Capítulo 5

Verônica

Após a abordagem daquele garoto, continuei em direção aos portões da universidade, onde o ônibus — que é disponibilizado para a locomoção dos alunos bolsistas — já estava nos esperando. Sentei em um dos bancos e assim que todos embarcaram, o motorista seguiu viagem.

Mais ou menos quinze minutos depois, cheguei no apartamento. Tirei a blusa de frio e guardei no quarto junto com minha mochila, então fui preparar algo para comer. Decide fazer tacos, pois o preparo da massa é rápido. Além disso, já tinha frango com legumes pronto na geladeira. Apesar de ser uma comida mexicana, também é muito consumida nos Estados Unidos. Eu, particularmente adoro.

Coloquei o recheio para esquentar e quando terminei de fritar as massas, montei um taco, peguei um refrigerante e sentei para comer. Ao terminar de me alimentar, lavei a louça e fui até o banheiro escovar os dentes. Como ainda tinha alguns minutinhos antes de sair para o trabalho, deitei no sofá.

Logo a porta se abriu e minha prima entrou, falando ao telefone.

— Está bem, depois conversamos, agora preciso desligar… até mais! — Ela encerrou a ligação ao fechar a porta e me cumprimentou, enquanto colocava as chaves na mesa. — Oi, Vê! Pensei que já estivesse trabalhando.

— Oi Isa! A partir de hoje eu começo às quatorze horas, esqueceu?

— Ah é verdade! Que memória a minha! — Ela deu um leve tapinha na própria testa.

Eu ri.

— Que cheirinho bom é esse? Você fez tacos? — Ela perguntou.

— Sim, estão no microondas e ainda devem estar quentes.

— Hum, que delícia! Vou comer um. Estou faminta.

Isabella começou a montar um taco e da cozinha mesmo, iniciou uma conversa.

— Mas me conta como foi seu primeiro dia. Quero saber tudo, hein?! Já fez amizades? Tem muitos gatinhos na sua turma? Você se interessou por algum?

— São muitas perguntas de uma vez só. Você não acha? — Retruquei.

Ela abriu a geladeira e pegou uma garrafinha de suco.

— Claro! Eu estou curiosa! Vamos, me conte logo ou não vai dar tempo. — Falou sentando-se na poltrona à minha frente.

Vendo que ela não ia parar de insistir, resolvi resumir a história.

— O primeiro dia foi normal, nada fora do comum. Fiz algumas amizades, e a aula foi interessante. No entanto, o professor de desenho artístico decidiu que teremos que estudar em duplas, e adivinha só? Fui sorteada para estudar com o garoto mais convencido da universidade!

Isa riu ao ouvir aquilo.

— Conhecendo você e o gênio forte que tem, tenho certeza que isso será mesmo um grande problema! — Ela provocou.

— Isabella! — Eu contestei, fingindo estar chateada.

Ela riu ainda mais.

— O que foi? Não falei nenhuma mentira.

Eu a encarei, reprovando sua atitude apenas com um olhar. Ela disfarçou, tentando encontrar um lado positivo na situação.

— Ele é bonito pelo menos?

— Sim, ele é. No primeiro momento que o vi, até me senti um pouco atraída. Mas isso durou só até ele abrir a boca e começar a falar com aquele jeito arrogante e superior. — Revirei os olhos, lembrando da atitude dele.

— E qual é o nome dele?

— Carlos Eduardo. A propósito, ele é irmão de um dos meninos que eu fiz amizade, o Vinícius e já deu para notar que os dois são completamente diferentes. — Ela me olhou pensativa.

— Por acaso você se lembra qual é o sobrenome deles?

Eu busquei em minha mente, tentando me recordar.

— Acho que é Viturino.

A reação dela me surpreendeu.

— Eu não acredito que você está estudando com os irmãos Viturino e reclamando porque sua dupla é aquele gato do Cadu! — Ela exclamou.

Eu fiquei sem entender nada!

— Espera Isa, você os conhece? — Perguntei, completamente confusa.

— Pessoalmente, não, mas a América inteira sabe quem eles são. Qualquer menina daria tudo para formar dupla com qualquer um dos dois. — Ela respondeu, acomodando-se novamente na poltrona.

— Mas como minha mãe sempre diz, eu não sou todo mundo! E não vou me deixar levar apenas por um rostinho bonito de alguém tão fútil, como ele. — Eu disse, toda confiante.

Ela simplesmente sorriu.

— Não sei, não… acho que essa implicância toda representa outra coisa… — Ela insinuou, levando-me a pensar em algo que eu preferia não considerar.

— Aí, por favor, Isabella… não fale besteiras! — Pedi, tentando ignorar suas suposições.

— Não é nenhuma besteira! Entre o ódio e o amor, a linha é tênue, gata! — Comentou e levou a garrafa de suco até a boca.

Eu revirei os olhos e me levantei no mesmo instante.

— Chega dessa conversa, né?! Já deu a minha hora! — Peguei minhas chaves, meu celular e fui em direção a porta, deixando-a sozinha com seus absurdos.

— Isso mesmo, fuja do assunto… você se esquiva porque sabe que tenho razão. Pode ir agora para não se atrasar, mas terminaremos essa conversa mais tarde! Ouviu, gatinha?

— Já terminamos, Isa! Bye! — Falei e saí sem olhar para trás.

Ela ficou lá, rindo sozinha.

Caminhei por cerca de dez minutos e logo cheguei na casa de dona Emma, a senhora encantadora que faço companhia no período da tarde, até Benjamin, o neto dela, voltar do café onde trabalha. Ao cruzar a porta, senti aquele delicioso cheiro que a casa sempre exalava: um aroma aconchegante do piso de madeira envernizado, misturado com o perfume suave das flores do jardim.

— Boa tarde, dona Emma! Como a senhora está hoje? Melhorou a dor no joelho? — Cumprimentei ao entrar na residência e fui recebida com um sorriso caloroso. Ela estava sentada na poltrona da sala, lendo um livro. Sua expressão iluminada sempre trazia um pouco de alegria para o meu dia.

— Boa tarde, Verônica, my darling! O repouso do final de semana foi ótimo, não sinto mais nada!

— Que bom! Isso quer dizer que hoje já podemos retomar a caminhada de final de tarde. — Pronunciei animada, sabendo o quanto ela gostava de fazer esse passeio, então Benjamin saiu do corredor dos quartos e juntou-se a nós na sala.

— Você não sabe o quanto ela está ansiosa por isso, Verônica! — Ele comentou sorrindo.

Todos rimos, aproveitando o clima descontraído.

— E aí, gostou da aula? — Benjamin perguntou, demonstrando interesse genuíno.

— Uhum, muito! Foi bastante interessante e também conheci algumas pessoas legais. Estou animada para as próximas aulas.

— Maravilha! Fico feliz em saber disso! Você é uma garota muito esforçada e merece chegar longe. — Ele elogiou.

Eu esbocei um sorriso de agradecimento.

— Obrigada, Benjamin! Suas palavras significam muito para mim.

— Que isso… é só a verdade! Mas agora preciso ir. Tchau vó, até mais tarde. — Ele deu um beijo no rosto de dona Emma e se despediu de mim. — Tchau, Vê!

— Tchau meu neto, que Deus te acompanhe! — Ela lhe deu a benção. Eu apenas me despedi com um aceno, então ele saiu.

Agora era hora de aproveitar o tempo que teríamos juntas.

— E então dona Emma, o que quer fazer primeiro? — Perguntei, já imaginando qual seria a resposta.

— Jogar damas! — Ela respondeu prontamente, com um brilho de entusiasmo nos olhos.

Eu sorri, porque já sabia que esse era um dos jogos preferidos dela.

— Ok, espere só um momento que eu vou pegar o tabuleiro e já volto.

Peguei o jogo, me sentei em frente a ela e começamos a partida. Jogos de tabuleiro são os preferidos de dona Emma, e em segundo lugar está o pôquer. Apesar destes serem seus preferidos, ela também gosta de outros tipos, como o dominó e até mesmo vídeo game. Confesso que dá um trabalhão para ganhar dela, mas eu adoro a competição saudável entre nós.

De segunda a sexta-feira minhas tardes são todas assim. Meu trabalho é fazer companhia a essa senhora, dar-lhe seus remédios na hora certa e ajudá-la a se distrair. Nós conversamos muito… ela me conta histórias de sua juventude, suas aventuras e todo o romantismo com seu falecido marido. Sempre que fala dele, vejo que seus olhos brilham. Dá para sentir a intensidade do amor que eles compartilhavam. Os dois com certeza eram almas gêmeas.

Toda vez que entramos neste assunto meu coração aperta, pois me lembro de Miguel e percebo que não terei a mesma sorte de viver um grande e intenso amor. Afinal, o meu partiu cedo demais, e eu nem pude me despedir. Mas isso não vem ao caso agora… infelizmente eu não posso fazer nada para mudar o passado e mesmo sem ele, eu tenho que seguir em frente. É exatamente o que estou fazendo.

Passamos uma tarde tranquila e às dezessete horas fomos caminhar no parque que fica próximo à casa dela. Dona Emma encontrou uma velha amiga, que diferente dela — que esbanja saúde e consegue fazer tudo sozinha, tendo a mim apenas para lhe fazer companhia — a outra senhora está com a saúde debilitada, e vive em uma cadeira de rodas por não conseguir mais andar. A mulher que a acompanha, e é responsável por lhe dar todo o suporte necessário, é sua enfermeira.

Percebi que a situação atual da amiga deixou dona Emma abalada, e como ambas se emocionaram muito com o reencontro, acabamos excedendo o tempo do passeio. Tanto a enfermeira, quanto eu, decidimos deixá-las conversando um pouco mais, já que dona Abigail não pode sair de casa com frequência.

Já eram quase dezenove horas quando voltamos para casa.

— A senhora está bem, dona Emma? — Perguntei ao vê-la com os olhos ainda marejados.

— Sim, darling! Me emocionei por ver Abigail depois de tanto tempo… nós havíamos perdido o contato depois que o canalha do filho dela a levou para morar com ele. E agora, justo quando ela mais precisa por estar com a saúde tão fragilizada, aquele miserável a mandou de volta para casa, como se fosse um objeto descartável. — Ela fez uma pequena pausa, e seu olhar vagou para longe. — Espero que meu neto nunca faça isso comigo.

— Quanto a isso fique tranquila, dona Emma! Benjamin é um bom rapaz e lhe ama muito. Ele jamais faria isso!

— Deus te ouça, my darling! — Ela disse esperançosa e completou: — Sabe? Depois que perdi minha única filha, tenho medo que a vida me tire meu único neto também. Se Benjamin se casar com uma mulher mesquinha, ela não vai aceitar que ele leve consigo uma “bagagem velha” como eu. Se você fosse a esposa dele, eu não teria essa preocupação, pois sei o quanto gosta de mim e me trata bem. Tenho certeza que me dariam um lugarzinho no lar de você, para que eu pudesse ver meus bisnetos crescerem, correndo pelo jardim.

Eu sorri ao ouvi-lá, pois ela sempre diz a mesma coisa.

— A senhora é adorável, dona Emma, não tem como não gostar! E mais… tenho certeza que quando Benjamin decidir construir uma família, será com uma mulher de boa índole, que vai amá-la tanto quanto ele. — Falei e ouvi alguns passos atrás de mim.

— Já está tentando nos casar de novo, vó? A senhora não tem jeito mesmo! — Benjamin disse, anunciando sua chegada.

Nós rimos, então ele se recompôs e me perguntou:

— Como foi o dia?

— Muito bom! Chegamos ainda a pouco do parque e ela disse que não sentiu dor alguma.

— Isso é ótimo! Significa que não há mais inflamação.

— Parece que não. — Eu sorri. — Bom, eu já vou indo… até amanhã dona Emma, tchau Benjamin!

— Até amanhã, my darling!

— Tchau, Verônica… se cuida!

Nós despedimos, então comecei a andar em direção ao prédio. Alguns minutos depois, cheguei no apartamento, e após tomar um banho revigorante, hidratei minha pele com um creme suave. Escolhi uma calça jeans skinny e uma blusa preta de alcinha para compor meu look. Fiz um rabo de cavalo alto no cabelo e calcei meu confiável All Star branco. Finalizei com uma leve borrifada de perfume antes de ir para a sala com meu material, aguardando a chegada do garoto insuportável. Aliás, ele estava atrasado. Além de arrogante, mimado e chato, também era irresponsável. Agora, só faltava isso para completar o combo.

Quase meia hora se passou e ele ainda não havia aparecido. Percebendo que estava apenas perdendo meu tempo, abri meu laptop e, enquanto ele iniciava, meu celular tocou. Vi que era um número desconhecido e hesitei em atender, mas a pessoa insistiu algumas vezes e acabei cedendo.

— Alô? — Atendi, curiosa.

— Verônica, é o Cadu!

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