CamilleSenti o calor do sol entrando pela janela, e um leve suspiro escapou de meus lábios ao perceber que estava acordando.Semicerrei as pálpebras, sentindo a confusão no meu corpo, como se estivesse entre o bem e o mal, algo que eu não conseguia controlar. Quando olhei para o lado da cama, percebi que Javier não estava mais lá. Só então notei Carmen a poucos metros de distância, me observando atentamente.— Bom dia, senhora Herrera. Como está essa manhã? — Ela perguntou com um tom suave, mas havia uma preocupação visível em seu olhar.Eu não sabia como estava, nem mesmo como me sentia. Meu corpo parecia um turbilhão, e cada momento parecia ser uma nova incerteza. Quando pensava que estava começando a melhorar, algo me dizia que não estava bem.— Acho que estou melhorando... — murmurei, encostando as costas na cabeceira da cama enquanto me sentava, tentando processar o que estava acontecendo. — Onde está Javier?— Saiu logo que amanheceu. Não deveria se preocupar com ele, senhora.
JavierEntro rapidamente no hospital, o som dos meus passos ecoando no corredor silencioso.Atrás de mim, quatro dos meus homens me acompanham de perto, com Marco logo ao meu lado, seu olhar preocupado, mas sempre atento aos arredores. Meu coração martelava no peito com uma intensidade absurda, uma mistura de medo e fúria me consumindo.não conseguia pensar com clareza desde o momento em que Carmen pronunciou as palavras que me jogaram neste pesadelo: "hospital" e "Camille foi internada às pressas".Não fazia sentido. Nenhum sentido. Até a noite anterior, ela estava bem. Ou pelo menos, parecia estar.Caminho pelos corredores, meus olhos frenéticos analisando cada sala, cada rostinho estranho, mas nada dela. Minha paciência se esgota a cada porta errada.Finalmente, ao virar em outro corredor, avisto Carmen. Ela está sentada em uma das cadeiras de espera, com as mãos no rosto, visivelmente abalada.Quando me vê, ela levanta de repente, como se meu olhar a tivesse chamado. Sua expressão
CamilleMe sentia grogue, como se estivesse sob o efeito de um remédio potente, e talvez estivesse, já que estava em um hospital e não fazia ideia do porquê.Minha cabeça girava em círculos confusos enquanto eu tentava juntar as peças do que havia acontecido. As lembranças eram fragmentadas — a dor aguda na barriga, Carmen me segurando com firmeza, e, de repente, os corredores brancos e frios de um hospital.Na minha cabeça, as dores e o sangue só poderiam ter uma explicação: minha menstruação. Às vezes, minha TPM era tão ruim que eu mal conseguia ficar de pé, e talvez aquele fosse apenas um episódio extremo. Mas então, por que Carmen me arrastaria para um hospital por algo tão comum? Isso não fazia sentido.Meus olhos vagavam pelo cômodo. O quarto era pequeno, iluminado pela luz suave que escapava pelas cortinas mal fechadas. O cheiro característico de hospital — uma mistura de produtos de limpeza e algo metálico — parecia impregnar o ar. O bip rítmico de aparelhos ao meu redor preen
JavierDuas semanas.Quatorze dias se passaram desde o dia em que tudo desmoronou, mas, para mim, parecia que o tempo havia parado.Cada segundo era arrastado, um lembrete cruel do que eu não conseguia mudar. Meu escritório havia se tornado meu refúgio, minha cela. Passei os últimos dias enterrado aqui, cercado por pilhas de papéis e garrafas de uísque vazias. Não fazia nada com real propósito. As horas eram gastas encarando a mesa, o olhar perdido no mesmo ponto, como se esperasse que algo milagroso acontecesse.Os documentos diante de mim eram importantes, disso eu sabia. Alguns carregavam números alarmantes que deveriam exigir minha atenção, contratos esperando por assinaturas e decisões que só eu podia tomar.Mas não fazia diferença. Nada fazia.Meus homens começaram a entender que não adiantava entrar ali para cobrar respostas. Marco assumira parte das responsabilidades que cabiam a mim, enquanto o resto do mundo parecia se ajustar ao meu estado de negação.Levanto os olhos por u
CamilleEu havia me tornado um fantasma na casa.As palavras pareciam pesar mais do que o próprio silêncio, então eu escolhia ficar calada. De manhã à noite, tudo o que fazia era existir de forma apática. Não conversava com Carmen, evitava Suzu e, principalmente, mantinha Javier à distância. Não era algo planejado, apenas aconteceu.Minha mente estava cansada, meu corpo mais ainda, e eu não tinha energia para lidar com ninguém.No fundo, eu sabia que estava incomodando a todos. Carmen sempre tentava me animar com uma refeição especial ou com sua conversa incessante sobre flores do jardim. Suzu lançava olhares preocupados e fazia comentários ácidos na tentativa de me arrancar uma reação, mas nada funcionava.A verdade era que, depois de tudo, eu não sabia mais quem eu era. Não sabia o que fazer com o vazio que tinha se instalado dentro de mim.E Javier... Ele estava tão distante quanto eu, embora estivéssemos sob o mesmo teto. Ouvia as vezes seus passos firmes pelo corredor, mas ele nu
JavierEntrei no quarto com passos lentos, meu peito comprimido pela tensão que havia se tornado constante desde o que aconteceu. Era o nosso quarto, mas parecia estranho agora, carregado de uma atmosfera que eu não reconhecia, como se parte dele tivesse sido roubada junto com o que perdemos.Camille estava deitada na cama, virada para a porta. Seus olhos estavam molhados, mas ela não olhou para mim quando entrei. Da poltrona, Roberta levantou-se do assento em que estava e forçou um sorriso leve, um gesto que não combinava com a seriedade do momento.— Javier — disse, como se meu nome fosse uma ponte para uma conversa impossível.Eu não respondi.Meu olhar ficou preso em Camille, naquela forma delicada e abatida que parecia tão diferente da mulher forte e teimosa que conheci. Dei alguns passos na direção dela, ignorando a presença de Roberta.Queria tocá-la, mostrar que estava ali, mas, quando estendi a mão, Roberta interveio, sua voz baixa, mas firme.— Ela não quer ser tocada.Minh
CamilleA água do chuveiro caía sobre mim, escorrendo pelo meu corpo e se misturando com a espuma do sabonete, antes de desaparecer pelo ralo.Eu encarava aquele movimento, quase hipnotizada, como se a corrente pudesse levar embora o peso que carregava nos ombros, junto com o vazio que habitava dentro de mim. Mas era apenas uma ilusão. Nada parecia ser suficiente para preencher o buraco que se abriu na minha alma desde aquele dia.Ainda assim, algo estava mudando. Talvez fosse a forma como Javier se aproximava de mim agora, como se finalmente entendesse a profundidade da dor que dividíamos. Sua presença parecia um bálsamo, mesmo que ainda carregasse o peso da mágoa pelo que ele escondeu de mim.Talvez, apenas talvez, sua dor fosse tão genuína quanto a minha, e isso criava um terreno comum onde ambos podíamos tentar nos equilibrar.Desliguei o chuveiro e vesti o roupão, deixando a toalha sobre o cabelo molhado. Enquanto saía do banheiro, vi Javier no quarto, caminhando de um lado para
JavierOs sons do ginásio eram como uma trilha constante no fundo da minha mente.Punhos batendo em sacos de pancada, os grunhidos abafados de esforço, os pesos sendo erguidos e caindo no chão de borracha. Tudo isso me mantinha focado, distraído de tudo o que estava acontecendo lá fora, de tudo que eu sentia mas não queria lidar.Meu corpo estava em movimento, os músculos queimando com a repetição incessante de golpes no saco de pancadas e, depois, no meu oponente. O suor escorria pela minha testa, pingando no tatame, enquanto o ar denso do ginásio queimava em meus pulmões.Eu estava no ringue, enfrentando um dos meus homens. Era apenas treino, mas não significava que eu pegaria leve. Cada golpe que dava tinha uma força bruta que parecia mais sobre descarregar a tensão no meu corpo do que vencer uma luta. Meu oponente era bom, mas não estava no mesmo nível. E mesmo assim, eu não me segurava. Precisava sentir a dor, o cansaço extremo, precisava me esgotar até não ter forças para pensar