Sim, só preciso conferir uma coisa. - Disse já tirando a touca e o avental.
- Clóvis. - Gritou Ronan, para o garoto que atendia a padaria. - Fique de olho no meu caixa, por favor. Vá lá e não demore, Bento, ou seu pai vai ficar bravo comigo.
- Comigo também. Serei breve.
Bento foi até o cesto da frente do Supermercado onde havia jogado a carta, e como imaginava, ela não estava lá. Não haviam muito mais lixos jogados depois que ele jogou a carta, via-se que estava quase vazio o cesto, como quando ele o usou para descartar a carta.
Indo até o escritório no andar superior, ele abriu a porta e viu o pai e o gerente sentados cada qual em sua cadeira.
- Pai, preciso ver uma coisa aqui. - Ele disse, fechando a porta atrás de si ao entrar.
- Está tudo bem no mercado? - Perguntou seu pai, sempre com um sorriso de calma. Ainda que o filho dissesse que o mercado estava ardendo em fogo, ele não demonstraria pânico.
- Está tudo tranquilo. Aconteceu um fato estranho. - Ele sentou-se à frente do pai na mesa. - Recebi uma carta aqui, Ronan a guardou para mim. Nada de estranho, porém eu a joguei no lixo e misteriosamente ela apareceu no caixa de Ronan umas horas mais tarde.
- Estranho mesmo. - Sem denotar preocupação, Silas, seu pai, tirou os olhos do computador, agora prestando total atenção ao filho. - O que dizia a carta?
- Acho que veio do orfanato. Queria, na verdade, puxar as gravações das câmeras para ver quem a pegou no lixo e a trouxe de volta para o caixa. - Ele não quis dizer que ela estava lacrada novamente.
- Pablo poderá fazer isso para você.
- Faço sim, senhor Silas. Pedirei ao Bruno que o acompanhe, Bento. Pode ser algum engraçadinho espreitando para roubar algo. - Disse Pablo e Bento aquiesceu, sabia que Pablo era vigilante com roubos e estava sempre atento às câmeras. Não passava pela mente do rapaz que fosse alguém querendo pregar uma peça ou roubar algo.
Entrando na saleta adjacente ao escritório, ele pediu à Pablo e Peter que dessem uma olhada nas câmeras de segurança no horário em que sabia que estivera lá fora e jogara a carta no lixo.
Passaram as imagens e ele olhava nitidamente; viu até quando saiu e entrou minutos depois, como também viu quando jogou a carta no lixo. E nada anormal depois disso. Exceto um frio na barriga que sentiu ao ver um redemoinho passando pela porta do Supermercado uns minutos depois que ele atirou a carta. Somente em volta da lixeira, um vento formou um vórtice que chegou a chacoalhá-la meio de leve.
Ele se lembrava disso; quando criança, vira esses redemoinhos sendo criados quando ele se sentia irritado com algum acontecimento no orfanato. Mesmo sendo criança, ele notara que só acontecia com ele e em ocasiões estranhas.
Agradeceu aos rapazes e ao pai e voltou para o açougue. Sua mãe e irmã mais nova estavam no mercado. Tina adorava ficar na padaria e toda vez que aparecia por ali, se enfiava na padaria.
- Está tudo bem, querido? - Perguntou sua mãe, abraçando-o. - Me parece meio pálido. Ronan me disse que recebeu uma correspondência. Espero que nada que o preocupes.
- Está tudo bem, mãe. Fui resolver um assunto com o pai e Pablo, sobre o mercado. O que as duas estão fazendo aqui uma hora dessas?
- Tina está indo ao balé e quis passar aqui antes. Está se empanturrando na padaria, nem vai entrar na roupa hoje. Eu passei para dizer um olá aos homens da minha vida. - Ela o beijou no rosto e chamou a filha para irem embora.
Tina era elétrica. Ouvia-se sua voz por todo o mercado quando lá estava. Veio também cumprimentar o irmão e logo as duas foram embora.